Foi você que pediu a limpeza das matas?
Na vida das nações há prioridades e uma das maiores prioridades de Portugal é fazer tudo para que o Verão de 2017 fique confinado à memória de um pesadelo que não pode acontecer nunca mais.
O decreto-lei que o Governo aprovou para reduzir os riscos de incêndio é excessivo, tecnicamente imperfeito, arrogante e vagamente totalitário, cego face a diversidade da floresta nacional, susceptível de gerar pânico desnecessário, capaz de causar danos ao ambiente, precipitado e quase impossível de aplicar. Mas a realidade associada ao drama dos fogos também é excessiva, tecnicamente imprevisível, ameaçadora para todas as espécies, susceptível de causar vítimas humanas no país rural, destruidora da biodiversidade e, face ao que vimos no ano passado, impossível de controlar. É por isso que, entre os defeitos óbvios e ululantes da lei e a ameaça que paira sobre o país, não há escolha possível. A lei deve ser criticada, interpretada e até melhorada, mas não há tempo a perder naquilo que no essencial: é urgente fazer a limpeza das matas para evitar uma repetição do drama do ano passado. Os que tanto protestaram contra a selva de giestas nas orlas das estradas ou contra os pinheiros na franja das aldeias (ou seja, todos) têm aqui uma resposta às suas súplicas.
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O decreto-lei que o Governo aprovou para reduzir os riscos de incêndio é excessivo, tecnicamente imperfeito, arrogante e vagamente totalitário, cego face a diversidade da floresta nacional, susceptível de gerar pânico desnecessário, capaz de causar danos ao ambiente, precipitado e quase impossível de aplicar. Mas a realidade associada ao drama dos fogos também é excessiva, tecnicamente imprevisível, ameaçadora para todas as espécies, susceptível de causar vítimas humanas no país rural, destruidora da biodiversidade e, face ao que vimos no ano passado, impossível de controlar. É por isso que, entre os defeitos óbvios e ululantes da lei e a ameaça que paira sobre o país, não há escolha possível. A lei deve ser criticada, interpretada e até melhorada, mas não há tempo a perder naquilo que no essencial: é urgente fazer a limpeza das matas para evitar uma repetição do drama do ano passado. Os que tanto protestaram contra a selva de giestas nas orlas das estradas ou contra os pinheiros na franja das aldeias (ou seja, todos) têm aqui uma resposta às suas súplicas.
Se há algo que este Governo parece ter aprendido nos últimos meses é que com o fogo não se brinca. Em Junho de 2017 era fácil perceber que a devastação de Pedrógão Grande tinha revelado uma nova face do sinistro que facilmente se poderia repetir, mas o Governo assobiou para o lado e agiu como habitualmente – mais bombeiros, mais Kamov, mais promessas para o futuro. Em Outubro, a insensibilidade face ao problema rebentou-lhe nas mãos como uma bomba. De uma vez por todas, e sob uma inusitada pressão do Presidente da República, António Costa deu conta que os fogos florestais eram o seu maior desafio político – porque se tinham tornado o maior desafio de Portugal. O conformismo negligente de Junho não poderia ser repetido.
Não foi. E não foi porque acto contínuo o Governo lançou o mais ambicioso e tecnicamente consensual plano de prevenção e de ataque aos fogos que há memória. Não foi também porque, já este mês, fez publicar uma lei que retira o problema das mãos exclusivas dos bombeiros, da administração florestal ou da protecção civil e coloca-o ao nível onde deve realmente estar: ao nível das autarquias, dos proprietários e, por arrastamento, ao nível de todos nós. Há neste movimento uma clara ambição de distribuir responsabilidades políticas caso o ano seja mau. Há no desenho e no alcance da legislação uma óbvia tentativa de redimir pecados. Sem dúvida que sim, há um laivo politiqueiro na manobra. Mas esse nunca será o ângulo essencial da questão. O que conta é saber se o Governo está a fazer tudo por tudo para que não morram mais portugueses nas estradas nem nas ruas das aldeias. Tudo por tudo não se sabe, mas que está a fazer alguma coisa, isso está.
É por isso que, por muito que critiquemos a lei, por muito que admitamos que é impossível limpar milhares de hectares de árvores e matos em torno das aldeias ou instaladas ao longo de milhares de quilómetros das estradas do interior, ainda que saibamos que vai haver cortes errados, especulação dos empreiteiros, omissão, queixume e protesto, a lei em causa tem uma enorme virtude: ela expressa um apelo dramático para que se faça tudo o que houver e puder ser feito para proteger a floresta. Nenhum proprietário pode ser desresponsabilizado, nenhuma autarquia pode cruzar os braços e largar lamúrias. É nestes momentos que se vê a fibra de um país.
No final de Maio, haverá multas e penalizações financeiras a aplicar, mas, muito mais do que a coacção ou a punição de prevaricadores, até lá a lei provará a sua maior bondade. A sua dureza, o lado implacável que revela, a discussão que suscita e o largo espectro de aplicação que determina são potenciais focos de energia que podem alertar as pessoas e convocá-las para que se previnam e preparem para o drama que pode estar próximo. As notícias da seca são alarmantes e mais um ano quente como o do ano passado por ser fatal para o que resta da floresta. O que está em causa é crucial para o país.
Os que andaram nos meses do estio do ano passado a lamentar a incúria dos proprietários ou a negligência das autarquias não podem por isso agora dar o dito pelo não dito e culpar a lei por ser imperfeita, danosa ou megalómana. Na vida das nações há prioridades e uma das maiores prioridades de Portugal é fazer tudo para que o Verão de 2017 fique confinado à memória de um pesadelo que não pode acontecer nunca mais.