Cristas desafiada a assumir “morte” do CDS como partido democrata-cristão

A moção da líder dos centristas não tem explicitada a matriz democrata-cristã do partido, mas Assunção Cristas garante que a marca ideológica se mantém, apesar de reconhecer que quer um “partido aberto e próximo das pessoas”.

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Cristas propõe que o CDS se apresente sozinho a eleições, mas hoje vai reunir-se com o líder do PSD NUNO FERREIRA SANTOS

A moção de estratégia global de Assunção Cristas ao congresso coloca o CDS-PP como uma força de “centro-direita”, mas é omissa quanto à matriz democrata-cristã do partido. Essa omissão do posicionamento ideológico nas 16 páginas do texto está a ser criticada internamente e contrasta com outras moções globais já entregues. A líder do CDS rejeita a acusação e argumenta que essa explicitação doutrinária já consta da sua moção ao congresso de 2016.

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A moção de estratégia global de Assunção Cristas ao congresso coloca o CDS-PP como uma força de “centro-direita”, mas é omissa quanto à matriz democrata-cristã do partido. Essa omissão do posicionamento ideológico nas 16 páginas do texto está a ser criticada internamente e contrasta com outras moções globais já entregues. A líder do CDS rejeita a acusação e argumenta que essa explicitação doutrinária já consta da sua moção ao congresso de 2016.

O ex-deputado Raul Almeida dá voz à contestação interna sobre a forma como a líder está a posicionar o partido no espectro político. “Perante esta moção, os delegados ao congresso do CDS terão de decidir se aceitam a morte do CDS democrata-cristão e conservador que conheciam e que era um referencial na vida política portuguesa”, afirma ao PÚBLICO o porta-voz da lista alternativa ao conselho nacional no anterior congresso, que era encabeçada por Filipe Lobo d’Ávila.

Raul Almeida considera que a moção da líder ao próximo conclave, de 10 e 11 de Março, é “um cheque em branco a Assunção Cristas” que permite “transformar [o CDS] no tal partido pragmático, despido de ideologias, avesso aos valores, gerido à vista em função da opinião pública do momento”. Assinalando que não é referida “uma única vez a palavra democracia-cristã” nem há alusão “aos valores fundacionais do partido”, o ex-parlamentar critica a falta de “compromisso” da líder com questões como a “escolha de deputados, funcionamento interno e respeito pelas estruturas, uma prática mais saudável para a secretaria-geral e mais transparência e independência para a jurisdição”. Assim, conclui, “o partido é meramente instrumental na prossecução dos seus interesses individuais”.

Assunção Cristas faz outra leitura da sua moção e argumenta que “tem de ser lida” com a anterior, de 2016, na qual é referido que o CDS “encontra inspiração central para as suas soluções na matriz democrata-cristã”. Apesar de assumir que nunca foi “marcadamente ideológica”, a líder do CDS diz que há temas na moção, como o Estado Social de parceria ou o Estado incentivador da iniciativa privada, que são uma “decorrência” da matriz do partido e que “não é preciso estar a proclamar” a ideologia.

Reconhecendo que quer um “partido aberto e próximo das pessoas”, Cristas assume a opção de não carregar a moção com ideologia e a preferência pelo pragmatismo. “Estamos confortavelmente enraizados na democracia-cristã, mas devemos ter as soluções para os problemas do dia-a-dia”, afirma.

A opção de ter mais pragmatismo e menos ideologia na moção da líder recandidata contrasta com outras moções globais. É o caso da proposta de Lino Ramos, ex-secretário-geral que participa nas reuniões da comissão executiva – o núcleo mais duro do partido – por convite de Assunção Cristas. Lino Ramos defende que “este é seguramente o momento de afirmar o CDS, de regressar às suas origens e de afirmar a democracia-cristã”.

Na sua moção, a Juventude Popular (JP) assume que quer ter representação parlamentar por entender que os que os jovens merecem ter “uma voz conservadora, democrata-cristã e liberal na Assembleia da República”. No texto, a JP, liderada por Francisco Rodrigues dos Santos, coloca o CDS-PP como a “primeira força à direita” (e não ao centro-direita como Cristas) e critica o “centrão” como solução política.

Já a moção da tendência Esperança em Movimento, corrente interna do CDS, é assumidamente baseada na projecção do CDS como “um partido de causas, assentes nos valores e princípios da democracia-cristã”. Na mesma linha, a moção de Pedro Borges de Lemos, da corrente interna CDS XXI, defende o “reposicionamento” do partido “como um partido de centro” e “tornando-o finalmente como um grande partido democrata-cristão interclassista” à semelhança de outros na Europa como a CDU na Alemanha.

Era também na democracia-cristã que assentava, há dois anos, a moção de Filipe Lobo d’Ávila cujos subscritores ainda consideram válida para o próximo congresso.

Secretaria-geral garante que moções globais serão em horário nobre

Vários subscritores de moções de estratégia global do CDS-PP acusam a organização do congresso do partido de esvaziar o debate interno ao colocar no sábado de manhã a discussão dos textos globais e deixar para a tarde os sectoriais, ou seja, os que são temáticos. Mas o secretário-geral do partido, Pedro Morais Soares, assegura que não é essa a organização dos trabalhos prevista: “Não vai haver discussão de moções globais de manhã”.

Ao PÚBLICO, Pedro Morais Soares garante que a apresentação de moções globais e sectoriais será durante a tarde e que de manhã estão previstas outras intervenções como a do líder do grupo parlamentar, Nuno Magalhães.

Abel Matos Santos, porta-voz da tendência Esperança Em Movimento, corrente interna do CDS-PP, fez outra leitura do regulamento aprovado e considerou que as globais estavam previstas para durante a manhã. “Entendemos que isso desvirtua o sentido do congresso”, afirmou Abel Matos Santos, que admitiu poder recorrer desta decisão na reunião magna de Lamego. Lembrando que as moções globais precisam de 300 assinaturas e as sectoriais apenas 150, Abel Matos Santos argumenta que discutir as globais de manhã “esvaziaria” o congresso que deveria ter à tarde esse momento “mais nobre”.

Para Miguel Mattos Chaves, vice-presidente da distrital e Coimbra e autor de uma moção global, a decisão é “gravíssima” ao “impedir, na prática, os congressistas de ouvirem, debaterem e pronunciarem-se livremente sobre cada uma das moções”, tendo em conta que os delegados vindos de vários pontos do país costumam chegar ao congresso “ao final da manhã” de sábado. Em comunicado, Miguel Mattos Chaves considerou que a decisão reduz o congresso a um “‘cerimonial de entronização’ dos que têm comandado o partido desde 2008”.

Outro dos autores de uma moção global, Pedro Borges de Lemos também concluiu que o arranque do congresso no sábado pelas moções globais “atenua a visibilidade” dos textos, que são obrigatórios para os candidatos à liderança do partido. Borges de Lemos defende também que a organização deveria rever esta decisão.