Venda dos seguros do Montepio aos chineses em risco com deterioração das contas
Montepio Seguros deverá fechar o exercício de 2017 com prejuízos de 20 milhões de euros. Desfecho da operação está nas mãos do ex-deputado do PS, José Lemos.
O sócio da Clearwater International, José Lemos, que intermediou a polémica compra do Finibanco pela Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), está também a negociar os termos do aumento de capital que permitirá a entrada dos chineses da CEFC Energy Company Limited na holding Montepio Seguros. Esta empresa - que engloba a Lusitânia Seguros, a Lusitânia Vida e a N Seguros -, terá registado entre 2015 e 2017 prejuízos consolidados de cerca de 110 milhões, e que espelham o desempenho da Lusitânia Seguros.
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O sócio da Clearwater International, José Lemos, que intermediou a polémica compra do Finibanco pela Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), está também a negociar os termos do aumento de capital que permitirá a entrada dos chineses da CEFC Energy Company Limited na holding Montepio Seguros. Esta empresa - que engloba a Lusitânia Seguros, a Lusitânia Vida e a N Seguros -, terá registado entre 2015 e 2017 prejuízos consolidados de cerca de 110 milhões, e que espelham o desempenho da Lusitânia Seguros.
As contas ainda não estão fechadas mas o grupo Montepio Seguros, deverá fechar o último exercício com prejuízos consolidados em torno dos 20 milhões de euros, o que a confirmar-se mais do que duplica o valor registado no ano anterior. O PÚBLICO apurou que o auditor externo, a KPMG, está a analisar as contas do Montepio Seguros - com um capital social de 175 milhões -, influenciadas pela degradação da actividade nos ramos reais ou Não Vida (Lusitânia Seguros). E admite vir a fazer ressalvas ao balanço. Em 2015, a empresa apurou um prejuízo consolidado de quase 80 milhões de euros, que recuou, no ano seguinte, para cerca de nove milhões.
A dimensão do prejuízo não era esperada dentro do grupo e pode implicar uma revisão do valor que os chineses estão dispostos a injectar na Montepio Seguros, bem como das condições acordadas há três meses entre a AMMG, chefiada por Tomás Correia, e a CEFC China Energy, liderada por Wu Hongbing. E, no limite, até pode levar a um recuo no entendimento luso-chinês. Isto porque a AMMG não estará disposta a uma entrada de novo capital se a mesma implicar uma avaliação do negócio dos seguros abaixo do valor a que este se encontra registado no seu balanço, o que, a acontecer, implicaria um registo de imparidades.
Para promover a negociação com a Associação Mutualista, a CEFC China Energy (sobretudo interessada no ramo Vida) foi buscar o intermediário José Lemos, próximo do núcleo duro de Tomás Correia, para assessorar a compra da Montepio Seguros. Foi neste contexto que, no final do ano passado, o ex-presidente da Bolsa de Valores do Porto (entre 1991 e 1999), ex-deputado pelo PS, surgiu nas seguradoras Lusitânia (Vida e ramos reais, Não Vida) como consultor dos chineses. E nessa qualidade reapareceu nas últimas semanas a levantar questões e a solicitar acesso a números, no âmbito desta operação. O PÚBLICO apurou ainda que para além da assessoria da Clearwater junto das duas partes envolvidas no negócio, também a Uría Menéndez está a dar apoio jurídico à operação.
O negócio entre a Associação e a CEFC, envolvendo a holding seguradora, foi oficializado a 27 de Novembro. Nesse mesmo dia, no seu site oficial, os chineses confirmaram que tinham assinado com a AMMG um contrato de compra da Montepio Seguros, com as presenças de Tomás Correia e de Fernando Nogueira, que desde 2012 preside à Lusitânia Seguros.
