Em Setúbal, os miúdos trazem o mundo no bolso
Até ao final do ano, a Casa da Avenida põe os miúdos a viajar através de ateliers criativos e de continuidade. Quem quiser subir a bordo será guiado por Margarida Costa e Maria João Frade. O Mundo no Bolso garante carimbos no passaporte e na memória.
Mapa-Múndi; Labirintos e Caminhos; Malas e Baús; Viajar sem Sair do Lugar e O Mundo no Bolso são os títulos dos encontros-oficinas que reúnem crianças a partir dos quatro anos no 2.º andar de uma casa de família na Avenida Luísa Todi, em Setúbal. Ao longo de 2017, houve ali ateliers O Ano Inteiro, a partir da agenda do Planeta Tangerina assim designada. Pais e crianças reclamaram novos encontros felizes em 2018. Já começaram.
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Mapa-Múndi; Labirintos e Caminhos; Malas e Baús; Viajar sem Sair do Lugar e O Mundo no Bolso são os títulos dos encontros-oficinas que reúnem crianças a partir dos quatro anos no 2.º andar de uma casa de família na Avenida Luísa Todi, em Setúbal. Ao longo de 2017, houve ali ateliers O Ano Inteiro, a partir da agenda do Planeta Tangerina assim designada. Pais e crianças reclamaram novos encontros felizes em 2018. Já começaram.
A grande viagem deste ano teve início a 27 de Janeiro com um jogo de palavras. Cada criança falou sobre o que lhe sugeriam os conceitos de “mundo” e de “viagem”. Disseram o que sabiam, o que já tinham experimentado, por onde tinham andado.
A seguir, a cada uma foi dado um bilhete, com um número de lugar sentado. Num corredor da casa, havia a marcação dos lugares no chão, a simular um transporte. Os miúdos tinham de identificar os seus lugares e ocupá-los. Depois de instalados, começaram a escutar ruídos e registos de sons de viagem. “O que se ouve quando se entra num autocarro, os sons de exterior, o ruído de vários meios de transporte, comboio, avião, barco. E foram identificando e conversando a propósito do que estavam a ouvir”, descreve, com entusiasmo, Maria João Frade, ex-professora de Português e Francês.
Depois, passaram para uma sala cheia de mapas antigos pendurados nas paredes, que a proprietária da galeria Casa da Avenida, que habita no 1.º andar do edifício e explora o Café da Casa, no R/C, “tinha descoberto no sótão há muitos anos e que não tinha ainda utilizado com os miúdos”. “Foi um deslumbramento quando entraram e viram os mapas. Nunca tinham visto mapas assim.” Gostaram das cores, do papel, das diferentes representações gráficas e de toda a atmosfera da sala.
Detiveram-se neles algum tempo, “para perceberem regiões, culturas, paisagens, distâncias, a tipologia dos mapas, temáticos ou não”, enumera. Depois, a sala foi escurecida e viram outros tipos de mapas e noutro suporte, numa projecção de espaços reais e imaginários, extraídos de sites sobre o tema.
Seguiu-se a retirada de papelinhos de dentro de um grande pote transparente e que identificavam lugares. Cada criança dizia que lugar lhe tinha saído. Podia ser uma cidade, um país de verdade ou o reino fictício de Rohan (de O Senhor dos Anéis, de Tolkien, cuja capital seria Edoras). A partir daí, a conversa derivava para: “É um lugar que existe ou é um lugar que não existe?”
Houve quem defendesse que os lugares fictícios existiam, sim senhor, a que outros contrapunham: “Como é que sabes, já lá estiveste?” Seguiram-se perguntas como: “É preciso ter lá estado para saber que existe?” Houve toda uma discussão sobre “lugares que existem e que não existem, com argumentos ‘porque já lá estive’, ‘já vi num livro’, já ouvi falar”…
Este é um dos momentos que tornam a educadora Margarida Costa mais feliz, já que a também “guia” de O Mundo no Bolso fez várias formações em filosofia para crianças e adora escutá-las, estimular-lhes o pensamento e “aprofundar o seu espírito crítico e criativo face ao mundo”, conta-nos.
Passou-se depois para a actividade plástica “o meu mundo, o meu mapa”. Nessa altura, fizeram-se dois grupos: dos quatro aos oito anos e outro a partir dos nove. “Distribuiu-se um guião sobre o que se pode pôr dentro de um mapa, para terem uma pequena orientação inicial. Depois, a liberdade era total.” Uns basearam-se nas pistas, outros nem por isso. “Alguns até fizeram mapas pop-up, com montanhas. Os mais velhos criaram mapas mais descritivos, com mais elementos, legendas e ilustrações.”
“Este é o meu Panamá”
A seguir, foram conhecer livros que falam de lugares e ouvir histórias. A leitura está sempre presente nos ateliers. Os livros que não são utilizados para o momento de contar histórias andam por ali. Para que as crianças tropecem neles, os folheiem e se interessem por conhecê-los, mesmo que só mais adiante no tempo.
