Travões ao crédito criam incentivos à taxa fixa

Avaliação da capacidade dos consumidores para pagarem os empréstimos foi reforçada e os contratos devem ter prazos mais curtos e prestações constantes de capital e juros.

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A utilização de taxas fixas praticamente não tem expressão em Portugal Pedro Vilela (arquivo)

A concessão de empréstimos aos consumidores, particularmente à habitação, voltou a assumir características potencialmente explosivas, ao assentar em soluções que artificialmente criam condições de cumprimento dos contratos no curto prazo, mas que não resistem a uma variação das taxas de juro. O Banco de Portugal (BdP) avaliou o risco e decidiu tomar medidas para inverter esse caminho e tornar o crédito mais sustentável, menos sujeito a variações de taxas de juro, o que cria condições para uma maior aposta nas taxas fixas.

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A concessão de empréstimos aos consumidores, particularmente à habitação, voltou a assumir características potencialmente explosivas, ao assentar em soluções que artificialmente criam condições de cumprimento dos contratos no curto prazo, mas que não resistem a uma variação das taxas de juro. O Banco de Portugal (BdP) avaliou o risco e decidiu tomar medidas para inverter esse caminho e tornar o crédito mais sustentável, menos sujeito a variações de taxas de juro, o que cria condições para uma maior aposta nas taxas fixas.

A utilização de taxas fixas praticamente não tem expressão em Portugal, mas com as alterações preconizadas pelo BdP, a aplicar a partir de Junho, eliminam-se algumas das soluções que a banca foi criando e que têm tornado as prestações do crédito a taxa variável mais baixas, isso embora impliquem custos mais elevados no total. Essas soluções, que passam por prazos alargados ou períodos de carência de capital e juros, tornaram o crédito mais acessível a um conjunto de consumidores, mas que em muitos casos acabaram por não conseguir cumprir.

A primeira recomendação do BdP é relativamente pacífica. Pretende travar os empréstimos a 100% do valor de aquisição, prática comum antes da crise de 2008 e que começou a afirmar-se novamente. A orientação vai no sentido de limitar a 90% o LTV (loan-to-value ratio), na sigla em inglês, e que é o rácio entre o montante do empréstimo e o valor do imóvel. Aqui foi aberta uma excepção para as casas que os bancos ainda têm em carteira, em que o LTV pode ser de 100%. Esta exigência obriga os consumidores a dispor de uma poupança, a chamada “entrada”, antes de pedir o crédito.

A alteração mais profunda e capaz de influenciar o modelo de concessão de crédito em Portugal prende-se com o cálculo da taxa de esforço, o DSTI (debt service-to-income ratio), na sigla inglesa, que mede o rendimento disponível (líquido de impostos) do cliente face aos encargos mensais do crédito. A partir de agora, muda a sua forma de cálculo e é introduzido um limite, de 50%, a partir do qual os bancos vão ter de justificar porque é que concederam aquele empréstimo. E a ultrapassagem desse limites, que pode justificar-se para clientes com rendimentos elevados, também está limitada a determinados percentagens.

A fórmula de cálculo do DSTI complicou-se bastante. É que passa, entre outras alterações, a considerar os encargos mensais de todos os empréstimos, ou seja, créditos para consumo (ainda ficam de fora os cartões de crédito e outros créditos de menor valor), o que até agora não acontecia, e para habitação. Acresce a isto que, quando o crédito à habitação assenta em taxa variável (associado à Euribor), que é quase todo, o cálculo tem de ser feito com base em prestações constantes de capital e juros. Com esta exigência, pretende-se contornar os períodos de carência de capital (em que não há apenas pagamento de juros), ou diferimento de capital, que consiste em deixar para a última prestação uma parte do capital, expedientes que baixam artificialmente a prestação. A recomendação do BdP inclui mesmo que “os contratos de crédito tenham pagamentos regulares de capital e juros”.

Mas alterações ao cálculo da taxa de esforço não ficam por aqui. É que, complementarmente, o supervisor veio a estabelecer em Instrução - ou seja, de cumprimento obrigatório - que na prestação do crédito a taxa variável venha a ser considerado o impacto de uma subida de 1% dos juro, para contratos inferiores a cinco anos, de 2% para prazos entre cinco e 10 anos e de 3% acima de 10 anos. Com este método de cálculo, um contrato acima de 10 anos e com um spread (margem comercial do banco) de 2%, atinge uma taxa final próxima dos 5%, o que pode implicar com alguma facilidade, para rendimentos mais baixos, uma ultrapassagem do tecto dos 50%. A instrução também acautela os contratos de taxa mista, que habitualmente se aplica por um período curto, muitas vezes de apenas um ano, tornando obrigatório o cálculo do impacto de subida entre 1%, 2% e 3% da componente variável (a Euribor) em função da duração total do contrato.

A complicar ainda mais a opção pela taxa de juro variável, o supervisor também mexe nos prazos dos contratos, que em muitos casos estão a ser esticados para perto de 50 anos, também como forma a reduzir a prestação. Agora, quando a duração dos contratos ultrapassar os 70 anos de idade do cliente, passa a ser necessário considerar, no momento presente, uma redução do seu rendimento. Para além disso, o BdP vem recomendar que que os novos contratos de crédito à habitação não excedam os 40 anos e que a maturidade média dos contratos concedidos durante cada ano “convirja gradualmente, ao longo de próximos quatro anos e meio, para 30 anos”. Quando a duração dos contratos ultrapassar os 70 anos de idade, passa a ser necessário considerar, no momento presente, uma redução de rendimentos do cliente. Para o crédito ao consumo é recomendado um prazo limite de 10 anos.

A Deco, consultada neste âmbito, defende que o limite à taxa de esforço deveria ser menor, ficar pelo menos nos 45%, e considerar todos os créditos. Ainda assim, Natália Nunes entende que as recomendações “são globalmente positivas”.