Gary Cohn, o homem que abanou com o racismo e caiu com as tarifas
O principal conselheiro do Presidente Trump para assuntos económicos anunciou a saída, em choque com o proteccionismo da Casa Branca. E a vida ficou ainda mais difícil para os defensores do comércio livre.
Em muitos aspectos, Gary Cohn nunca foi uma escolha óbvia para aconselhar o Presidente Donald Trump sobre comércio internacional. Se durante a campanha para a Casa Branca, em 2015 e 2016, alguém dissesse que o candidato do Partido Republicano, proteccionista e anti-Wall Street, iria chamar para perto de si um eleitor registado no Partido Democrata, ex-presidente da Goldman Sachs e defensor da globalização até à medula, os milhões que gritavam "drain the swamp" em animados comícios por todo o país ficariam, no mínimo, confusos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Em muitos aspectos, Gary Cohn nunca foi uma escolha óbvia para aconselhar o Presidente Donald Trump sobre comércio internacional. Se durante a campanha para a Casa Branca, em 2015 e 2016, alguém dissesse que o candidato do Partido Republicano, proteccionista e anti-Wall Street, iria chamar para perto de si um eleitor registado no Partido Democrata, ex-presidente da Goldman Sachs e defensor da globalização até à medula, os milhões que gritavam "drain the swamp" em animados comícios por todo o país ficariam, no mínimo, confusos.
Mas foi isso mesmo que aconteceu em Janeiro de 2017, assim que Trump chegou à Casa Branca – como director do Conselho Nacional Económico norte-americano, Gary D. Cohn passou a ser uma das vozes mais influentes entre os próximos do Presidente, e a sua reputação no círculo das bolsas de valores e das grandes multinacionais foi muito importante para o sucesso da reforma fiscal no Congresso, em Dezembro passado.
Mas entre a chegada de Cohn à Casa Branca e a sua anunciada saída, terça-feira – poucos dias depois de a Casa Branca ter anunciado um aumento das tarifas para a importação de produtos metálicos –, Cohn e Trump tiveram uma relação atribulada, que poderia ter terminado em Agosto do ano passado, muito antes da actual crise comercial.
No dia 15 desse mês, Donald Trump desceu até à entrada da sua Trump Tower, em Manhattan, para dar uma conferência de imprensa sobre infra-estruturas que acabou por ser ofuscada pela morte de uma manifestante durante uma marcha de supremacistas brancos em Charlottesville, na Virginia. Ao seu lado, Gary Cohn ficou em silêncio enquanto ouviu o Presidente a tentar justificar o acto do homem que conduziu um carro a alta velocidade contra um grupo de manifestantes anti-racistas, dizendo que os dois lados foram igualmente "maus" e "muito violentos".
Mas, dez dias mais tarde, Cohn deixou bem patente as suas divergências com o Presidente Trump numa entrevista ao Financial Times: "Os cidadãos que defendem a igualdade e a liberdade nunca podem ser comparados a supremacistas brancos, a neonazis e ao Ku Klux Klan. Acredito que esta Administração pode e deve fazer melhor, condenando de forma consistente e inequívoca estes grupos e fazendo todos os possíveis para pôr fim às profundas divisões que existem nas nossas comunidades." Vários jornais noticiaram que a sua saída esteve por um fio.
Nessa altura, a relação entre Trump e Cohn abanou mas não caiu – caiu agora, quando o Presidente decidiu aumentar as tarifas sobre o aço e o alumínio, o que tem provocado uma onda de críticas nas redes sociais às prioridades do antigo presidente da Goldman Sachs (o jornal satírico The Onion, por exemplo, escreveu que "Gary Cohn demitiu-se em protesto contra os comentários intolerantes de Trump sobre o alumínio").
Prioridades à parte, Gary Cohn era um dos últimos defensores na Casa Branca da visão mais tradicional do Partido Republicano sobre comércio livre – ao contrário do populismo de Donald Trump, uma grande parte dos políticos republicanos, principalmente no Senado, são contra o levantamento de barreiras no caminho da globalização e defendem a assinatura de acordos internacionais como o NAFTA, que a Casa Branca decidiu renegociar.
Num editorial publicado na noite de terça-feira, após a notícia da saída de Gary Cohn, o Wall Street Journal refere-se a este momento como "um golpe de Estado de Ross e dos proteccionistas", referindo-se a Wilbur Ross, o magnata que serve como secretário do Comércio na Administração Trump.
Por isso, o jornal faz "uma pergunta óbvia", deixando a ideia de que a saída de Cohn pode ser ainda mais perigosa para o comércio internacional do que deixa antever o aumento das tarifas anunciado na semana passada pela Casa Branca: "Quem irá substituí-lo?"
"Dito de outra forma, quem na comunidade de especialistas em comércio livre aceitará o cargo? Cohn, uma personalidade forte por direito próprio, serviu de lastro contra alguns dos piores instintos de política económica de Trump. É difícil imaginar que alguém de fora do actual círculo de defensores do proteccionismo que rodeia o Presidente venha a oferecer-se para se submeter a mais casos como o que se tem desenrolado na última semana."
Para o Presidente Trump, a saída de Gary Cohn é mais uma daquelas coisas da vida, e nada podia ser mais "falso" do que "a nova narrativa das Fake News". Numa mensagem publicada no Twitter em que desmente as notícias sobre o "caos na Casa Branca", Trump diz que "as pessoas estão sempre a entrar e a sair" e que a decisão final é sempre dele.
E deixa um alerta: "Ainda quero substituir algumas pessoas (sempre em busca da perfeição). Não há caos, há apenas uma grande energia!"