Internet, a rede que apanhou o mundo
Em três décadas, uma tecnologia usada por entusiastas e académicos espalhou-se e transformou o globo numa aldeia em que todos podem falar com todos.
Foi uma coincidência: o PÚBLICO nasceu e cresceu ao mesmo tempo que a World Wide Web.
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Foi uma coincidência: o PÚBLICO nasceu e cresceu ao mesmo tempo que a World Wide Web.
A Web foi inventada por um engenheiro discreto e acabou por ser fundamental para popularizar a Internet, uma invenção mais antiga e de raízes militares. Foi a Web, e um número cada vez maior de pessoas ligadas à Internet, que abriu o caminho ao aparecimento de múltiplos novos negócios e serviços. A tecnologia transformou a forma como comunicamos, consumimos informação, formamos opiniões, trabalhamos, conhecemos pessoas, planeamos viagens, encontramos empregos e fazemos compras. A voragem com que as tecnologias de informação tomaram conta do quotidiano levam a que um mundo a funcionar offline pareça algo de outra era. Porém, tudo aconteceu em poucas décadas.
Embora Internet e Web sejam algumas vezes usadas como sinónimos, as duas invenções nasceram com 20 anos de intervalo. A Internet foi criada no final da década de 1960, como resultado de um projecto militar dos EUA, numa altura em que o clima de Guerra Fria levava os responsáveis políticos e militares a quererem desenvolver um sistema que permitisse manter as comunicações em caso de ataque, nomeadamente nuclear. Numa agência de investigação do Departamento de Defesa, cientistas trabalhavam afincadamente para conseguir fazer algo que hoje acontece um incontável número de vezes a cada segundo: pôr um computador a comunicar com outro. A primeira comunicação entre computadores na chamada "ARPANet" (a rede militar que viria a dar origem à Internet) aconteceu em 1969, com uma mensagem transmitida entre o Centro de Investigação Stanford e a Universidade da Califórnia, a uns 600 quilómetros de distância. Pouco depois, os engenheiros Vint Cerf e Robert Kahn viriam a criar um protocolo de comunicação entre computadores que ainda hoje é usado na Internet.
Esta invenção permaneceu relativamente obscura durante as duas décadas seguintes, confinada sobretudo às instalações militares e à bolha das academias. Estudantes e professores universitários trocavam emails entre si, havia grupos de mensagens, e alguns milhares de entusiastas ligavam-se à rede. Mas ainda não havia nenhuma aplicação prática para a Internet que fosse aliciante o suficiente para atrair um grande volume de utilizadores. A mudança começou em 1989.
Naquele ano, um engenheiro informático chamado Tim Berners-Lee apresentou uma proposta escrita aos seus superiores do CERN, o famoso laboratório de física de partículas que funciona em Genebra. A ideia, explicou o próprio no seu livro Weaving the Web ("Tecendo a Rede", numa tradução livre), germinava na cabeça de Berners-Lee há alguns anos: criar um sistema que pusesse o conceito de hipertexto (a ideia de documentos interligados e que remonta, pelo menos, à primeira metade do século XX) a funcionar na rede de computadores, que desde a sua criação nos EUA estava a espalhar-se lentamente pelo resto do globo. Com esta nova ferramenta, Berners-Lee não pretendia lançar nenhuma revolução, mas sim resolver um problema aparentemente trivial: não havia no CERN — e, supunha, noutros laboratórios científicos — um repositório central de informação que permitisse aos cientistas e funcionários saber o que estava a ser feito, por quem e com que recursos. A nova ferramenta permitiria aos utilizadores criarem páginas, ligá-las umas às outras e disponibilizá-las para que outros as consultassem, desde que tivessem um computador conectado à rede.
Nessa mesma altura, em Lisboa, estava a ser criado um novo jornal, que, como tantos outros jornais (e como tantas outras actividades), viria a sentir anos mais tarde o abalo da massificação da Internet. Naquele tempo, ainda era um estafeta que levava as páginas para serem impressas na gráfica. As disquetes eram uma tecnologia conveniente para transportar textos. O fax era uma ferramenta quotidiana. Inevitavelmente, tudo era mais lento.
No Natal de 1990, Berners-Lee terminou os principais componentes da sua ferramenta de informação, incluindo um navegador, que permitia aos utilizadores ver as páginas dos outros e também criar as suas próprias páginas (um precursor de programas como o Internet Explorer e o Chrome). A Web começou a ser usada no CERN e a ser adoptada por outras instituições. Em 1991, Berners-Lee enviou uma mensagem para um grupo de discussão online, cuja importância histórica só mais tarde se tornou clara: "Se estão interessados em usar o código [informático], enviem-me um email. (...) Os direitos são do CERN, mas a distribuição e o uso livres não são normalmente um problema." Ninguém teria de pagar para usar a Web. Em 1993, o CERN pôs a World Wide Web em domínio público, permitindo que qualquer pessoa pudesse criar um site e consultar os sites de outros. Nos anos seguintes, o mundo mudou muito rapidamente.
Terra de oportunidades
A Web nasceu na Europa, mas a corrida às oportunidades do novo mundo online aconteceu nos EUA. Surgiram em catadupa empresas a tentar explorar a nova plataforma de informação. Muitas acabariam por entrar em bolsa com valorizações astronómicas, numa especulação bolsista que colapsou alguns anos depois.
