A manta da investigação sobre a Rússia já aquece políticos na Europa
Paul Manafort, ex-director da campanha de Trump, foi acusado de enganar bancos e o fisco, podendo ficar na prisão até morrer. Investigação revela campanha ilegal de lobby em nome da Ucrânia pró-russa.
A julgar pelas novas acusações do procurador especial Robert Mueller, a vida do cidadão norte-americano Paul Manafort tem sido uma longa-metragem cheia de planos ardilosos, burlas e embustes dignos de um espertalhão habituado a movimentar-se no mundo da alta finança. Mas há uma jogada de que Manafort se vai arrepender até ao fim dos seus dias, e que já começou a chamuscar antigos chefes de Governo e um Presidente de países da União Europeia: o dia em que se aproximou de Donald Trump.
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A julgar pelas novas acusações do procurador especial Robert Mueller, a vida do cidadão norte-americano Paul Manafort tem sido uma longa-metragem cheia de planos ardilosos, burlas e embustes dignos de um espertalhão habituado a movimentar-se no mundo da alta finança. Mas há uma jogada de que Manafort se vai arrepender até ao fim dos seus dias, e que já começou a chamuscar antigos chefes de Governo e um Presidente de países da União Europeia: o dia em que se aproximou de Donald Trump.
O primeiro encontro entre os dois aconteceu em Fevereiro de 2016, numa altura em que a ideia de um Presidente Trump ainda era vista como uma anedota, tanto nos Estados Unidos como no resto do mundo.
Dois anos antes, o Presidente ucraniano pró-russo Viktor Ianukovitch tinha fugido do país, levando consigo os cheques com que pagava somas milionárias a Paul Manafort pelos seus conselhos políticos, mas o lobbyista norte-americano ofereceu-se para trabalhar na campanha eleitoral de Trump sem receber salário.
O que aconteceu nos cinco meses seguintes, entre Março e Agosto de 2016, já foi noticiado vezes sem conta: Manafort assumiu o controlo da campanha de Trump, que por essa altura ainda enfrentava uma forte oposição no interior do Partido Republicano, e despediu-se já depois de o candidato ter garantido a nomeação oficial para as eleições contra Hillary Clinton.
Mas as razões que levaram a essa demissão começam agora a ficar mais claras – e estão a ser usadas pelo procurador Robert Mueller na investigação sobre as suspeitas de conluio entre a campanha de Donald Trump e o Governo da Rússia.
Vida de luxo
Nos últimos dias, a equipa de Mueller divulgou novas acusações contra Paul Manafort: 32 casos de fraude fiscal, financeira e bancária. Estes casos dizem respeito ao estilo de vida que Manafort e o seu braço direito, Rick Gates (vice-director da campanha de Trump), levaram com o dinheiro que receberam enquanto lobbyistas do ex-Presidente Ianukovich e de antigos ditadores como Ferdinand Marcos e Mobutu Sese Seko.
Estes casos não estão directamente ligados às suspeitas de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia, mas o procurador Mueller pode estar a seguir uma linha de investigação habitual em casos desta complexidade: encostar uma peça importante do puzzle à parede com acusações indirectas, para que essa peça possa vir a colaborar com os investigadores na corrida para apanhar a peça principal.
Nesse sentido, e ao mesmo tempo que apresentou novas acusações contra Manafort, o procurador garantiu também a colaboração de Rick Gates na investigação: o antigo vice-director da campanha de Trump admitiu que mentiu ao FBI e deu mais informações sobre Manafort, e agora os investigadores esperam que Manafort dê mais informações sobre as suspeitas de conluio com os russos, já que esteve numa reunião com uma advogada russa que prometia informações prejudiciais para Hillary Clinton, ao lado do filho e o genro de Trump, Donald Jr. e Jared Kushner.
"Grupo de Hapsburg"
Mas seguir esta estratégia tem também consequências para as pessoas que se cruzaram com Manafort na sua actividade de lobbyista, ou nos inúmeros esquemas na sua vida pessoal que foram detalhados por Robert Mueller nas mais recentes acusações. Ao longo da última década, desde que se aproximou de Ianukovich, Manafort comprou mansões, obras de arte e carros de luxo através de uma teia de empresas e bancos em offshores, e enganou bancos para obter empréstimos depois de o ex-Presidente ucraniano ter sido obrigado a renunciar e a fugir do país, fechando-lhe a torneira dos milhões – incluindo durante o tempo em que foi director da campanha de Trump, segundo a acusação.
E é aqui que entram os nomes de Romano Prodi, ex-primeiro-ministro italiano e ex-presidente da Comissão Europeia; Aleksander Kwasniewski, Presidente da Polónia entre 1995 e 2005; e Alfred Gusenbauer, ex-chanceler da Áustria.
Segundo as novas acusações feitas pelo procurador Robert Mueller contra Manafort, o ex-director da campanha de Trump foi o pivô de uma campanha ilegal de lobby a favor da Ucrânia nos tempos do Presidente pró-russo, e que envolveu "um grupo de antigos políticos europeus". Estes políticos adoptaram "posições favoráveis à Ucrânia, incluindo lobbying nos Estados Unidos" – a acusação de Mueller não inclui nomes, mas o jornal Financial Times avança que Prodi, Kwasniewski e Gusenbauer estavam inscritos no Departamento de Justiça norte-americano como lobbyistas em nome de uma organização chamada Centro Europeu para uma Ucrânia Moderna, criada e financiada por políticos do Partido das Regiões, de Ianukovitch.
Os três políticos europeus negam ter recebido qualquer pagamento directamente de Paul Manafort, e dizem que todas as suas declarações e reuniões sobre o assunto tiveram como objectivo acalmar o clima de tensão entre a Ucrânia de Ianukovitch e a União Europeia.
Mas a acusação de Robert Mueller diz outra coisa: "O plano era que os antigos políticos, informalmente chamados 'Grupo de Hapsburg', parecessem estar a fazer avaliações independentes sobre as acções do Governo ucraniano, quando na realidade eram lobbyistas pagos pela Ucrânia."
Segundo os jornais norte-americanos, um dos objectivos dessa campanha de lobby era relativizar a importância da condenação de Iulia Timochenko em 2011 – uma condenação vista como uma vingança política de Ianukovitch contra uma das líderes da Revolução Laranja, que tinha tirado Ianukovich do poder pela primeira vez em 2004, e que era um entrave à aproximação entre a Ucrânia e a União Europeia.
A estratégia do procurador Robert Mueller continua a ser um mistério para os analistas: ninguém sabe dizer se as novas acusações contra Manafort e o alegado envolvimento de políticos europeus numa campanha ilegal de lobby a favor do Presidente Viktor Ianukovitch estão, de alguma forma, relacionadas com as suspeitas de conluio entre a campanha de Donald Trump e o Governo russo.
Mas há quem considere que a Casa Branca deve estar "extremamente preocupada", precisamente porque, em nove meses, a estratégia de Robert Mueller ainda não permitiu que os observadores externos possam tirar conclusões. "Os contornos básicos do puzzle mostram que ele construiu as suas acções de uma forma que não nos permite saber onde é que isso o vai levar, e isso está a ser feito de propósito", disse ao New York Times Benjamin Wittes, director do blogue Lawfare, que se dedica a analisar assuntos jurídicos.