A megagaleria que mais parece um museu
A suíça Hauser & Wirth, uma das 200 galerias presente na ARCOmadrid, tem agitado o mundo das artes plásticas nos últimos anos. Falámos com a directora do espaço de Nova Iorque sobre a feira de Madrid, mas também sobre a história recente de uma das mais relevantes galerias actuais.
A obra que domina o stand da galeria suíça Hauser & Wirth na ARCOmadrid é um pavilhão de Dan Graham. Não é muito diferente em tamanho e aspecto minimalista daquele que podemos ver instalado em permanência nos jardins do Museu de Serralves, mas este foi pensado para ouvir e ver rock ou mesmo punk rock – o artista norte-americano é um fã.
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A obra que domina o stand da galeria suíça Hauser & Wirth na ARCOmadrid é um pavilhão de Dan Graham. Não é muito diferente em tamanho e aspecto minimalista daquele que podemos ver instalado em permanência nos jardins do Museu de Serralves, mas este foi pensado para ouvir e ver rock ou mesmo punk rock – o artista norte-americano é um fã.
Pavilion For Showing Rock Videos está ao lado de obras de Louise Bourgeois, Lygia Pape ou Pipilotti Rist, porque este ano o stand de uma das mais relevantes galerias da actualidade na feira de arte contemporânea espanhola, que abre ao público nesta sexta-feira, vai mostrar trabalhos que têm uma relação com a música.
Esta é a segunda vez que a galeria suíça vem à ARCOmadrid, depois de uma experiência toca-e-foge em 2009. “Fizemos a feira no ano passado e voltamos agora. O ano passado quisemos apresentar um stand todo de mulheres. Foi um grande sucesso, porque a galeria tem uma longa tradição de trabalhar com mulheres artistas”, explicou Susie Guzman, directora da galeria em Nova Iorque, numa conversa ao telefone com o Ípsilon antes de a feira começar.
Este ano, quiseram “abrir um bocadinho o conceito”, mas todos os trabalhos continuam a ter um elo que os une, seja através da música ou do som representado de uma forma visual. “Algumas não são peças musicais ou sonoras, mas todas as peças têm algum tipo de relação, como as esculturas de David Smith [1906-1965], ou de Fausto Melotti [1901-1986]. Estes dois artistas pensaram em música e fizeram esculturas. As de Melotti, por exemplo, são interpretações visuais da estrutura musical chamada contraponto.”
Falta ainda a frase que a cultura popular atribui ao filósofo alemão Nietzsche – “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados loucos por aqueles que não podiam escutar música" –, mas que é uma falsa atribuição, sublinha a directora da Hauser & Wirth, embora não deixe de ser uma frase muito atraente. Fake news? “Pensámos que a frase seria interessante porque há obviamente um duplo sentido. Os que não ouvem a música pensam que aqueles que dançam são malucos. É a mesma coisa com este trabalhos, se olharmos para eles não têm som real, mas se olharmos mais de perto seremos capazes de ver a música ou o som”, explica Susie Guzman.
No stand de Madrid, também não faltam peças de Eduardo Chillida, como Lurra M-35 (Homenaje a Bach), uma vez que a galeria ficou responsável desde Novembro pela gestão do espólio do escultor espanhol. Aliás, a galeria chegou a acordo com os filhos do artista falecido em 2002 para reabrir, ainda este ano, o parque-museu Chillida-Leku no País Basco, encerrado desde 2010.
Como a feira é em Espanha, particularmente forte nas suas relações com a América Latina, Susie Guzman reconhece que essa é uma das coisas que entram em linha de conta quando pensam nos artistas e nas obras que apresentam. “Acho que é muito importante. Madrid sempre se tentou estabelecer como uma ponte com a América Latina. E também com Portugal”, lembrando que recentemente a organização da ARCO passou a fazer a ARCOlisboa, a feira que em Maio terá a sua terceira edição na capital portuguesa. “Claro que representamos vários artistas latino-americanos, especificamente do Brasil representamos Lygia Pape, Mira Schendel e Anna Maria Maiolino. Da Argentina temos Guillermo Kuitca.” Além do mexicano de origem alemã, Stefan Brüggemann, cujo trabalho também vão mostrar em Madrid. Como explica a directora, a América Latina é sempre “um assunto de conversa” com os coleccionadores norte-americanos, espanhóis ou portugueses.