Enquanto uns poucos se atiravam de cabeça para a nova rede, outros não viam todo o potencial. "No início dos anos 1990, a maioria dos investigadores, bem como a muito reduzida população que usava a Internet, achava que servia só como meio de comunicação", recorda o académico Pedro Veiga, professor da Universidade de Lisboa e um dos veteranos da Internet em Portugal.
Em 1994, apareceu o Yahoo!, que começou por ser uma lista de sites interessantes, criada por dois estudantes universitários, que se tornaria um portal gigantesco com todo o tipo de serviços, até que acabou por definhar (serviu de inspiração para o portal Sapo, criado em Portugal pouco depois). Logo em 1995 começaram a funcionar os sites do eBay e da Amazon. Esta empresa começou por ser uma livraria online e transformou-se numa enorme loja que vende todo o tipo de produtos, para todas as partes do mundo. Em 1998 surgiu o PayPal, que se tornou um método comum de pagamentos online. Hoje, fazer compras na Internet, seja de telemóveis, roupa ou mercearia, tornou-se banal. Em 2017, uma em cada cinco pessoas fez algum tipo de compra online, segundo dados do Statista, um portal de estatísticas. Nas economias evoluídas, a percentagem é maior. Em Portugal, um terço da população entre os 16 e os 74 anos usou a Internet para encomendar bens ou serviços, de acordo com números do Instituto Nacional de Estatística.
Também em 1998 foi colocada online a primeira versão do Google. Não foi o primeiro motor de busca para a Web, mas tornou-se o mais poderoso e a empresa acabou por se ramificar, estendendo-se ao desenvolvimento de tecnologias como carros autónomos e inteligência artificial.
A imprensa também começou a explorar a Internet, no que foram os primeiros passos de uma mudança profunda no sector da comunicação. Surgiram os primeiros órgãos de informação unicamente online. Apareceu também a publicidade na Internet, que se tornou um negócio gigantesco e que financia todo o tipo de sites, desde as publicações mais prestigiadas aos sites de notícias falsas, que surgiram às dezenas durante as presidenciais americanas de 2016 e que, em muitos casos, tinham uma motivação financeira e não política: denegrir Hillary Clinton atraía mais leitores e dava mais dinheiro do que atacar Donald Trump.
Em Portugal, os jornais também avançaram com sites. "Alguma imprensa escrita apercebeu-se do potencial da Internet e o Jornal de Notícias foi o primeiro a ter um site. Mas, muito pouco tempo depois [em 1995], o PÚBLICO foi o segundo a marcar presença na Internet, com um site muito mais avançado, pois tinha na Internet toda a edição, com conteúdos idênticos à edição em papel", recorda Pedro Veiga (que ajudou a lançar o site do jornal).
No virar do século, o mundo estava cada vez mais conectado e a profecia de uma "aldeia global" do académico canadiano Marshall McLuhan (1911-1980) tornava-se realidade. Em 1995, as estimativas apontavam para 16 milhões de pessoas ligadas à Internet. No ano 2000, eram uns 361 milhões, 6% da população global. Hoje, cerca de metade do mundo tem algum tipo de ligação, em parte graças à proliferação dos telemóveis. Em muitos países em desenvolvimento, estes aparelhos fazem o papel dos computadores que nunca lá existiram.
Nos primeiros anos da década de 2000, um novo fenómeno continuou a tornar o mundo mais pequeno: os blogues democratizaram a possibilidade de publicação para as massas. Qualquer pessoa podia criar um, praticamente sem conhecimentos técnicos. Nos anos que se seguiram, alguns blogues profissionalizaram-se e alguns dos seus autores saltaram para as colunas dos jornais. O fenómeno não durou muito, esvaziou-se e acabou por ser substituído pela cacofonia das redes sociais. Primeiro, o Hi5 e o MySpace. Depois, o Twitter e o Facebook.
O Twitter, com as suas mensagens curtas, tornou-se uma plataforma de eleição para jornalistas, políticos e opinadores profissionais, muito embora, com 330 milhões de utilizadores mensais, esteja longe do alcance do Facebook. Este é usado diariamente por 1300 milhões de utilizadores e tornou-se uma poderosa plataforma de publicação, criando novos hábitos de socialização e informação. O impacto do Facebook tem sido alvo de discussão e até do escrutínio das autoridades desde que surgiram as primeiras suspeitas de que a plataforma foi usada por grupos russos para tentar manipular a opinião pública dos EUA.
O académico Charlie Beckett, director do Polis, um centro de reflexão sobre media na London School of Economics, argumenta que não se deve esperar da rede social o mesmo tipo de responsabilidades que tem um meio de comunicação social: "O Facebook é uma máquina de gerar receitas publicitárias. É uma empresa cotada, que tem o dever de maximizar o lucro para os seus accionistas. Procura a atenção das pessoas para que a possa vender aos anunciantes. É uma rede social, não uma banca de notícias." Mas reconhece que as grandes multinacionais da Internet assumiram um papel central na forma como as notícias se espalham pelo planeta: "À medida que o Facebook cresceu, tornou-se uma parte vital da infra-estrutura global (e local) de informação. Outros intermediários digitais, como o Google, são muito importantes, e outras redes, como o Twitter, são significativas."
Beckett considera que ainda é cedo para avaliar cabalmente os efeitos de redes sociais como o Facebook. "É impossível medir algo tão grande e tão intangível como isto. Estamos a falar de diferentes impactos e alguns deles só se tornarão claros nos próximos anos." n