Telemóveis na sala de aula? Nim

Que se questione o uso ou não de telemóveis na sala de aula ainda entendo, mas não os poder usar fora da sala de aula? Nos intervalos? Não me parece uma política fácil de aceitar

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Charisse Kenion/Unsplash

Se há algo que prezo, um valor que desde sempre sinto que deve estar acima de qualquer realidade, é o direito de agir segundo o livre-arbítrio, a liberdade de ser, estar e actuar. Tudo o que me soe, ainda que remotamente, a uma limitação dessa liberdade assusta-me, incomoda-me e, como tal, é por mim condenado.

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Se há algo que prezo, um valor que desde sempre sinto que deve estar acima de qualquer realidade, é o direito de agir segundo o livre-arbítrio, a liberdade de ser, estar e actuar. Tudo o que me soe, ainda que remotamente, a uma limitação dessa liberdade assusta-me, incomoda-me e, como tal, é por mim condenado.

Nesse sentido, a informação que me chegou de que em França, no próximo ano lectivo, será proibido usar os telemóveis na escola inquietou-me, de alguma forma. À primeira vista (e assumo que à segunda e à terceira) tudo isto me pareceu muito ditatorial. Que se questione o uso ou não de telemóveis na sala de aula ainda entendo, mas não os poder usar fora da sala de aula? Nos intervalos? Não me parece uma política fácil de aceitar. Refira-se que a proibição está em utilizá-los e não em levá-los para a escola. Também isto me soa de uma forma quase grotesca: "Sim o teu telemóvel está ali, à mão de semear, mas não lhe podes tocar, sob pena de infringires a lei." Não será tudo isso ligeiramente excessivo? De acordo com o ministro da Educação francês, a não proibição de os levar para a escola prende-se com o facto de os mesmos poderem ser necessários para uso pedagógico ou situações de urgência. E essas situações urgentes não poderiam ser resolvidas com um simples telefone fixo? Quanto ao fim pedagógico, e uma vez que eles são proibidos nos momentos de fruição, não poderemos resolver a situação com tablets ou computadores da própria escola? E qual é a explicação do senhor ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, para esta proibição? É tudo uma questão de saúde pública. Sim, convenhamos, todos nós passamos demasiado tempo em frente aos ecrãs (dos telemóveis, dos tablets, dos computadores). Mas será proibir o uso de telemóveis durante todo o tempo em que as crianças e jovens passam na escola uma boa forma de resolver esse problema? Não estarão a criar um "fruto ainda mais desejado por ser tão proibido?"

E em Portugal? Como vivemos nós nas nossas escolas? Por aqui vive-se de acordo com as regras de cada estabelecimento. Não temos, até ao momento, uma lei tão restritiva como a que acima foi referida, ficando nas mãos do director e/ou de um Conselho Pedagógico decidir da possibilidade de usar ou não o telemóvel na escola. Mas isto é em sala de aula; não tenho conhecimento de qualquer escola que proíba o uso dos telemóveis nos intervalos ou nas horas de almoço. Temos escolas que criaram caixas, cestos, contentores para se colocar o telemóvel à entrada da sala, não permitindo o seu uso dentro desse espaço; temos escolas que não se pronunciam sobre os mesmos (exigindo apenas que os aparelhos não toquem no meio das aulas), podendo os alunos mantê-los nos bolsos ou na mochila; e temos escolas que optaram por tirar partido desse pedaço de tecnologia que nos entra pela porta dentro em cada início de aula. E fica a questão no ar: no meio disto tudo, quem está correcto? Devem os telemóveis invadir a sala de aula ou deve ser proibido o seu uso? Será que uma lei como a francesa seria bem recebida aqui em Portugal?

Assumo que a minha primeira resposta a todas estas questões seria: sim, os telemóveis devem entrar na sala de aula, sim, devem ser utilizados uma vez que me parece que não aproveitar esta tecnologia levada pelos alunos é um erro. Usar as ainda denominadas novas tecnologias, nas quais se insere o telemóvel, tem, na maior parte das vezes, um efeito motivador no processo de ensino-aprendizagem. Sim, temos computadores na maior parte das salas. Sim, temos computadores portáteis. Mas quanto tempo perdemos a trazer e levar computadores? A maior parte deles já possuem alguns anos de serviço, pelo que a rapidez não será algo que os qualifique. Não será mais fácil aproveitar a tecnologia que se encontra no bolso dos alunos e que, ma maior parte das vezes é mais evoluída, logo, mais rápida, do que os próprios computadores da sala? Usar um telemóvel para investigar, consultar dicionários online, realizar questionários, aceder aos muitos conteúdos disponibilizados online pelos manuais, não poderá ser uma forma mais motivadora de trabalhar na sala de aula? Costumo dizer que "o fruto proibido é o mais apetecido". Gostaria de acreditar que, ao terem acesso ao telemóvel, ao "fruto proibido", se conseguiria incutir nos alunos a ideia de que o telemóvel pode ser uma ferramenta de trabalho e que existe um momento para a diversão e um outro para a aprendizagem.

Contudo, e contrariando, de algum modo o que foi dito até ao momento, o uso de telemóveis em sala de aula não é assim tão fácil de gerir como poderia parecer numa primeira abordagem. O primeiro grande problema prende-se com o facto de, e apesar de ser uma excelente ferramenta de trabalho, não deixar de ser um bem pessoal do aluno. Pelo que será sempre possível o aluno receber mensagens, ou até chamadas, que o irão distrair e à própria turma. Outro grande problema será a facilidade com que a atenção do aluno pode ser quebrada. A curiosidade em consultar as redes sociais é sempre enorme e ainda que o acesso a certas páginas possa ser bloqueado, a possibilidade de utilizar os próprios dados móveis torna essa restrição desnecessária.

Por fim, o maior problema, e mais difícil de contornar, prende-se com a própria cultura e forma de estar dos alunos. Cada vez são mais comuns os casos de telemóveis, e sobretudo das suas câmaras, utilizados de forma indevida na escola ou em sala de aula. Fotografias ou vídeos de colegas em momentos embaraçosos são publicadas nas redes sociais. Ainda que totalmente proibido, começa a tornar-se um tanto ou quanto banal vermos filmagens ou fotografias realizadas em sala de aula publicadas indevidamente. E sim, é sempre possível isso acontecer. O professor não está em todo o lado, não tem um par de olhos para cada aluno dos 30 que compõem muitas vezes as salas. Basta o professor virar as costas aos alunos para escrever no quadro para se dar a possibilidade de, discretamente, se realizar uma filmagem ou uma fotografia. E esse é o problema que me faz responder à pergunta "Telemóveis na sala de aula: sim ou não?" com um pouco decidido "Nim". Não aprecio proibições às liberdades pessoais. Não imagino uma escola onde os telemóveis não possam ser consultados nem no intervalo. Aprecio a ideia de usar o telemóvel como uma ferramenta útil de trabalho. Mas sou da opinião de que precisamos de trabalhar, e muito, o estar e a cultura dos nossos alunos para que os telemóveis possam ser usados numa sala de aula de forma conveniente, retirando deles todos os proveitos que podem ser retirados.