Os Superchunk estão furiosos (e ainda bem)
A veterana banda de indie-rock da Carolina do Norte lançou What a Time to Be Alive, o 11º álbum. Fulos com Trump e o estado da América, os fundadores da Merge Records estão mais explicitamente políticos do que nunca. E isso ajuda-os a continuarem a fazer bons discos depois de quase 30 anos de existência.
Não é comum uma banda de rock continuar a fazer bons discos 30 anos após ter começado. O que mais acontece é, após décadas de actividade, a qualidade artística entrar em declínio. Não é o caso dos Superchunk. Os discos da banda de indie-rock da Carolina do Norte fundada por Mac McCaughan em 1989 estão todos no passado. E não parece que a coisa vá piorar. What a Time to Be Alive, o 11º álbum da banda, é exemplo disso. Neste caso específico, Donald Trump é um dos responsáveis pela vitalidade.
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Não é comum uma banda de rock continuar a fazer bons discos 30 anos após ter começado. O que mais acontece é, após décadas de actividade, a qualidade artística entrar em declínio. Não é o caso dos Superchunk. Os discos da banda de indie-rock da Carolina do Norte fundada por Mac McCaughan em 1989 estão todos no passado. E não parece que a coisa vá piorar. What a Time to Be Alive, o 11º álbum da banda, é exemplo disso. Neste caso específico, Donald Trump é um dos responsáveis pela vitalidade.
Sempre houve fúria na música de Superchunk, com a influência power pop a nunca fugir muito da distorção e da rapidez, mas a eleição do presidente norte-americano remeteu-os a níveis de zanga que não se ouviam tão extensivamente desde o terceiro disco, On the Mouth, de 1993. Desta vez, com a experiência de quem sabe muito bem o que está a fazer. Trump tornou-os o mais abertamente políticos que alguma vez foram, mantendo o mesmo carácter viciante dos refrães e dos solos de guitarra de sempre.
Quando o disco foi anunciado, em Novembro, Laura Ballance, a baixista da banda, declarava ao site AV Club que não era uma altura para artistas se darem ao luxo de “continuarem politicamente neutros para manterem a base de fãs”. Jon Wurster, baterista dos Superchunk desde 1991, concorda com a colega. Em conversa telefónica com o Ípsilon, diz que não lhe incomoda alienar quem o ouve: “Até já recebemos tweets a dizer que estamos a alienar os nossos fãs ao assumirmo-nos anti-Trump. Parece que perdemos um fã, não quero saber.”
A ira leva a letras que podem ser mais atabalhoadas do que o costume e que poderão deixar de fazer sentido em breve. Isso poderá dar ao disco um carácter mais datado do que o dos discos dos anos 1990, mas também o carrega de urgência. Em I Got Cut, por exemplo, Mac McCaughan torna All these old men won’t die too soon numa frase orelhuda que se reporta à famosa fotografia de Trump, rodeado exclusivamente de outros homens brancos, a assinar uma ordem executiva a banir fundos públicos para organizações internacionais de saúde para aconselhamento familiar que incluam o aborto nas opções.
Ao mesmo tempo, o disco inclui uma análise do valor e o que significa estar irado a toda a hora. Por exemplo, na canção Reagan Youth, que se refere tanto à banda punk/hardcore dos anos 1980 quanto aos bem sucedidos jovens conservadores que Ronald Reagan inspirou, são reflexões sobre qual será a validade de toda esta fúria transformada em canção. Parece perguntar: o que é que a cena punk/hardcore de há mais de 30 anos, no meio da qual os músicos da banda cresceram, fez para mudar o mundo? De que serviu disto tudo?
O carácter urgente está patente na rapidez da escrita e gravação do disco e na sua curta duração: mais ou menos meia hora. “Gravámos os instrumentos todos e as pistas básicas em menos de uma semana, uns cinco dias. Normalmente somos rápidos, mas não tanto”, partilha Wurster, adicionando: “Nos anos 1990 éramos mais aventureiros em termos de experimentação e de adicionar coisas diferentes. Este disco é bastante despojado e directo.”
Essa natureza directa faz-se soar num dos discos mais punk dos Superchunk. “Sempre fomos uma banda punk na nossa essência”, declara Jon Wurster. Esclarece também o despojamento de What a Time to Be Alive, que, ao contrário dos discos mais recentes, não tem teclados: “Gostamos de outros géneros e isso surge sempre. Mas quando começas como banda punk, melhoras e queres tentar coisas novas. Aprendes a tocar melhor e queres experimentar. A dada altura percebes o que fazias melhor e o que é as pessoas preferem e aí é inevitável voltar ao som original.” Sobre a fúria: “Há fúria em todos os nossos discos, mas o nosso país está num estado tão grave neste momento que era impossível isso não se reflectir e não se tornar o ponto focal das letras.”
