Pagamento de juros à Altice arrasta Meo para prejuízos

Em 2015 e 2016, a operadora portuguesa teve prejuízos para poder suportar juros de empréstimos que a Altice pediu para comprá-la em 2015. E ainda financiou o grupo de Drahi.

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NFACTOS / FERNANDO VELUDO

A Meo, a empresa da PT/Altice, registou resultados líquidos negativos em 2015 e 2016, precisamente o período que coincide com o primeiro ano e meio sob a gestão da Altice, que a comprou em Junho de 2015 à brasileira Oi. Entre a segunda metade de 2015 e o final de 2016, a empresa teve de suportar cerca de 630 milhões de euros em juros de empréstimos da PT Portugal (dona de 100% do seu capital) e é essa soma  que ajuda a explicar por que é que a líder do mercado português de telecomunicações (com receitas em torno dos 2.300 milhões de euros nos dois exercícios) registou prejuízos, como confirma o relatório e contas de 2016, consultado pelo PÚBLICO.

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A Meo, a empresa da PT/Altice, registou resultados líquidos negativos em 2015 e 2016, precisamente o período que coincide com o primeiro ano e meio sob a gestão da Altice, que a comprou em Junho de 2015 à brasileira Oi. Entre a segunda metade de 2015 e o final de 2016, a empresa teve de suportar cerca de 630 milhões de euros em juros de empréstimos da PT Portugal (dona de 100% do seu capital) e é essa soma  que ajuda a explicar por que é que a líder do mercado português de telecomunicações (com receitas em torno dos 2.300 milhões de euros nos dois exercícios) registou prejuízos, como confirma o relatório e contas de 2016, consultado pelo PÚBLICO.

“O resultado líquido da Meo em 2016 foi negativo em 13 milhões de euros, o que representa uma melhoria face ao prejuízo de 221 milhões de euros apurado no ano anterior [cuja gestão foi repartida entre a Altice e a Oi]”, revela o relatório e contas da Meo de 2016. O documento revela que o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (EBITDA) melhorou 12,3%, para mil milhões de euros, face a 2015, e que o resultado operacional da empresa “antes de gastos de financiamento e impostos” foi de 310,6 milhões de euros. O que o relatório também demonstra é que, na pesada factura da Meo com encargos de financiamento em 2016 (339 milhões de euros), pelo menos 330 milhões serviram para pagar juros de empréstimos concedidos pela PT Portugal (controlada a 100% pela Altice). Quanto a 2015 (exercício em que apenas a segunda metade corresponde à gestão da Altice e os resultados são reexpressos), os juros de empréstimos da PT Portugal atingiram 300 milhões de euros.

Estes valores estão acima dos números da PT Portugal antes da entrada da Altice. Em 2014 (ano em que o EBITDA também rondou os mil milhões de euros, mas o resultado líquido ficou muito penalizado pelas imparidades relacionadas com a exposição à Rio Forte), os juros suportados eram de 286,4 milhões de euros e em 2013 de 261,3 milhões, montantes que dizem respeito a todo o universo da PT, onde se incluía Meo e operações em África.

Como a empresa refere a dada altura no relatório e contas, “a PT Portugal, na sua qualidade de accionista, concedeu no passado financiamentos à Meo, na forma de suprimentos, os quais não têm maturidade definida, podendo ser reembolsados, no seu todo ou em partes, a mais de um ano, em função das disponibilidades da empresa, estando os juros destes empréstimos indexados ao custo de financiamento da PT Portugal”. Segundo as contas da Meo, o montante total em dívida à PT Portugal relativamente aos suprimentos era de 4.710 milhões de euros em Dezembro de 2016. A este valor somavam-se ainda financiamentos de 134 milhões de euros referentes ao sistema de tesouraria centralizada (num total de 4844 milhões, o que representou uma descida de 454 milhões face a um total em dívida de 5256 milhões no final de 2015).

Mas é preciso recorrer a outro relatório e contas – o da Altice Portugal, a empresa do grupo Altice que é detida pela Altice West Europe e que detém a PT Portugal e a Meo – para melhor compreender os contornos destas operações financeiras. Entre a informação disponível uma evidência salta à vista: a Meo surge ora no papel de devedora ora no papel de credora.

É isso que descreve o relatório e contas de Altice Portugal, aprovado na segunda metade de 2017, quando a entidade ainda era presidida por Paulo Neves (que tinha a seu lado como administrador Jérémie Jean Bonnin, um dos homens de confiança de Patrick Drahi). “Em 2 de Junho de 2015, no âmbito da aquisição da PT Portugal, a Altice Portugal obteve um financiamento de 5.789 milhões de euros” junto do seu accionista único, a Altice West Europe. Deste total, 195,1 milhões de euros destinaram-se a “adquirir [à Oi] a totalidade das acções da PT Portugal” e o restante foi usado para “financiar a PT Portugal através de suprimentos, no montante de 5.593,9 milhões” para esta “reembolsar dívida anteriormente existente nas entidades do grupo PT Portugal”. Porquê? Porque, como salienta o grupo liderado por Patrick Drahi, “os termos da transacção entre a Altice e a Oi previam a aquisição da PT Portugal e das suas subsidiárias sem dívida”. Assim, a Altice, que financiou a compra da PT Portugal (dona da Meo) integralmente com recurso a dívida (como na ocasião foi comunicado pelo grupo aos investidores), transferiu a responsabilidade para a nova unidade, substituindo a antiga dívida da PT por dívida nova. Estes suprimentos “têm vencimento em 2025 e vencem juros à taxa anual de 6,4%”, refere a empresa.

