A pressão do povo é importante, mas o Supremo é quem mais ordena
O juiz conservador Clarence Thomas está furioso: a maioria dos seus colegas tem rejeitado apreciar queixas contra leis mais restritivas da venda e posse de armas.
Por mais leis que os estados norte-americanos aprovem para reforçar o controlo da venda e da posse de armas, é preciso não perder de vista a importância do Supremo Tribunal norte-americano neste assunto.
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Por mais leis que os estados norte-americanos aprovem para reforçar o controlo da venda e da posse de armas, é preciso não perder de vista a importância do Supremo Tribunal norte-americano neste assunto.
E, mesmo depois de se apontar um foco de luz para o Supremo, é preciso ampliar ainda mais a imagem do debate sobre as armas até vermos com clareza que juízes compõem esse tribunal, e o que nos diz o cenário político actual sobre as próximas nomeações.
Esta semana, já depois do tiroteio na escola da Florida, o juiz conservador Clarence Thomas veio puxar as orelhas aos seus colegas mais liberais, acusando-os de tratarem "o direito à posse e ao transporte de armas" como "um órfão constitucional" – Thomas está indignado com a vontade da maioria dos seus colegas, que na última década têm fechado a porta do Supremo às pessoas e organizações que contestam nos tribunais inferiores a entrada em vigor, em vários estados, de leis mais restritivas sobre a venda e a posse de armas.
Para o juiz Thomas, a gota de água foi a recusa do Supremo em apreciar uma queixa contra uma nova lei na Califórnia – agora, mesmo quem tenha várias armas legais em casa e licença para transportar uma arma escondida tem de esperar dez dias desde a compra de uma nova arma até à conclusão do negócio. O estado diz que os dez dias servem para que um comprador possa acalmar-se, se o seu objectivo inicial era comprar uma arma para matar alguém ou suicidar-se, mas os queixosos consideram que isso é uma violação do seu direito constitucional.
Para que o Supremo aceite analisar um caso, é preciso que pelo menos quatro juízes dêem o seu aval, o que não aconteceu no caso desta lei na Califórnia, nem em muitos outros na última década.
"Se este caso envolvesse um dos direitos preferidos deste tribunal, duvido sinceramente que a revisão fosse negada. Desconfio que quatro membros deste tribunal aprovariam a revisão de um período de espera de dez dias para um aborto", escreveu Thomas – numa referência ao facto de o Supremo se ter recusado a analisar uma queixa contra uma lei nesse sentido, aprovada no Arizona e invalidada pelos tribunais inferiores.
Clarence Thomas não tem conseguido convencer outros dois juízes conservadores, John Roberts e Anthony Kennedy, a aceitarem rever queixas contra leis mais restritivas, mas isso não significa que a balança vai manter-se assim por muito tempo – Thomas foi o único a tornar pública a sua fúria esta semana, mas para além de Roberts e Kennedy o tribunal conta ainda com o conservadorismo de outros dois juízes, Samuel Alito e Neil Gorsuch.
Para além da composição actual (5-4 para os conservadores), com a nomeação do juiz Gorsuch, em Abril do ano passado, o Presidente Trump iniciou um período em que poderá ter de substituir vários juízes, se vier a cumprir um segundo mandato, até 2024 – e, dos três juízes com mais idade, dois deles foram nomeados pelo Presidente Bill Cinton e fazem parte do sector mais liberal do Supremo.
É verdade que qualquer nomeação tem de ser aprovada pelos 100 senadores, mas a capacidade de o partido minoritário se opor às nomeações foi enfraquecida no ano passado, durante o processo do juiz Gorsuch – antes, a nomeação só podia ser feita com 60 votos, mas agora bastam 51.
Daí que Novembro seja um mês decisivo para os próximos anos, tanto no debate sobre as armas como em muitos outros temas: se o Partido Republicano mantiver a sua maioria no Senado nas eleições intercalares, a auto-estrada das nomeações vai continuar aberta para o Presidente Trump.