A ArcoMadrid está um bocadinho diferente
Depois dos dias reservados aos profissionais a feira de arte abriu esta quinta-feira ao público com a visita dos reis de Espanha. Foi também o dia em que Clemente González Soler, o anfitrião da evento, emitiu um comunicado de imprensa a pedir desculpas por causa da retirada da obra sobre o processo na Catalunha
A rainha Letícia percebeu a graça e não resistiu a fazer uma pose em frente ao quadro monocromático do artista português Rui Toscano, uma das obras em exposição na Galeria Cristina Guerra, que fez parte do percurso dos reis na sua visita à ArcoMadrid. Tal como ela, que estava de vermelho dos pés à cabeça, a pintura no stand português da feira de arte contemporânea também era toda vermelha.
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A rainha Letícia percebeu a graça e não resistiu a fazer uma pose em frente ao quadro monocromático do artista português Rui Toscano, uma das obras em exposição na Galeria Cristina Guerra, que fez parte do percurso dos reis na sua visita à ArcoMadrid. Tal como ela, que estava de vermelho dos pés à cabeça, a pintura no stand português da feira de arte contemporânea também era toda vermelha.
Muitos sorrisos, no dia em que as reportagens deixaram de se fazer quase todas a partir da Galeria Helga de Alvear, onde a Ifema, que organiza a feira de arte contemporânea entre outras feiras de Madrid, tinha pedido na véspera para se retirar uma obra sobre o processo na Catalunha, suscitando acusações de censura. O glamour, um dos ingredientes das feiras de arte, substituiu a polémica, e o dia pertencia à Hola! TV ou aos repórteres que cobrem a corte espanhola. Uma jornalista da TVE, talvez atrás do momento vermelho, perguntava a Cristina Guerra como se escrevia Paiva&Gusmão ou André Cepeda, outros artistas por quem Felipe de Espanha tinha perguntado.
Entre fortes medidas de segurança, os reis de Espanha ficaram alguns minutos – mais do que era esperado, comentou Cristina Guerra –, num stand onde também estava o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, que assinara ao início da manhã um protocolo com a Ifema, a propósito da ArcoLisboa, que terá lugar em Maio.
A visita dos reis começou pela secção Futuro, a novidade deste ano. Para lá chegar, é preciso subir oito degraus ou percorrer uma rampa, porque a nova secção com uma curadoria especial fica numa espécie de pequeno planalto coberto por uma alcatifa verde, um espaço especialmente desenhado pelo arquitecto espanhol Andrés Jaque num canto de um dos dois pavilhões que constituem a feira.
Como é o futuro?
Este ano, a feira de arte contemporânea, que abre agora ao público depois dos dias reservados aos profissionais, não tem um país convidado, mas antes um conceito. Foi o “futuro”, inspirado numa frase do escritor Jorge Luis Borges (“O futuro não é o que vai acontecer, mas sim o que vamos fazer”), o tema escolhido pela equipa de curadoria dirigida pela espanhola Chus Martínez, uma secção que se vem juntar às 160 galerias do programa geral, no qual se encontram a maioria das 15 galerias portuguesas este ano seleccionadas, além da dedicada às galerias mais jovens ou ao diálogo entre artistas.
Cerca de 20 artistas e colectivos, que trabalham com 19 galerias, são expostos neste espaço dedicado ao futuro, que não está dividido em stands, mas organizado como uma exposição colectiva. Apesar de nenhuma destas galerias ser portuguesa, é possível encontrar aqui o trabalho de Hugo Canoilas ou de Pedro Neves Marques, respectivamente a trabalhar em Viena e em Nova Iorque, com uma galeria inglesa e outra italiana. Tal como o trabalho da espanhola Eva Fàbregas, que vive em Londres, ao lado das obras do colectivo brasileiro OPAVIVARÁ!, mas também dos desenhos do surrealista Salvador Dalí, entre outros.
“Não há só um futuro. O futuro não é sobre o que vem a seguir, o que é novo, mas sobre o que é relevante”, explicou na quarta-feira aos jornalistas Chus Martínez, que já trabalhou no Museu del Barrio em Nova Iorque, no MACBA de Barcelona, fez parte da equipa curatorial da Documenta 13 e está actualmente no Instituto de Arte da FHNW de Basileia, um lugar mais académico. A escolha de um conceito como o “futuro” acrescenta “internacionalidade ao internacional”, defende Martínez, porque a existência de um país-tema, “uma aproximação geopolítica, que é problemática em muitos aspectos, deve ser desafiada”.
