Julgado de Paz do Seixal passa de exemplo nacional a alvo de queixas
Pendência aumentou muito no ano passado, com casos a esperarem mais de um ano por decisão, quando geralmente os processos não levavam mais de três meses. Utentes põem em causa desempenho de uma das duas juízas e o Conselho de Julgados de Paz informa que foi feita uma inspecção cujo resultado aguarda.
O Julgado de Paz do Seixal, que completa este mês 16 anos de existência, e que era uma referência nacional na celeridade, está com uma pendência superior a um ano, em vários casos, e a gerar o descontentamento de utentes, apurou o PÚBLICO.
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O Julgado de Paz do Seixal, que completa este mês 16 anos de existência, e que era uma referência nacional na celeridade, está com uma pendência superior a um ano, em vários casos, e a gerar o descontentamento de utentes, apurou o PÚBLICO.
O Conselho de Julgados de Paz (CJP), que funciona junto da Assembleia da República, admite um aumento da pendência, em 2017, no Julgado de Paz do Seixal, e informa que em dezembro “foi deliberado oficiosamente” um “acto inpectivo” mas não explica concretamente por que razão. Em resposta, por escrito, a questões colocadas pelo PÚBLICO, o presidente do CJP, juiz conselheiro Jaime Cardona Ferreira, diz que a inspecção, “cujo resultado se aguarda”, foi feita com o objectivo de “apurar eventuais situações que possam justificar qualquer medida excepcional”.
Um utente, que pediu para não ser identificado, aponta como causa do aumento da morosidade a “inoperância” de Sandra Marques, uma das duas juízas deste julgado, por motivos de doença.
A juíza confirmou ao PÚBLICO que sofre de doença, que tem declarada uma incapacidade de 80% para o trabalho, de que o Conselho de Julgados de Paz é conhecedor, mas sustenta que há outras causas para o aumento da morosidade dos processos.
Sobre a relação do problema de saúde de uma das juízas com o aumento da pendência, o presidente do CJP não fala, por o estado de saúde ser uma “situação privada das pessoas”, que, “apesar de ter de ser ponderada oficialmente, não é divulgável publicamente”.
Já a impossibilidade de colocação de novos juízes, que existiu até ao ano passado, e o facto de uma das duas juízas do Seixal ter estado em regime de acumulação, são referidos por todos os responsáveis como razões para o aumento da morosidade no Seixal.
“Desde Outubro de 2015, além dos meus processos, tive de tratar metade dos processos da colega, pelo que fiquei com três quartos da pendência”, disse a juíza Sandra Marques ao PÚBLICO. “Além dos meus processos, e do problema de saúde, tinha mais esses outros processos”, acrescentou.
“Uma das duas senhoras juízas do Julgado de Paz do Seixal esteve em regime de acumulação com o Julgado de Paz de Óbidos (e, depois, do Oeste), desde Outubro de 2015 até 25.07.2017 e, durante esse tempo, a outra senhora juíza, em vez de receber metade da distribuição, teve de receber três quartos, ou seja, por exemplo, se entrassem 12 processos novos, em vez de receber seis, recebia nove.”, explica o presidente do Conselho de Julgados de Paz.
“Uma situação indesejável, mas inevitável”
A outra juíza do Seixal, Fernanda Carretas, refere igualmente este problema, acrescentando que não “havia alternativa” à sua acumulação de funções em dois julgados porque, durante dez anos, não houve nomeação de juízes para os julgados de paz.
“Esta situação de carência de juízes de paz afectou não só os julgados que não tinham juízes titulares, como afectou julgados cujos juízes tiveram de acumular com julgados de paz vagos, o que obrigou a deslocações constantes para diminuir consequências negativas e limitou o tempo de permanência nos julgados em que eram titulares”, diz Cardona Ferreira, reconhecendo que “esta foi, mas já não é, uma situação objectiva e subjectiva que se reflectiu, além de outros casos, no Julgado de Paz do Seixal”.
O juiz conselheiro, que já foi presidente do Supremo Tribunal de Justiça, acrescenta “foi uma situação indesejável, mas inevitável”, atendendo ao conjunto da rede nacional de julgados de paz, e assegura que agora “já se voltou ao normal”.
A ideia de que o aumento da pendência no Seixal vai ser invertida, e que até já estará a ser, é apresentada por todos estes intervenientes.
