O que Theresa May disse e deixou por dizer

A primeira-ministra britânica ofereceu alguma da "clarificação" exigida pela União Europeia sobre os seus desejos para o "Brexit", mas várias perguntas difíceis continuaram sem resposta.

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O que rejeita?

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O que rejeita?

Se ainda houvesse dúvidas sobre qual a versão do “Brexit” o Governo britânico quer negociar — a escolha era, supostamente, entre um “hard-Brexit” e um “soft-Brexit” — Theresa May fez questão de as desfazer ao afirmar, sem qualquer ambiguidade, que o Reino Unido rejeita liminarmente a possibilidade (preferida pelo líder do Labour, Jeremy Corbyn) de continuar integrado no mercado único e na união aduaneira. Ao mesmo tempo, rejeita a introdução de tarifas ou quotas alfandegárias para os fluxos comerciais entre os dois blocos.

Além disso, Theresa May rejeita a ideia de que o seu país seja obrigado a seguir a “ortodoxia” dos tratados de livre comércio existentes, ou a respeitar o precedente dos modelos já estabelecidos para o relacionamento comercial da UE com países terceiros. “Queremos encontrar um novo equilíbrio, não aceitamos ter os [mesmos] direitos do Canadá e as [mesmas] obrigações da Noruega”, comparou, referindo-se às restrições no acesso ao mercado único dos primeiros, e aos pagamentos dos segundos pela sua participação.

Londres rejeita também a jurisdição e a arbitragem do Tribunal Europeu de Justiça. Mas crucialmente, a primeira-ministra do Reino Unido rejeita a ideia, defendida pelos chamados “ultras” do “Brexit” e a ala eurocéptica do Parlamento, de que o país deve recusar as condições supostamente punitivas dos 27 Estados membros da UE e abandonar as negociações em Bruxelas sem fechar um acordo.

O que aceita?

Pode parecer um pormenor, mas não deixa de ser uma frase importante num discurso onde Theresa May procurou dizer o que quer que fosse que pudesse ser interpretado como uma fraqueza, uma cedência ou concessão. Theresa May disse que aceita o facto de que as negociações do “Brexit” inevitavelmente deixarão os dois lados desiludidos ou insatisfeitos no que diz respeito ao acordo final que determinará o relacionamento futuro entre o Reino Unido e a União Europeia. A primeira-ministra britânica sublinhou que, neste processo, “nenhum dos lados vai obter tudo aquilo que quer”, mas aceitou a crítica de Bruxelas que tem insistido que as escolhas de Londres têm consequências. “Sabemos que não podemos esperar manter os benefícios sem cumprir as obrigações”, admitiu May, que foi ainda mais longe ao reconhecer os potenciais custos económicos e políticos decorrentes da decisão de abandonar a UE.

Mas para mitigar esses prejuízos, a líder conservadora aceita que o seu país mantenha o “alinhamento” com os regulamentos e os padrões europeus em diferentes áreas que vão das ajudas de Estado aos direitos dos trabalhadores. Além disso, aceita respeitar as regras e manter as transferências financeiras correspondentes de forma a manter a associação às agências europeias que regulam a aviação, os medicamentos e os produtos químicos, e também prolongar a participação e os pagamentos para os programas europeus de educação, ciência e cultura. De resto, May também aceita que o Tribunal Europeu de Justiça continue a ter um papel de referência na interpretação e aplicação da lei pelos tribunais britânicos após o “Brexit” — embora deixe de ser a última instância jurídica

O que propõe?

Em traços muito gerais, a visão do Governo britânico para a relação futura é de uma “parceria [comercial] estreita e profunda”, que vá além dos modelos de tratados de livre comércio por abranger mais áreas de convergência e cooperação. “Todos queremos o melhor acesso possível aos respectivos mercados; queremos que a concorrência entre nós seja justa e aberta; queremos meios transparentes e de confiança para supervisionar os nossos compromissos e resolver as nossas disputas”, declarou Theresa May, sem contudo especificar de que forma esses objectivos podem ser concretizados, para além do estabelecimento de um “sistema abrangente de reconhecimento mútuo”.

O que deixou por esclarecer?

Apesar de o discurso ter superado as expectativas em termos do nível de detalhe a que Theresa May chegou na explicação de algumas propostas concretas, em várias matérias fundamentais, a líder conservadora manteve-se vaga.

A questão mais delicada tem a ver com a fronteira de 500 quilómetros entre as duas Irlandas. Tanto Londres como Bruxelas concordam em evitar a todo o custo o retorno de uma fronteira física entre os dois países, comprometendo o fluxo diário de pessoas e bens e os termos do Acordo de Sexta-Feira Santa assinado em 1998 para acabar com o conflito que em 20 anos fez mais de 3500 vítimas. Mas para já, só a União Europeia apresentou uma solução concreta para assegurar esse objectivo — ideia essa que Theresa May classificou como “inaceitável” por alegadamente interferir com a ordem institucional e a unidade territorial do Reino Unido. Esta sexta-feira, a primeira-ministra repetiu que poderia ser criada uma parceria alfandegária, mas além de dizer que esta recorreria à tecnologia, não ofereceu qualquer detalhe específico sobre o formato em que funcionaria este esquema.

O que se segue?

As equipas de negociadores do Reino Unido e da União Europeia recomeçam as conversações na próxima semana, que é também quando o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, divulga mais um rascunho com as orientações para a segunda fase das negociações.

O calendário é apertado: os dois lados precisam de concluir o processo de elaboração do tratado jurídico que consagra a aplicação do artigo 50 e efectiva a saída do Reino Unido do bloco e têm de definir o quadro do relacionamento futuro até ao Outono. Não existe um prazo preciso ou uma data estabelecida para a conclusão desses trabalhos, mas esta semana o negociador europeu, Michel Barnier, disse que era desejável que as negociações se completassem no mês de Outubro, ou no mais tardar até meados de Novembro para que o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais ratifiquem esses tratados antes do dia derradeiro do “Brexit”, a 30 de Março de 2019.

Muito antes disso, as partes têm apenas duas semanas para chegar a acordo quanto aos termos que vigorarão num período de transição de 20 meses que foi pedido pelo Reino Unido de forma a que os cidadãos e as instituições públicas e privadas tivessem tempo para programar a sua adaptação à nova realidade do “Brexit”. Os líderes dos 27 apresentaram em Janeiro o seu rascunho e agendaram para o próximo Conselho Europeu de 23 de Março a sua aprovação. Michel Barnier fez soar o alarme na quarta-feira ao declarar que tendo em conta as “divergências persistentes” ao longo das reuniões técnicas, a transição não podia ser dada como adquirida. Esta sexta-feira Theresa May desdramatizou e garantiu que Londres e Bruxelas “estão muito perto” de fechar esse acordo.