Bruxelas não quer guerra comercial, mas prepara armas contra Trump

Comissária europeia do Comércio explicou as medidas que a UE vai tomar se os EUA avançarem com aumento das tarifas do aço e alumínio. Taxar a manteiga de amendoim e apresentar queixa na OMC estão na agenda.

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Trabalhador de metalurgia em Duisburg, na Alemanha FRIEDEMANN VOGEL/EPA

Um processo colectivo contra os Estados Unidos junto da Organização Mundial do Comércio e a revisão das tarifas para a entrada de produtos agrícolas e industriais norte-americanos na União Europeia são medidas “inevitáveis” e que serão postas em prática assim que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinar o decreto a aumentar as tarifas para a importação de aço e aluminio que anunciou na semana passada, confirmou a comissária Europeia do Comércio.

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Um processo colectivo contra os Estados Unidos junto da Organização Mundial do Comércio e a revisão das tarifas para a entrada de produtos agrícolas e industriais norte-americanos na União Europeia são medidas “inevitáveis” e que serão postas em prática assim que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinar o decreto a aumentar as tarifas para a importação de aço e aluminio que anunciou na semana passada, confirmou a comissária Europeia do Comércio.

Cecilia Malmström ainda espera que as medidas que Bruxelas preparou para “reequilibrar” o fluxo do comércio com os EUA, e ao mesmo tempo “proteger o mercado e os postos de trabalho europeus” não tenham que ser aplicadas. Isso seria sinal de que “alguém” na Administração norte-americana “tinha lido os livros de História” e compreendido que “numa guerra comercial nunca há vencedores”.

Mas no caso de se ver impelida a agir, em resposta a uma “decisão errada” do Presidente dos EUA, a União Europeia será implacável na defesa dos interesses dos seus Estados membros: de forma “equilibrada e proporcional”, repetiu Cecília Malmström; no escrupuloso cumprimento das regras da Organização Comercial de Comércio (OMC) e sem qualquer intenção “retaliatória” ou desejo de provocar uma escalada.

Depois da divulgação (na terça-feira) de uma extensa lista de artigos que poderão ser atingidos pela subida das taxas alfandegárias na Europa, a comissária do Comércio esclareceu a posição da UE. A introdução de novas tarifas ainda está dependente do comportamento dos EUA, caucionou. “Não foi tomada nenhuma decisão ainda, até porque estamos confiantes que a UE será excluída dessa medida”, disse. “Mas por uma questão de transparência, anunciamos o que estamos preparados para fazer para reduzir os impactos na nossa economia”, acrescentou.

"Não podemos ficar em silêncio"

A União Europeia quer fazer passar uma mensagem conciliatória e de abertura ao diálogo e ao consenso com os EUA para evitar que a disputa sobre o aumento das tarifas do aço e alumínio acabe por escalar para uma guerra comercial global, ao mesmo tempo que quer mostrar firmeza e determinação. “Não estamos satisfeitos com esta decisão e não podemos ficar em silêncio quando uma medida potencialmente tão gravosa para a UE está a ser preparada”, frisou.

A comissária até admitiu que a Administração norte-americana tem razão em denunciar a situação de concorrência desleal resultante do facto de “muita da produção de aço e alumínio ocorrer com base em subsídios e apoios de Estado”. No entanto, confirme sublinhou, a solução dos EUA “virar para dentro não é a resposta, e o proteccionismo não é a solução”.

Bruxelas preparou uma resposta tripla à manobra proteccionista dos EUA, explicou a comissária. A primeira vertente de actuação é institucional e jurídica, e passa pela apresentação formal de uma queixa contra os Estados Unidos na Organização Mundial de Comércio, por desrespeito.

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Segundo Cecília Malmström, os países da UE exportam uma quantidade de aço muito pequena para os EUA, "e é aço muito sofisticado"

A decisão de Donald Trump foi anunciada como uma medida extraordinária para proteger a segurança nacional. Segundo Cecília Malmström, esse argumento é “difícil de entender” do ponto de vista político, uma vez que os países da UE são “amigos e aliados dos EUA na NATO” e as exportações europeias para os EUA representam uma percentagem “muito pequena” do bolo total, e são de “aço muito sofisticado”.Mas do ponto de vista legal é ainda pior. “Estamos bastante confiantes de que na OMC vingará a nossa posição de que esta é uma medida de salvaguarda económica disfarçada com o argumento de uma ameaça à segurança nacional”, disse, classificando a decisão de Donald Trump como uma acção de “protecção da indústria doméstica” que é “incompatível” com o quadro da OMC.

A segunda vertente passa pela adopção de medidas próprias de salvaguarda, para garantir que o mercado europeu não será negativamente afectado (isto é, inundado) pelos excedentes de aço e alumínio que serão “desviados” para outros destinos.

Sumos, tabaco, baton...

E finalmente, naquela que é a componente mais “espalhafatosa” da reacção europeia, Bruxelas vai rever, possivelmente para 25%, as suas próprias tarifas de importação de centenas de produtos norte-americanos: artigos de ferro e aço, embarcações e motorizadas, mas também têxteis, vestuário e calçado, artigos de maquilhagem e manicure/pedicure, e uma variedade de produtos agrícolas, que vão dos cereais aos sumos de fruta, manteiga de amendoim, bourbon e tabaco, num valor total estimado de 2,8 mil milhões de euros.

A lista de produtos que foi posta a circular (um documento Excel de cinco páginas) ainda é provisória e só ficará fechada depois do acordo de todos os 28 Estados-membros, avisou Malmström.

A comissária garantiu que não houve cálculos político na escolha dos artigos — depois de vários jornalistas e comentadores terem assinalado a “coincidência” de serem provenientes de estados de maioria republicana e representados pelas figuras de topo do Congresso (por exemplo, é no Wisconsin, de onde vem o congressista Paul Ryan, speaker do Congresso, que fica a sede da Harley Davidson, e o estado que é o maior produtor de bourbon dos EUA é o Kentucky, do líder da maioria do Senado, Mitch McConnell). “São produtos para os quais existem outras alternativas para os consumidores europeus”, justificou.

A comissária também preferiu não responder às provocações dos jornalistas que lhe recordaram que o Presidente dos EUA não é conhecido pelas suas posições “equilibradas”. Ainda este sábado, confrontado com as críticas de Bruxelas, Donald Trump veio ameaçar a Europa com um aumento de 25% nas tarifas de importação de automóveis. “Por ano, são produzidos dois milhões de automóveis por empresas europeias [instaladas] nos EUA, que criam muitos postos de trabalho e muita receita para o país”, assinalou.

Esta quarta-feira, o porta-voz da OMC em Genebra confirmou que além da União Europeia, outros membros, como a China, o Brasil e o Canadá, exprimiram a sua preocupação com a possibilidade de uma escalada retaliatória que “se pode tornar uma espiral fora do controlo e prejudicar todo o sistema multilateral de trocas comerciais”.

Mas o mesmo responsável confirmou que vários desses países estão a preparar a sua própria resposta à manobra de Donald Trump — que na opinião do embaixador canadiano, “está a querer abrir uma caixa de Pandora que não vai ser capaz de fechar”.