Na primeira paragem que fazemos nesta secção, encontramos um dos dois únicos ecrãs disponíveis na secção Futuro, porque o futuro, prometera, Chus Martínez, “não é necessariamente tecnológico”.
O ecrã exibe em loop um documentário de ficção científica – se assim lhe podemos chamar –, intitulado YWY, a Andróide (2017), de Pedro Neves Marques, que no ano passado foi mostrado no Museu Berardo, na exposição Aprender a Viver com o Inimigo.
Com a duração de oito minutos, o filme de Pedro Neves Marques é composto por vários planos fixos e rodado no Rio Grande do Sul (Brasil). Mostra a actriz Zahy Guajajara, uma índia, a transformar-se, perante os nossos olhos, numa activista dos direitos indígenas, ao mesmo tempo que nos interroga sobre os sentidos coloniais do mito do bom selvagem ou da mulher indígena exótica. “Artificial? Eu? Sim, como elas. As sementes destas plantas são artificiais…” Mas a culpa é dos transgénicos ou do botânico sueco Lineu, que no século XVIII projectou a sexualidade na classificação das plantas?
O realizador, de 33 anos, explica-nos que YWY é sobre um mundo em que as pessoas estão mais preocupadas com os direitos digitais do que com os direitos dos indígenas. “A soja, o milho transgénico, provoca uma profunda alteração na paisagem brasileira. O filme é um diálogo sobre o que poderão ser os outros futuros da América Latina.”
Sobre a nova secção Futuro, o realizador, há seis anos a viver em Nova Iorque, acha “óptimo” o modelo. “É muito importante, porque quebra um bocado o ritmo da feira, que não é o ambiente ideal para ver arte.”
Um sentimento de “solidariedade e troca” entre os artistas, com os trabalhos a contaminarem-se uns aos outros, é o que o pintor Hugo Canoilas, 40 anos, destaca no espaço novo. Imagina que as primeiras feiras de arte internacionais quando surgiram, como a ArtCologne surgida no final dos anos 60, tenham parecido algo de semelhante. “Todos a conversar, numa situação confortável. Com artistas, galerista e coleccionadores misturados, sem estar cada um no seu espaço fechado e sentindo uma energia especial.” Vista daqui, a feira parece-lhe mais “fresca e divertida”, “com um nível de heterogeneidade salutar”.
No trabalho que apresenta em Madrid, uma pintura gigante em que cabem três dinossauros, Fossil gaze-missile gaze (2018), Canoilas representa igualmente o mundo natural (ou a imagem dele), mas a obra também não é o que parece ser.
Aqui, o futuro da pintura, a forma de suspender os seus problemas históricos, fá-lo igualmente olhar para o passado. Parece que recuamos até ao universo paleontológico, mas o que estamos a ver é a ampliação de uma imagem de um livro de ilustrações, que é transformada numa pintura que ganha qualidades abstractas quando atinge os seis metros de altura por mais de sete metros de largura. “Essa imagem feita permite-me desenvolver um conjunto de coisas que não são visíveis. Uma pequena mancha de cor consegue uma certa liberdade, sabendo que a imagem feita está a funcionar. Vão acontecendo coisas na tinta que decidem coisas na pintura. São gestos altamente violentos, mas sustidos por uma imagem. Há um lado muito sublime de eu decidir e ser o gesto final, porque os erros não podem ser apagados.”
A espanhola Eva Fàbregas, 29 anos, mostra três esculturas insufláveis, que exploram o erotismo dos objectos de consumo. Tal como na sua exposição na Fundação Miró em Barcelona, estes são objectos que apelam ao uso e que têm uma componente áudio: “As esculturas convidam-nos a deitar e relaxar. Começamo-nos a fundirmo-nos com elas e a transformarmo-nos na própria escultura.”
Eva Fàbregas também está muito impressionada com o novo espaço: “É muito difícil fazer uma exposição dentro da feira. Aqui criam-se diálogos, porque os stands normais não permitem às pessoas conhecerem-se.”
Na quinta-feira, ecoando as palavras da artista espanhola, a maioria dos galeristas portugueses contactados pelo PÚBLICO ainda não tinham tido tempo para ver a nova secção.
O PÚBLICO viajou a convite da ArcoMadrid