Do punk veio também o sentido de comunidade: há muitas vozes convidadas neste álbum, algo que não é comum em Superchunk. Em Erasure, que fala de quando os poderosos tentam silenciar pessoas marginalizadas, as vozes de Stephin Merritt (The Magnetic Fields) e Katie Crutchfield (Waxahatchee) juntam-se à de Mac McCaughan. São dois nomes que lançam música pela Merge Records, a editora de Mac e Laura Ballance que é uma instituição indie – é por ela que sai What a Time to Be Alive.
E é em parte isso que permite os Superchunk continuarem a existir e bem. Nenhum membro depende exclusivamente da banda para sobreviver, por isso só se juntam quando faz sentido. Nem sempre foi assim. Houve um hiato de nove anos entre Here’s to Shutting Up, de 2001, e Majesty Shredding, o regresso de 2010. “Lá para o final dos anos 1990 e início dos anos 2000, parecia um emprego que já não era assim tão divertido e não parecia haver muito espaço para crescer. Quando isso acontece, tens de parar”, confessa o baterista. Mesmo assim, continuaram a fazer concertos todos os anos, ainda que não fizessem álbuns.
Há outra razão que Wurster aponta para a continuada relevância: “Nunca tivemos um disco que fosse um êxito. Nunca fomos super bem sucedidos. Nunca chegámos à liga dos Foo Fighters ou dos Oasis ou dos Smashing Pumpkins. Não poderíamos ter chegado, não éramos esse tipo de banda. Nunca tivemos a oportunidade de nos tornarmos decadentes. Isso manteve-nos com os pés no chão. Não somos de gastar tudo em drogas ou destruir quartos de hotel e pensamos que isso é bastante risível.”
A outra carreira de Jon Wurster
Superchunk não é a única parte da vida de Wurster. Além de ser membro dos Mountain Goats e da banda a solo de Bob Mould, dos míticos Hüsker Dü, o baterista mantém uma segunda carreira na comédia. Há 20 anos que preserva uma parceria cómica com o radialista Tom Scharpling, a ligar todas as semanas para o seu The Best Show – hoje apenas online – a fazer de personagens diferentes, geralmente ao mesmo tempo mal-intencionadas, ingénuas, iludidas, trágicas e decadentes, que exploram o que há de mais ridículo no mundo do rock.
Ao longo de duas décadas, os dois criaram toda uma cidade fictícia em áudio: Newbridge, em Nova Jérsia, o estado onde Scharpling nasceu e vive. Conan O’Brien, Amy Poehler, Paul Rudd, John Oliver, Kim Gordon ou Zach Galifianakis contam-se entre os fãs da comédia de Scharpling & Wurster. Todos contribuíram com citações para a caixa de 16 CDs Scharpling & Wurster: The Best of the Best Show, editada em 2014 pela Numero Group. Também já escreveram para televisão e, alega Wurster, há pouco mais de dez anos, com os Superchunk em hiato, achava que iria ter mais trabalhos desses. Só que foi nessa altura que surgiram os Mountain Goats, Bob Mould e os New Pornographers, e a comédia continuou a manter-se em segundo plano. Fora da comédia, foi também actor numa média-metragem de Kelly Reichardt.
Donde é que nasceu a ligação entre rock e comédia? “Quando se está em digressão encontra-se diariamente muito de ridículo. Estás numa estação de serviço e vês algo absurdo ou conheces alguém estranho. Se não consegues encontrar humor nisso, não devias estar numa banda na estrada”, explica o baterista.
“Nos anos 1990, ouvíamos chamadas falsas quando estávamos na estrada a guiar, porque os ouvidos estavam fritos de tocar música a noite toda. Depois, vias outra banda e trocavas cassetes e foi assim que encontrámos muita comédia. Passámos cassetes da primeira coisa que eu e o Tom fizemos, Rock, Rot & Rule, a bandas como Guided By Voices, Spoon ou Sleater-Kinney, e eles davam-nas a outras pessoas. Depois havia um programa de sketches da HBO chamado Mr. Show, com o David Cross [que aparece no vídeo de Watery Hands de Superchunk] e o Bob Odenkirk, que usavam t-shirts de bandas como Buffalo Tom, Superchunk ou Sebadoh, e então isso ficou também entrelaçado na cena deles.”
Tal como na comédia, é complicado encontrar quem se mantenha bom ao longo de várias décadas. “Uma parte grande, em ambos os casos, é que somos os nossos próprios patrões. Nunca tivemos alguém a intervir a dizer-nos que tínhamos de mudar algo, fosse uma piada ou uma canção. Mantemos o nosso controlo de qualidade, sabemos o que tem piada, o que soa bem musicalmente e conseguimos continuar na trajectória”, conclui. Até agora, tem resultado. E bem.