Comissão parlamentar analisa indícios de violação de direitos de Raul Schmidt
Advogados apontam “indícios de violação de direitos fundamentais”, diz presidente da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Instituto dos Registos e Notariado aceitou pedido de urgência justificado pelo risco de extradição.
Depois de terem recorrido ao Supremo Tribunal de Justiça, os advogados do empresário luso-brasileiro Raul Schmidt foram esta terça-feira à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República para serem ouvidos pelos deputados e tentar convencê-los de que a lei não está a ser cumprida.
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Depois de terem recorrido ao Supremo Tribunal de Justiça, os advogados do empresário luso-brasileiro Raul Schmidt foram esta terça-feira à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República para serem ouvidos pelos deputados e tentar convencê-los de que a lei não está a ser cumprida.
A audiência acontece depois de a defesa se ter oposto, sem sucesso, à extradição do empresário que é arguido no âmbito da Operação Lava-Jato. Em Junho de 2016, o Tribunal da Relação de Lisboa autorizou a extradição e já em Fevereiro deste ano o Supremo, ao qual chegou um pedido de habeas corpus, considerou que a sua prisão não era ilegal.
Pedro Bacelar de Vasconcelos, que dirige a comissão, explicou ao PÚBLICO que os advogados de Schmidt foram recebidos pelos deputados para que estes analisem “indícios de violação de direitos fundamentais”. Sublinha que, apesar de ainda não ter opinião formada sobre o caso, o argumento dos advogados é o de que o seu cliente não pode ser extraditado por ser cidadão português de origem. A preocupação "relativamente à eventual lesão de um direito fundamental" não se esgotou com esta audiência, adiantou Vasconcelos, explicando que a comissão vai "continuar a acompanhar o processo", que é complexo.
Em início de Fevereiro, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) emitiu um mandado de detenção com vista à extradição para o Brasil do empresário arguido no caso em que estão a ser investigados crimes económico-financeiros na Petrobras e que está fugido à justiça brasileira desde Julho de 2015. A extradição foi pedida pelas autoridades brasileiras depois da sua detenção em Março de 2016, altura em que ficou em prisão preventiva.
Desde essa altura, o arguido já interpôs vários recursos. No último, os advogados pediram uma reapreciação do acórdão por “falta de fundamento legal e violação do caso julgado”.
IRN aceitou pedido de urgência
A defesa tem recorrido ao facto de Raul Schmidt ter a nacionalidade portuguesa, que conseguiu adquirir por duas das vias actualmente possíveis: em Dezembro de 2011 fê-lo através da naturalização; a 9 de Janeiro de 2018, depois de recorrer à hipótese de pedir nacionalidade como neto de português, passou a ser português de origem.
Schmidt tornou-se num dos únicos quatro cidadãos que o conseguiram desde que em Junho entrou em vigor a mais recente regulamentação da Lei da Nacionalidade, em que entraram mais de 1630 pedidos, quase 1100 de brasileiros (os dados são de final de Janeiro, três das quatro concessões são de brasileiros). O pedido foi feito com carácter de urgência por causa do processo de extradição - e seria diferido pelo Instituto dos Registos e Notariado - “com fundamento na circunstância, invocada pelo requerente, de que o tempo da tramitação processual poderia causar prejuízos irreparáveis uma vez que, na perspectiva do requerente, a aquisição da nacionalidade originária afastaria a possibilidade de extradição”, explicou o Ministério da Justiça numa nota.
A lei, que estava por regulamentar há dois anos, passou a permitir que “os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa” possam ser portugueses de origem.
A lei impede a extradição para os países com os quais não há reciprocidade nessa matéria, como é o caso do Brasil, alegam os advogados.
Na quarta-feira passada o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) recusou o pedido de libertação, justificando que “não compete nos autos do habeas corpus "sindicar o mérito" ou a forma como o TRL decidiu extraditar o empresário luso-brasileiro. Além disso, o STJ afirmou que "a prisão em causa (...) não é ilegal, nem patente, grosseira, arbitrária ou chocante (casos em que a providência de habeas corpus funciona)".
Houve uma declaração de voto do juiz conselheiro Santos Cabral a defender que a resolução da questão sobre o estatuto da nacionalidade originária deve ser "prévia à efectivação da extradição", pois, em seu entender, tem "virtualidade para que seja decretada a sua inadmissibilidade jurídica", escreveu na altura a Lusa.
Segundo o STJ a decisão do TRL foi tomada em Dezembro de 2016, quando Raul Schmidt era um "cidadão português naturalizado" e só em Janeiro de 2018, "muito tempo depois da prolação do acórdão da Relação, é que passou a ser português originário".
O STJ transcreveu os artigos da lei sobre os efeitos da atribuição e alterações da nacionalidade, em que se refere que a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base noutra nacionalidade.
Serão estas questões que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias estará a analisar.