Nova expansão
Este ano, outro assunto de conversa para quem visitar o stand da Hauser & Wirth em Madrid poderá ser a abertura, já no próximo mês, de um novo espaço em Hong Kong, porque a galeria suíça se prepara para dar mais um passo na consolidação do seu império global no mercado da arte. Talvez não seja uma jogada tão surpreendente como a contratação no último ano de Randy Kennedy, um dos mais conhecidos jornalistas na área das arte plásticas do New York Times para tratar das publicações da galeria – uma vez que as concorrentes mais próximas, como as galerias Gagosian e David Zwirner já estão na Ásia – , mas é sem dúvida feita com a pontaria habitual e igualmente espectacular.
Na semana em que abre a Art Basel Hong Kong, a versão asiática da mais relevante feira de arte contemporânea do mundo, a Hauser & Wirth vai inaugurar um espaço com uma exposição do artista norte-americano Mark Bradford, que representou os Estados Unidos na última Bienal de Veneza com uma das intervenções mais discutidas e elogiadas entre os pavilhões nacionais.
A galeria vai, agora, juntar a China aos seis espaços que já tem em Los Angeles, Nova Iorque (dois), Londres, Somerset e Zurique, onde a casa mãe nasceu em 1992.
Nas mãos do casal suíço Iwan e Manuela Wirth – os donos que aparecem regularmente no topo das listas das pessoas mais influentes do mundo da arte – a galeria tem sabido agitar o mundo das artes plásticas nos últimos anos, em jogadas audaciosas que questionam as fronteiras entre o lado mais comercial das galerias e o mais institucional e não lucrativo dos museus.
Há dois anos, na sua expansão para a costa oeste dos Estados Unidos, a Hauser & Wirth abriu um espaço com 10 mil metros quadrados, que como escreveu na época o Los Angeles Times é maior que o New Museum de Nova Iorque. A sua ambição em afirmar-se como uma mega-galeria foi vista como uma tentativa de fazer a quadratura do círculo: a Hauser & Wirth contratou o curador chefe do Museum of Contemporary Art (MoCA) de Los Angeles, Paul Schimmel, tornando-o sócio e vice-presidente, além de director do novo espaço na Califórnia. Tal como com o caso do jornalista do New York Times, é rara esta passagem do lado das instituições não lucrativas para o mundo dos milhões de euros da indústria das artes plásticas.
A galeria, que rebaptizada se passou a chamar Hauser Wirth & Schimmel na Califórnia, foi objecto de várias reportagens e artigos, apontando a inauguração do enorme espaço no Arts District de Los Angeles (muito elogiado e a que não faltou a nata de Hollywood) como um sintoma da reconfiguração das relações entre o mercado das galerias e as instituições museológicas, incluindo a própria produção artística.
Juntamente com a historiadora de arte Jenni Sorkin, Paul Schimmel concebeu a impressionante exposição inaugural, sob o título Revolution in the Making: Abstract Sculpture by Women (1947-2016), com 100 trabalhos de 34 artistas, colocando lado a lado obras históricas com trabalhos contemporâneos de nomes já consagrados e conseguindo empréstimos de vários museus, colecções privadas e espólios de artistas. Só 20 por cento dos trabalhos estava à venda, tendo chegado empréstimos do MoCA, do Whitney Museum, do Museum of Contemporary Art de Chicago, do Institute of Contemporary Art de Boston ou mesmo do Museu Nacional de Varsóvia, na Polónia. Como sublinhou o Los Angeles Times, apesar de ninguém parecer muito preocupado com o assunto, e da exposição ser “tão bem pensada e provocadora”, a missão dos museus (educação) e das galerias (comercial) são diferentes. “A Hauser Wirth & Schimmel aposta em actualizar a definição de uma galeria”, titulava outro artigo do jornal, sublinhando que outras galerias já tinham feito exposições com empréstimos de museus (uma coisa mais comum no EUA do que na Europa), mas que o que impressionava em Los Angeles era o “gigantismo” da operação.
O catálogo da exposição “primoroso”, com ensaios encomendados a académicos reconhecidos, escreveram especialistas como a brasileira Ana Magalhães na Select, fará dele “um documento importante” para quem no futuro vier estudar a contribuição das artistas mulheres para a reconfiguração da escultura abstracta no pós-guerra.
Se Paul Schimmel saiu da galeria e a Hauser & Wirth voltou ao nome original, “seguimos caminhos separados”, diz a directora ao Ípsilon sem mais comentários, ecoando o lacónico comunicado de imprensa de exactamente há um ano sobre a ruptura, Susie Guzman também não elabora muito sobre a opção de fazer exposições com empréstimos numa aproximação ao conceito de galeria-museu: “Para nós trata-se de fazer a melhor exposição e contar uma história real. Baseada na história de arte, apoiada por estudiosos, com texto e pesquisa. Se isso resulta no pedido de um empréstimo a um museu, nós claro que vamos nessa direcção. Algumas vezes os museus dizem que sim, outras vezes que não. O nosso objectivo é sempre fazer a melhor exposição.”