Foi lido o livro Oh, Que Lindo Que É o Panamá, de Janosch (Kalandraka). “Porque o Panamá representa uma espécie de paraíso, para onde alguém quer ir, porque lá há de tudo e é tudo muito bom. Na história, dois bichinhos saem de casa e rumam ao Panamá porque lá há bananas. Vão tendo vários acidentes de percurso, o tempo vai passando e acabam por descobrir o Panamá na sua própria casa.” Os miúdos ficaram sensibilizados com a história. “Quando terminaram o mapa do seu mundo, disseram: ‘Este é o meu Panamá”, descreve, comovida, Maria João Frade: “Isto dá-nos um prazer imenso.”
Haverá sempre duas sessões para cada tema, diversificando a oferta de actividades e de reflexões. Também estão previstos convidados, como aconteceu em O Ano Inteiro. Hoje, as crianças continuam no Mapa-Múndi. Nos próximos encontros irão explorar Labirintos e Caminhos. Quem ainda não começou a viagem pode embarcar em qualquer uma das próximas paragens. Será bem-vindo e devidamente enquadrado.
Cada criança tem um passaporte, que é carimbado em cada atelier, numa espécie de caderninho do viajante. “Têm alguns elementos de ligação entre si e que lhes permite registar, escrever, colar. Com mundos que podem ser muito distantes ou muito próximos e íntimos”, descreve Maria João.
O desejo das mediadoras é que estes ateliers fiquem inscritos na memória dos miúdos, querem que os recordem como “momentos de descoberta, alegria e de encontro com os outros e consigo próprios”. São bem capazes de o conseguir.
Viajar sem sair do lugar (por enquanto)
Antes que cresçam e possam escolher os seus destinos, a Casa da Avenida mostra às crianças que há “muitos mundos no mundo” e que se pode “viajar sem sair do lugar”. O ponto de partida para os ateliers “é sempre a leitura, os livros”, explica à Fugas, por email, a educadora Margarida Costa. “Para dar mundo a conhecer, entrarmos em nós e irmos ao encontro dos outros, ainda não há melhor tecnologia”, acredita.
A coordenadora interconcelhia da Rede de Bibliotecas Escolares explica que estas actividades são mediadas “por quem acredita no poder da leitura e da sua dimensão social, numa idade em que a leitura intimista, solitária e introspectiva ainda é um esforço”.
Não tem dúvidas de que “aprender a ler é difícil”, mas não desiste de levar palavras, imagens, histórias e livros a todos os miúdos com que se cruza. “Já sou conhecida por levar sempre histórias ‘estranhas’, mas acho que isso tem que ver com a surpresa e espanto que certos livros ou histórias lhes provocam.”
No primeiro atelier foi lido Oh, Que Lindo Que É o Panamá, mas por ali também estiveram à mão outros títulos, como O Livro Vermelho (de Barbara Lehman, Gatafunho); Eu, Ming (de Clotilde Bernos e Nathalie Novi, Ambar), O Menino Chamado Menino (de Álvaro Magalhães e Manuela Bacelar, ASA), El Mundo Entero (de Liz Garton Scanlon e Marla Frazee, Serres Ediciones), Nova Iorque em Pijamarama (de Michaël Leblond e Frédérique Bertrand), Zoom (de Istvan Banyai), ambos da editora Kalandraka, entre outros.
Margarida Costa lembra que apostam “num contexto de educação não formal, centrado nos interesses e desejos das crianças, num clima especialmente concebido para se tornar desafiante e agradável”. Por isso, explica que têm “uma intencionalidade educativa que se prende com a participação, aprender e pensar, trocar saberes, abrir janelas de conhecimento sobre o mundo, assim como das relações sociais que este estabelece”.
A experiência de O Ano Inteiro e a heterogeneidade do público infantil que as procurou (entre os três e os 12/13 anos) obrigou-as a repensar a proposta. Daí as sessões sobre o mesmo tema para grupos de idades diferentes. “Dos quatro aos oito anos, mantemos o formato dos ateliers anteriores: leitura(s), uma pergunta para pensar (através da filosofia para crianças) e uma actividade expressiva, partindo da ideia de ler ‘com os cinco sentidos’.”
Para as crianças a partir dos nove anos, o formato é diferente: “Queremos ir mais longe (ou mais fundo…): leitura(s), ouvir ler mas não só, leituras partilhadas, em voz alta, em coro, a partir das minhas propostas mas também das deles. Depois convocamos as perguntas que as leituras nos trazem e, por fim, ginásio de escrita, actividade indissociável da leitura. Gostaríamos que fosse a semente de um clube ou grupo de leitura para jovens, mas só o tempo o dirá…”
Há ainda o projecto de convocar os clássicos: “De Ulisses a Robinson Crusoé, das Viagens de Gulliver à Volta ao Mundo em 80 dias ou As Cidades Invisíveis.” Sempre na procura de ajustar aos conhecimentos e à curiosidade dos pequenos leitores a descoberta de textos que resistem à passagem do tempo. “Não sabemos onde nos poderá levar, depende deles…” Boa viagem.