Recriado o genoma de ave extinta há 700 anos com peça de museu
Há outras espécies extintas que já tiveram o seu genoma descodificado, como o mamute-lanudo, os neandertais e os denisovanos. No caso dos moas, esta leitura genética poderá facilitar a obtenção do código genético de outras aves semelhantes.
Um grupo de cientistas da Universidade de Harvard (e um ornitólogo de um museu canadiano) conseguiu descodificar a quase totalidade do genoma dos pequenos moas da espécie Anomalopteryx didiformis, que viviam na Nova Zelândia há centenas de anos. Tinham uma estatura parecida com a do peru e eram aves com uma característica distintiva: não tinham asas.
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Um grupo de cientistas da Universidade de Harvard (e um ornitólogo de um museu canadiano) conseguiu descodificar a quase totalidade do genoma dos pequenos moas da espécie Anomalopteryx didiformis, que viviam na Nova Zelândia há centenas de anos. Tinham uma estatura parecida com a do peru e eram aves com uma característica distintiva: não tinham asas.
Na Nova Zelândia viviam não só os moas Anomalopteryx didiformis, que podiam atingir cerca de um metro de altura, mas também oito outras espécies destas aves. Ficaram todas extintas há cerca de 600 anos ou 700 anos, altura em que os seres humanos chegaram à ilha – e não foi coincidência, mas sim consequência sobretudo da caça intensiva por parte dos humanos.
Todas herbívoras, as nove espécies de moas não estavam distribuídas de maneira uniforme pelas duas ilhas principais da Nova Zelândia. Duas espécies só existiam na Ilha Norte, outras duas viviam em ambas as ilhas e as restantes cinco só habitavam a Ilha Sul. O Anomalopteryx didiformis era comum nas florestas das duas ilhas da Nova Zelândia.
O ADN desta espécie foi reconstituído através do material recolhido de um único osso da pata de uma destas aves, que pertence ao Museu Real do Ontário, no Canadá. O artigo científico em que são apresentadas estes resultados está disponível online desde Fevereiro num repositório de acesso livre de trabalhos científicos de biologia – o bioRxiv –, mas ainda não foi publicado em nenhuma revista científica ou sujeito a avaliação prévia pelos pares. Além da sequenciação completa do ADN das mitocôndrias (as chamadas baterias da célula, que ficam fora do núcleo das células), a equipa relata a primeira descodidicação do material genético do núcleo celular de uma espécie de moa.
A tarefa de recolher ADN de peças antigas pode ser dificultada pela degradação do material genético. Depois de a amostra de material genético estar recolhida, a parte mais difícil é perceber onde encaixam as sequências genéticas do ADN do núcleo das células desta espécie de aves, compostas por mais de 900 milhões de nucleótidos – a adenina, timina, citosina e guanina, elementos químicos de base que constituem a molécula de ADN, representadas pelas letras A, T, C e G. Os genes são conjuntos dessas letras (pequenas moléculas), que comandam o fabrico de proteínas e se encaixam aos pares: A com T e C com G.
Há outros casos de genomas de espécies extintas que foram recriados, com elevada qualidade; dois deles são parentes nossos: os neandertais (através do ADN contido no fémur do mais antigo fóssil de humano moderno, uma mulher que vivia nos Montes Altai, Rússia) e os denisovanos (a partir de uma pequena parcela da falange de um dedo fossilizado, encontrado em 2008 na gruta siberiana Denisova, daí o nome). Sequenciado está também o genoma dos pombos-comuns, por exemplo, e dos extintos mamutes-lanudos.
Como estes mamutes-lanudos estavam bem conservados no solo gelado da Sibéria – que até conservou o pêlo que os cobria desde há milhares de anos até aos dias de hoje, valendo-lhes o nome –, foi possível reconstituir a molécula de ADN contida no núcleo das suas células.
Possuindo o material genético dos animais extintos, torna-se teoricamente possível trazer estes animais de volta à vida, como se de uma sequela do filme Parque Jurássico se tratasse. Mas não seria tarefa fácil. Na altura em que foi sequenciado o genoma do mamute-lanudo, o jornalista de ciência Henry Nicholls escreveu um artigo para a revista Nature em que evidenciava o quão complicado seria fazer nascer um destes mamutes a partir do seu ADN, fazendo com que tudo batesse certo: “Para pôr carne nos ossos do rascunho de genoma”, escrevia Nicholls, “seria preciso dominar, no mínimo, as seguintes etapas: definir quais vão ser os genes da nossa criatura, sintetizar os cromossomas a partir dessas sequências, colocá-los dentro de um invólucro nuclear adequado; transferir esse núcleo para um ovócito compatível [os de elefante, a escolha mais natural, são extremamente escassos]; e transferir o embrião resultante para um útero que o leve até ao termo.”
No caso dos moas, a escolha dos ovos mais provável seria a dos seus parentes mais próximos: os emus, cujo ADN foi precisamente usado como comparação para tentar perceber como encaixar as peças do material genético dos moas; os investigadores conseguiram que 85% do genoma ficasse bem posicionado. No final de tudo isto, seria ainda preciso criar vários indivíduos para que pudessem reproduzir-se.
A descodificação do genoma destas pequenas aves poderá ser também útil para facilitar a leitura do material genético das outras oito espécies de moas extintas, assim como de outras aves não voadoras que tenham um genoma semelhante ao dos Anomalopteryx didiformis. Como referido no artigo científico, este genoma “abre um novo capítulo” na investigação do material genético dos moas.