A transacção luso-chinesa foi fechada numa cerimónia que decorreu em Xangai, o que surpreendeu dado que a holding tem sede em Lisboa, e o anúncio não foi acompanhado de detalhes, nomeadamente quais os valores que foram negociados. Percebe-se o cuidado. É que na prática não há uma venda, mas uma entrada de um novo accionista por injecção de fundos na holding seguradora, isto, para cobrir prejuízos acumulados nos últimos anos e manter os rácios de capital e de solvência nos níveis adequados.
José Lemos mexe-se bem nos mercados. Mas não só. É também um conhecedor do grupo Montepio. E é o que explica que, como avançou o Jornal de Negócios, a 30 de Junho de 2017, Tomás Correia tenha encarregado a Clearwater de apoiar a Associação na entrada de novos investidores (como a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) na Caixa Económica Montepio Geral, o seu activo mais valioso.
A relação entre Lemos, que foi o director financeiro da campanha presidencial de Jorge Sampaio, e Tomás Correia é antiga. Foi a este intermediário que, via Clearwater International (então Lynix), o Montepio confiou as conversações de bastidores com a família Costa Leite e que culminaram a 29 de Novembro de 2010 na compra do Finibanco. Oito anos depois, o negócio de 341 milhões de euros continua a gerar polémica. E não é o único.
Contactado pelo PÚBLICO sobre este tema, José Lemos não respondeu em tempo útil. Já fonte oficial da Associação Mutualista esclareceu, confrontada com o atraso na operação, que “o processo encontra-se em apreciação na ASF e Autoridade da Concorrência”, acrescentando que "cabe ao comprador diligenciar no sentido de obter a não oposição dos reguladores pelo que não se trata de um processo da responsabilidade da Associação Mutualista Montepio". A mesma fonte não confirmou a participação de José Lemos na operação, argumentando questões de confidencialidade.
A aquisição em 2009 pela Lusitânia, da seguradora do grupo BPN, a Real Seguros (ramos reais), por 42,5 milhões de euros foi na altura interpretada como um favor dos mutualistas às autoridades: Governo e Instituto de Seguros de Portugal, a entidade de supervisão do sector (agora, ASF - Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), então chefiada por Fernando Nogueira. Ao integrar o BPN na CGD, o governo colocou um problema de sobrevivência à Real Seguros que deixou de ter rede de balcões para vender os produtos (uma vez que o grupo estatal já dispunha da Fidelidade).
E foi assim que, em menos de um ano, os 630 mil mutualistas aplicaram em dois activos - o Finibanco (incluído na Caixa Económica Montepio Geral) e a Real Seguros - um montante global de 383,5 milhões de euros sem que tenha havido uma contrapartida de crescimento de negócio e de resultados nas empresas. E com uma degradação dos custos recorrentes.
Há cinco anos que a Lusitânia Seguros, que a absorveu a Real, acumula prejuízos que já totalizam 105 milhões de euros (sem incluir os prejuízos de 2017), sendo o seu capital social de 12,5 milhões de euros.
Ao longo de 2015, a AMMG foi chamada a injectar na empresa 61,5 milhões de euros na área seguradora a título de “prestações suplementares de capital”.
Como os chineses vão assumir 60% da holding Montepio Seguros por aumento de capital, com diluição de posição da AMMG, que manterá 40% das acções, os 630 mil associados não vão recuperar o que injectaram na Lusitânia Seguros, com cerca de 500 trabalhadores.
E é a empresa dos ramos reais que agrava as contas da holding. A Lusitânia Vida, presidida por Eduardo Farinha, tem mantido lucros anuais, tal como a N Seguros (a plataforma digital de venda de seguros) e a Futuro, a sociedade gestora de fundos de pensões do Montepio. A Futuro fica no grupo AMMF, não constando do contrato de venda da Montepio Seguros à CEFC-Energy Company Limited, o investidor que negoceia actualmente com a Fundação Gulbenkian a compra da Partex, com activos petrolíferos líquidos no valor de 525,5 milhões de euros.