O presidente do CJP, embora refira que os dados só serão apurados em Abril, admite que “a panorâmica estatística terá piorado em 2017, esperando que 2018 já esteja a ser um ano de recuperação”. Cardona Ferreira afirma, de forma imperativa, que o aumento da pendencia no Seixal, que se “antevê”, “terá de ser objecto de recuperação em 2018”.
Um objectivo assumido pelas juízas deste julgado de paz. Sandra Marques disse ao PÚBLICO que “existe agora” um calendário para a recuperação de casos atrasados. “Até ao final do primeiro trimestre queremos ter resolvidos os processos mais antigos [de 2016] e depois os seguintes”, explicou.
Fernanda Carretas precisou que já pediu a “devolução” dos processos originalmente seus que tinham sido distribuídos à colega enquanto esteve em regime de acumulação. “Em Janeiro, vendo que podia ajudar os utentes, dei instruções para a devolução de processos que deviam ser meus”, disse.
Esta juíza é, desde Janeiro, coordenadora do Juízo de Paz do Seixal, substituindo a colega, que coordenou durante o ano passado, mas assegura que a troca não está relacionada com o aumento da morosidade naquele julgado.
Fernanda Carretas, que coordenou o julgado entre 2008 e 2016, diz que pediu para que coordenadora em 2017 fosse Sandra Marques, “por causa da alternância” e até por que se trata de uma função que “não tem qualquer vantagem e dá muito trabalho”.
Carretas, que é também membro do Conselho de Julgados de Paz, como representante dos juízes, diz que o conselho tinha conhecimento da situação no Seixal. Questionada pelo PÚBLICO, sobre se fez alguma exposição sobre os problemas neste julgado, a juíza respondeu que “a situação era acompanhada”, o que o presidente do CJP confirma, com a informação de que foi feita uma inspecção em Dezembro.
Fernanda Carretas reconhece que a situação no Seixal “foge” aos “padrões de qualidade a caminho da excelência” que a norteiam.
Por outro lado, sublinha que há também um problema de expectativas, porque os utentes do Seixal “estavam habituados” a verem os casos resolvidos “num mês ou dois, no máximo três meses”.
Segundo o CJP, até 2016 a pendência vinha a diminuir, no Seixal, de 271 casos pendentes em 2014, para 155 em 2015, até aos 137 em 2016. Números melhores do que a média nacional por julgado de paz que era de 182 (2014), 188 (2015) e 174 (2016).
Casos resolvidos nos julgados de paz ultrapassaram os 100 mil em 2017
Os casos resolvidos pelos julgados de paz em Portugal, desde que esta instância alternativa de justiça foi criada, em 2002, ultrapassaram os 100 mil, no ano passado, revelou ao PÚBLICO o Conselho de Julgados de Paz (CJP).
“Em 2017, os julgados de paz ultrapassaram a cifra de 100 mil processos entrados e de 100 mil processos findos, o que significou 95,8% de resultado positivo previsível em Outubro de 2017, para 105.622 processos entrados e 101.252 findos, com referencia á globalidade da instituição”, informou o presidente do CJP.
Os números relativos ao ano de 2017 só serão conhecidos em Abril, altura em que o relatório anual do CJP será entregue à Assembleia da República, mas o juiz conselheiro Jaime Cardona Ferreira estima que a média nacional “não se terá ficado longe do habitual”.
O responsável, que já foi presidente do Supremo Tribunal de Justiça, considera que a colocação de novos juízes, empossados em Julho do ano passado, permitiu colocar “em marcha” a recuperação da pendencia que existia nalguns julgados de paz.
Apesar desta perspectiva positiva, continuam a existir notícias de problemas na rede nacional de julgados de paz. Ainda no início da passada semana, O Corvo, site de informação de Lisboa, relatava que o Julgado de Paz de Lisboa funciona com baldes em cima da mesa e entre montes de papel.
O coordenador daquele julgado diz que as condições de trabalho são “desumanas”, com o espaço demasiado ocupado com o imenso papel de mais de 100 mil processos, mobiliário e computadores obsoletos, goteiras por cima de mesas e pó acumulado.
Os julgados de paz são tribunais, financiados pelo Ministério da Justiça e pelos municípios, criados para resolver de forma mais rápida, em média em três meses, processos cíveis de valor até 15 mil euros. Entre os casos que podem ser apresentados nesta estância alternativa de justiça estão incumprimento de contratos, direitos e deveres dos condóminos ou pedidos de indemnização por crimes de que não tenha sido apresentada queixa.