Como os museus ou qualquer agente da indústria da arte, a galeria está sempre a pensar, ou a repensar, aquilo que faz, afirma a directora: “Para nós este tipo de exposição leva muito tempo a planear. Há dois anos abrir em LA com uma exposição só de mulheres pareceu-nos uma coisa lógica na perspectiva da galeria, que nos últimos vinte anos representa muitas mulheres. Temos boas relações com os museus e, ao construir uma exposição, queremos fazer a melhor pesquisa e a melhor aproximação académica também.”
Um estilo de vida
O que a Hauser & Wirth traz de especial ao negócio de coleccionar arte, explica a ArtReview a propósito da lista que todos os anos publica sobre as pessoas mais famosas do mundo da arte, é que o casal, que não tem saído dos lugares cimeiros nos últimos anos, consegue combinar faro para descobrir novos artistas com todo um estilo de vida actual.
Em Los Angeles, a galeria propõs-se como um Kunsthale, um centro de arte com serviço educativo incluído; também abriu uma livraria especializada em arte, a primeira da cidade, anunciaram; um restaurante, o Manuela (o nome da dona da galeria), que planta no local os verdes que consome; e prometeu voltar a pôr os habitantes de Los Angeles a andar a pé (há uma fonte própria para cães).
Mas o ensaio para Los Angeles foi a galeria que abriram em 2014 no muito britânico condado de Somerset, uma zona rural situada a pouco mais de duas horas de Londres. O espaço também é um complexo cultural, que além de restaurante e bar, tem uma casa de hóspedes, a Durslade Farm, onde os artistas podem fazer residências artísticas, mas que também está disponível para alugar como uma casa de campo para férias. Há um jardim contemporâneo assinado por Piet Oudolf, o arquitecto paisagista que fez o High Line em Nova Iorque, e várias intervenções dos artistas da galeria, como um mural de Guillermo Kuitca ou uma instalação vídeo de Pipilotti Rist.
Os Wirth, que se instalaram perto com a família numa grande propriedade, apoiam as escolas locais com aulas de arte, além de vários grupos ligados à conservação da paisagem. Por ano, explicou Iwan Wirth numa entrevista recente, o centro cultural atrai mais de 150 mil visitantes às proximidades da pacata cidade de Bruton, em vez dos 40 mil inicialmente previstos. Entre coleccionadores e celebridades, como escreveu o Telegraph, a curiosidade já fez subir o preço das propriedades em seis por cento.
Susie Guzman disse ao Ípsilon que estavam muito contentes com os resultados da galeria-museu de Los Angeles. “Já temos dois espaços em Nova Iorque que abrimos em 2009. LA parecia uma coisa natural para nós, porque nós temos muitos artistas da costa oeste, como Mark Braford, Paul McCarthy, também Jason Rhoades ou Richard Jackson.” O espaço de Los Angeles permite-lhes apresentar trabalhos de grande formato, que talvez sejam difíceis de apresentar noutros locais da Hauser & Wirth ou mesmo noutros espaços.
Uma nova revista
Randy Kennedy, o jornalista que faz parte da equipa da galeria há um ano, está a refazer a estratégia editorial da galeria em papel e na web. “Ele traz um grande saber depois de ter trabalhado durante tanto tempo no New York Times. Nós estamos a trabalhar na nova revista, que vai sair em breve.”
Com a nova direcção, ainda não se sabe se a revista vai retomar o nome antigo, Volume, depois da publicação, com dois números por ano, ter sido interrompida em 2015. “O departamento editorial é muito importante para a galeria. Fizemos mais de 100 catálogos nos últimos vinte anos. É uma actividade em crescimento na empresa e a revista faz parte disso.”
Voltando a Madrid, onde já estava na altura desta entrevista feita há uma semana, Susie Guzman diz que a expectativa é sempre conhecer novos clientes, estabelecer e consolidar relações existentes, como com coleccionadores mas também com directores de museus e curadores. “Temos muitas exposições dos nossos artistas em vários locais, algumas em Espanha, com no Museu Rainha Sofia ou no Guggenheim, mas também noutras instituições. Faz parte da nossa visão estratégica ser capaz de encontrar mais formas de expor os nossos artistas.”