Procurador acusado por seis crimes de corrupção passiva
Do rol das acusações fazem ainda parte quatro crimes de abuso de poder. Quatro empresários e cinco sociedades acusadas por corrupção activa.
Um procurador que estava colocado no Tribunal de Felgueiras foi acusado de seis crimes de corrupção passiva e quatro crimes de abuso de poder. A acusação é de Agosto do ano passado, mas nunca foi noticiada antes. No processo, que o PÚBLICO consultou, são ainda acusados quatro empresários e cinco sociedades a quem o Ministério Público (MP) imputa o crime de corrupção activa. Uma outra empresa que terá sido beneficiada neste caso acabou por escapar à acusação, por ter falido.
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Um procurador que estava colocado no Tribunal de Felgueiras foi acusado de seis crimes de corrupção passiva e quatro crimes de abuso de poder. A acusação é de Agosto do ano passado, mas nunca foi noticiada antes. No processo, que o PÚBLICO consultou, são ainda acusados quatro empresários e cinco sociedades a quem o Ministério Público (MP) imputa o crime de corrupção activa. Uma outra empresa que terá sido beneficiada neste caso acabou por escapar à acusação, por ter falido.
Neste momento, o processo encontra-se no Tribunal do Marco de Canaveses, onde decorre a instrução. Esta é uma fase facultativa do processo que foi pedida por vários dos arguidos e pretende decidir se há indícios suficientes para o caso seguir para julgamento.
Já depois de proferida a acusação, em Outubro do ano passado, o procurador António Carvalho, de 53 anos, aposentou-se por incapacidade. Deixou assim de fazer sentido o pedido de suspensão de funções que o MP tinha feito junto com a acusação. Contactado pelo PÚBLICO, o advogado do magistrado, Fernando Moura, não quis prestar declarações.
Em causa, segundo a acusação, estão vários pedidos que o procurador fez junto das Finanças para que os serviços tributários suspendessem inspecções a determinadas empresas. Também há solicitações a serviços da Segurança Social para que aceitassem pedidos feitos por uma empresa de construção para destacar trabalhadores seus para outros países europeus, mesmo que os mesmo não reunissem “os requisitos legais”.
O argumento do magistrado era sempre o mesmo: existia um inquérito em curso e a continuação das acções inspectivas ou a não-aceitação dos pedidos de destacamento podia prejudicar essa investigação.
O primeiro pedido que aparece na acusação remonta a Agosto de 2014 e teve como destinatário o director das Finanças de Aveiro, a quem o procurador enviou um email da sua conta profissional. Após uma conversa telefónica, o magistrado pede-lhe a suspensão de “quaisquer processos de averiguações, de inspecção ou outro que estejam a decorrer ou venham a ser instaurados nos próximos meses” relativamente a duas empresas do sector do calçado. A acusação transcreve a argumentação do pedido: “Baseia-se no facto de no âmbito dos autos 309/13.7TAFLG, da Comarca de Felgueiras, tais empresas, entre outras, estarem a ser investigadas pela prática de crimes da competência da Polícia Judiciária e se entretanto existir uma intervenção dos vossos serviços, tal situação pode prejudicar a investigação em curso.” O procurador pedia ainda que, se fosse possível, as empresas fossem informadas de que a fiscalização de que estavam a ser alvo tinha terminado.
Inspecções suspensas
Tal como solicitado, a suspensão das inspecções foi comunicada às equipas no terreno a 1 de Setembro e a 4 às empresas visadas. Já em Março de 2015, dois meses depois de começar uma baixa médica que se prolongou até à aposentação, o procurador foi a Aveiro reunir-se com dois responsáveis locais da Autoridade Tributária a quem, segundo a acusação, sublinhou a grande importância da investigação que tinha em mãos, a qual tinha dimensão internacional, e da necessidade da administração fiscal não a prejudicar. Em Setembro desse ano, o procurador enviou uma mensagem ao chefe de divisão com quem se reunira uns meses antes a comunicar-lhe que aguardava uma importante informação de Itália para determinar o curso da investigação.
O inquérito referido pelo procurador no pedido de suspensão existia, mas nada tinha a ver com aquelas empresas, nem sequer tinha estado a cargo de António Carvalho. Neste caso, as acções inspectivas estiveram suspensas entre Setembro de 2014 e Setembro de 2016. Só vieram a ser retomadas nessa altura quando, no decurso da investigação ao procurador, se veio a conhecer naquela direcção de Finanças a ilegalidade dos pedidos.
Num outro episódio, em Fevereiro de 2015, o procurador pede à Segurança Social de Braga, através de um email, que “todos os requerimentos” relativos a pedidos de destacamento de trabalhadores no estrangeiro apresentados nos três a quatro meses seguintes fossem,“a título excepcional, deferidos”, mesmo sem “os requisitos legais ou regulamentares para o efeito”, atendendo a que tal empresa estava a ser investigada por crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Em Janeiro e em Abril de 2016, o procurador volta à carga insistindo na importância de manter aquelas orientações para não prejudicar o andamento do inquérito 41/14.2. “Ora, tal investigação não existia e mais não foi que um pretexto utilizado pelo arguido para obter o deferimento dos pedidos que foram feitos por tais empresas”, lê-se na acusação.
Como contrapartida, diz o MP, o procurador recebeu vários empréstimos dos empresários beneficiados, sem juros e sem prazo definido, o que se revelava de grande importância já que o magistrado vivia uma situação de sobre-endividamento havia vários anos, não conseguindo financiar-se junto dos bancos por ter ultrapassado a taxa de esforço limite.
Segundo a acusação, em Julho de 2010 o procurador já contabilizava mais de 432 mil euros em empréstimos em dívida. Mesmo assim, em Julho de 2015 conseguiu comprar uma churrasqueira, em Paredes. Dos vários empréstimos apurados pela investigação, que esteve a cargo da Directoria do Norte da Polícia Judiciária, ainda há vários por pagar, como um de 10 mil euros a um empresário, outro de 15 mil a um outro e um terceiro de cinco mil euros.
Os empresários, diz o MP, mantinham perante António Carvalho “uma atitude passiva em relação à devolução dos respectivos montantes não só por causa do cargo e funções que ele exercia, mas também porque sabiam que ele os beneficiava, bem como às suas empresas”.