Quantos 8 de Março ainda temos pela frente?

A vulnerabilidade de género, que encontra em outras vulnerabilidades sociais aliadas de campanha, dá frequentemente lugar a desigualdades múltiplas, intrincadas, complexas, simultaneamente subtis e grosseiras

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Allef Vinicius/Unsplash

No dia em que se reflecte sobre a urgência da igualdade de género — 8 de Março —, as evidências da Europa e do mundo sobre a situação das mulheres atravessam-nos a consciência como punhais afiados. Num século que se queria de consagração efectiva de direitos, os dados revelam uma realidade que está longe de reconhecer e de conferir às mulheres liberdades e garantias fundamentais.

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No dia em que se reflecte sobre a urgência da igualdade de género — 8 de Março —, as evidências da Europa e do mundo sobre a situação das mulheres atravessam-nos a consciência como punhais afiados. Num século que se queria de consagração efectiva de direitos, os dados revelam uma realidade que está longe de reconhecer e de conferir às mulheres liberdades e garantias fundamentais.

A vulnerabilidade de género, que encontra em outras vulnerabilidades sociais aliadas de campanha, dá frequentemente lugar a desigualdades múltiplas, intrincadas, complexas, simultaneamente subtis e grosseiras, uma espécie de combustível para a máquina oleada da opressão que labuta em permanência.

Da casa à rua, as mulheres permanecem hoje reféns de espartilhos outros, igualmente asfixiantes. Em contextos de paz ou de guerra, as mulheres vivem em guerra. Vítimas da violência, da discriminação, do assédio, da exclusão e do estigma social, são elas quem, regra geral, enfrentam os desafios mais difíceis. Na família, no trabalho, na política são elas quem têm de subir mais degraus e levar aos ombros os pesos mais pesados. Se oriundas de grupos particularmente mais desprotegidos, em função do estatuto socioeconómico, da pertença étnica, da orientação sexual ou da identidade de género, os degraus avolumam-se e os pesos engordam.

Ainda assim, os ecos da resistência não esmorecem. As mulheres organizam-se em colectivos informais, constituem associações, solidarizam-se, constroem pontes, dão as mãos, gritam e fazem-se ouvir. A força das alianças, ainda que por vezes invisíveis, catapulta as mulheres para a frente da batalha. Uma batalha que não pode vencer-se senão através da solidariedade.

O exemplo do apelo à denúncia dos casos de assédio sexual, nos EUA, em 2017, que se viria a tornar um movimento social à escala global e a ser eleito personalidade do ano pela revista Times, é reflexo disso mesmo. Ao incentivar outras mulheres (mas também os homens) a partilhar, nas redes sociais, os casos de violência sofrida, usando a hashtag #MeToo, o movimento trouxe à tona milhares de situações de vitimação que até então estavam ocultas. O efeito de contágio foi de tal ordem que um grupo de mulheres muçulmanas criou, entretanto, a hashtag #MosqueMeToo para denunciar, também nas redes sociais, casos de assédio sexual vividos durante a peregrinação a Meca e a outros locais sagrados.

A nível nacional, e a outra escala, o exemplo do Encontro de Mulheres: Todas as Vozes Contam — que se realiza na Escola Artística Soares dos Reis, no Porto, a 10 e a 11 de Março — também é reflexo da força das alianças entre as mulheres. Naquele que pretende ser um território de criação de ferramentas de mudança social e de empowerment das mulheres, discutir-se-ão questões actuais que enformam a agenda feminista do século XXI. Nas afinidades e nas diferenças, as mulheres mostram, pois, ser capazes de traçar o rumo que querem seguir.

Outros 8 de Março virão certamente. E com eles a certeza da urgência da igualdade de género. E com eles a celebração da força das alianças entre as mulheres. Até que os degraus se encolham e os pesos emagreçam.