A dada altura, a Meo passou a financiadora. “Durante o segundo semestre de 2015 e o primeiro semestre de 2016”, a Altice Portugal “obteve financiamentos de curto prazo junto da Meo”: de 339 milhões em 2015 e de 197 milhões em 2016. Montantes que “foram transferidos directamente da Meo para a Altice West Europe, por conta da Altice Portugal”. O dinheiro da Meo, num total de 536 milhões de euros, serviu para a Altice Portugal liquidar juros em dívida à Altice West Europe (382,4 milhões), mas também para lhe conceder “financiamentos de curto prazo” (153,6 milhões).

Chegados a Julho de 2016, mais concretamente a 1 de Julho, “foi celebrado um acordo de compensação de créditos entre a Altice Portugal, a PT Portugal e a Meo” que fez com que, na prática, a dívida da Altice à Meo se considerasse reembolsada sem que o dinheiro tivesse regressado às contas da empresa de telecomunicações. Com este acordo, “os créditos da Meo sobre a Altice Portugal”, de 553, 8 milhões de euros (porque aos 536 milhões já acresciam juros vencidos 17,8 milhões), foram compensados com créditos da Altice Portugal sobre a PT Portugal (dona da Meo) de igual montante (relativos aos suprimentos de mais de cinco mil milhões de euros atribuídos em Junho de 2015).

Os encontros de contas não se ficaram por aqui, porque também “durante o segundo semestre de 2016” a Altice Portugal e a Altice West Europe “chegaram a acordo para uma compensação de créditos entre as duas entidades”. Com este instrumento liquidaram-se os financiamentos de curto prazo de 158,7 milhões da primeira à segunda (ou seja, os financiamentos concedidos com dinheiro da Meo no valor de 153,6 milhões, mais juros vencidos de 5,1 milhões), que foram compensados em igual montante (que inclui amortização de capital, pagamento de juros e comissões).

O relatório e contas da Altice Portugal dá ainda conta que durante o segundo semestre de 2016 houve outros 215,6 milhões de euros (usados para liquidar juros e dívida) que “foram transferidos directamente da PT Portugal para a Altice West Europe, por conta da Altice Portugal” e dos suprimentos que lhe foram concedidos pelo grupo Altice. Também no relatório da Altice Portugal se ressalva a grande flexibilidade nas transacções que envolvem as empresas do grupo: “Os suprimentos obtidos junto da Altice West Europe e os suprimentos concedidos à PT Portugal não têm um calendário de reembolso definido, podendo ser reembolsados, no seu todo ou em partes, a mais de um ano, em função das disponibilidades da empresa [Altice Portugal], o que permite à empresa gerir de forma mais adequada o seu risco de liquidez”.

Questionada sobre estes fluxos, fonte oficial da PT/Altice explicou que , a “PT Portugal não procedeu a qualquer reembolso dos referidos financiamentos nem efectuou qualquer pagamento de juros. Pelo que o cash flow operacional gerado pelo Grupo PT Portugal no período em questão foi canalizado para a accionista Altice na forma de financiamentos de curto prazo, tendo sido integralmente reembolsados no prazo previsto”

Esta flexibilidade financeira é prática habitual da Altice, que tem utilizado vários instrumentos de mercado para financiar a sua expansão global, sobretudo em França e nos EUA, um método utilizado também por alguns grupos globais de tecnologia e telecomunicações.

Meo paga 56 milhões para ser Altice

Nestas operações reportadas entre 2015 e 2016, é possível verificar que os movimentos financeiros entre a Meo e o universo Altice não servem apenas para liquidar juros e dívida. Nas transacções com partes relacionadas destaca-se o pagamento de uma comissão de 56,6 milhões de euros à Altice Management International (AMI), a empresa a partir da qual Drahi e os seus colaboradores mais próximos gerem todo o grupo Altice. Trata-se de uma comissão relativa ao contrato celebrado com a AMI “para beneficiar do seu know-how na implementação do Altice Way e serviços relacionados, ao nível de diversas áreas fundamentais na criação de valor da empresa”, descreve a Altice Portugal, adiantando que a comissão é calculada como “uma percentagem do valor das receitas da Meo”.

Além disso, na descrição das transacções com partes relacionadas em 2016 figura também nas contas a pagar a fornecedores (que em 2016 se reduziram 14,6% face a 2015, para 418,5 milhões de euros) um pagamento de 14,8 milhões de euros à Altice Picture e outros de 14,8 milhões e 10,3 milhões de euros à Tnord e à Sudtel, respectivamente, as construtoras de redes criadas por Armando Pereira, ex-presidente da administração da PT e co-fundador da Altice.