“As cidades são diabetogénicas, vivem para os automóveis e para a fast food”
Presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal diz é preciso "tornar as cidades e os bairros amigos das pessoas com diabetes e não propiciadores de diabetes". Fazem falta cidades mais saudáveis.
José Manuel Boavida, presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), a associação de doentes mais antiga do mundo, diz que os familiares são fundamentais para o seguimento dos diabéticos e que é necessário investir na sua formação. O médico defende a criação de “casas da diabetes”, grupos de entreajuda com doentes, familiares e profissionais de saúde.
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José Manuel Boavida, presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), a associação de doentes mais antiga do mundo, diz que os familiares são fundamentais para o seguimento dos diabéticos e que é necessário investir na sua formação. O médico defende a criação de “casas da diabetes”, grupos de entreajuda com doentes, familiares e profissionais de saúde.
Quantos diabéticos tipo 1 e tipo 2 existem em Portugal?
São entre 35 a 50 mil as pessoas com diabetes tipo 1. Quanto aos diabéticos em geral, estima-se que sejam 13% da população, mas estes dados resultam de um estudo com dez anos. Era necessário fazer outro para ver se o grande investimento feito nos últimos anos teve algum impacto. O problema é que a diabetes tipo 2 está a aparecer em pessoas mais novas, começa agora a aparecer por volta dos 30/40 anos quando antigamente isso acontecia aos 60 anos.
O que é que o surpreendeu mais neste estudo [que vai ser apresentado nesta terça-feira em Lisboa]?
Uma das coisas que impressiona é que 75% dos cuidadores são mulheres. Esta é mais uma das tarefas escondidas, invisíveis das mulheres. Outro dado interessante é o de que muitas vezes os medos dos familiares são maiores do que os das próprias pessoas com diabetes. Os familiares são absolutamente fundamentais no seguimento dos doentes. Por isso é necessário investir na sua formação.
São os próprios inquiridos neste estudo que reclamam mais informação.
O que é preciso é mais formação e a formação não é informação. A formação tem que ser estruturada e é aí que entra a comunidade. Uma das nossas propostas [APDP] é a criação de grupos de interajuda com doentes e familiares. As pessoas vão aos profissionais de saúde três a quatro vezes por ano, e estão com eles, na melhor das hipóteses, meia hora, o que dará duas horas por ano. Ou seja, os profissionais de saúde são largamente invisíveis na vida destas pessoas. Portanto, numa doença que implica adaptações contínuas é absolutamente fundamental o reconhecimento do papel dos cuidadores e das comunidades.
Quem é que vai protagonizar estas mudanças?
As autarquias vão ter um papel cada vez mais importante. Temos que tornar as cidades e os bairros amigos das pessoas com diabetes e não propiciadores de diabetes. As cidades são diabetogénicas, vivem para os automóveis, a fast food, as grandes superfícies comerciais. O movimento cidades saudáveis [promovido pelas autarquias] já é um passo, mas o que se pretende é ir um pouco mais longe, organizando as pessoas nas comunidades para se apoiarem mutuamente. Já existem experiências deste género noutros países.
Como é que esses grupos funcionarão na prática?
Estes grupos — a que chamamos “casas da diabetes” — serão aquilo que as pessoas quiserem. Podem ser grupos onde aprendem a confeccionar alimentos mais saudáveis, onde se promove a actividade física ou o rastreio das complicações. Não vão ter um modelo universal. O mundo das pessoas com doenças crónicas é um mundo com necessidades específicas que não corresponde ao modelo tradicional dos cuidados de saúde. Claro que os serviços de saúde terão que fazer formação e capacitação. Aliás, nas “casas da diabetes” queremos que os serviços de saúde participem activamente. Estes são espaços onde as pessoas se encontram, trocam informações, discutem com profissionais de saúde, dietistas, promotores de actividade física, psicólogos, como hão-de viver com a sua doença.
Já existem grupos destes em Portugal?
Em Lisboa, já há experiências-piloto a funcionar. Agora, para a diabetes tipo 1 temos que promover outro tipo de actividades, como campos de férias, encontros, redes sociais. Há que encontrar respostas adequadas para cada grupo. Outro dado curioso neste estudo é que há pessoas que dizem que o facto de terem tido o diagnóstico lhes permitiu ter uma vida mais saudável, teve um impacto positivo na sua vida.
Um quinto dos doentes diz que se sente discriminado. Como é que isto é possível?
Esta doença está ligada a uma série de representações (cegueira, amputações, impotência sexual, insuficiência renal, enfarte prematuro). As pessoas sentem que estão a ser ajuizadas pelos outros, que começam a olhar para o que elas comem, o que elas fazem. E elas querem manter a sua autonomia, a sua independência. Ainda persiste a noção de culpa, o que é uma ligeireza de percepção, porque estas pessoas estão muito preocupadas com o peso e com alimentação.
Uma pessoa com diabetes tipo 2 pode curar-se?
O que está provado é que pode entrar em remissão. Se perder cerca de 10% do seu peso numa fase muito precoce da diabetes consegue entrar em remissão e muitas vezes durante mais de dez anos.