Sob o "Brexit", agricultura teme “renacionalização” dos custos da PAC
A saída do Reino Unido adiciona stress financeiro à política agrícola comum pós-2020. Bruxelas já indicou que caminhos pode tomar, que apontam no sentido da redução. Em Portugal receia-se perda de verbas, mas não só.
No trabalho preparatório à discussão do orçamento da Política Agrícola Comum (PAC) pós-2020 (para suceder ao actual programa comunitário a sete anos iniciado em 2014) a agricultura portuguesa reivindica a manutenção do orçamento e o sentido da convergência.
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No trabalho preparatório à discussão do orçamento da Política Agrícola Comum (PAC) pós-2020 (para suceder ao actual programa comunitário a sete anos iniciado em 2014) a agricultura portuguesa reivindica a manutenção do orçamento e o sentido da convergência.
Mas a saída do Reino Unido do bloco regional – com data marcada para daqui a um ano – reduz as verbas também para a agricultura, cujo orçamento é autónomo, e Bruxelas, que até ao final deste semestre deve fazer as suas proposta finais pós-2020, já avançou alguns passos. “A fim de reforçar o valor acrescentado europeu e preservar o bom funcionamento do mercado interno agrícola, os Estados-Membros não devem tomar isoladamente as suas decisões, mas sim no quadro de um processo estruturado, que se concretize na criação de um plano estratégico da PAC, abrangendo intervenções em ambos os pilares I e II e garantindo, deste modo, a coerência de todas as políticas da futura PAC entre si e com outras políticas”, defendeu a comissão europeia, no documento apresentado a 29 de Novembro passado.
Hoje, a PAC divide-se em dois pilares: o primeiro, essencialmente financiado pelo FEAGA – Fundo Europeu Agrícola de Garantia, agrega os pagamentos directos e medidas de mercado onde se inclui programas para a pequena agricultura e incentivos aos jovens agricultores, entre outros apoios – vale 70% do orçamento total da PAC (de 408 mil milhões a preços correntes) e é atribuído a 100% com fundos comunitários. Adicionalmente, ainda no primeiro pilar, existem os POSEI - Programas de Opções Específicas para fazer face ao Afastamento e Insularidade, que beneficiam as duas regiões insulares portuguesas.
O segundo pilar da PAC, financiado sobretudo pelo FEADER – Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural, visa apoiar o investimento nas zonas rurais e na modernização agrícola, e tem de ser comparticipado pelo orçamento nacional de cada Estado-membro (15% no caso actual português). Os planos de desenvolvimento rural têm de ser aprovados por Bruxelas – no país há três, um para Portugal Continental (PDR2020), outro para cada uma das suas Regiões Autónomas.
No caso de Portugal, tendo em conta o plano a sete anos actualmente em vigor (2014-2020), e sempre a preços correntes, o país viu aprovados no final de 2013 os montantes de 4,43 mil milhões de euros no primeiro pilar e 4,05 mil milhões de euros no segundo pilar (dos quais 500 milhões de euros sem co-finaciamento adicional no início do programa, por estar então sob ajuda financeira). Via POSEI, os dois arquipélagos nacionais acedem a outros 106 milhões/ano, no conjunto.
Dois em um?
O que o comissário europeu para a agricultura Phil Hogan propôs no final e Novembro é que cada Estado-membro estabelece um só plano estratégico da PAC, agregando intervenções no primeiro e segundo pilares – o que remete toda a política agrícola do país, de ajudas directas a apoio ao investimento, para os decisores nacionais – e depois os submeta a Bruxelas, para aprovação, no quadro da já referida “coerência de todas as políticas da futura PAC”. Não estão contudo definido, até agora, nem que flexibilidade é dada a cada Estado-membro para a construção de políticas nacionais no âmbito da conjuntura europeia – o que pode levar a questão de concorrência entre Estados-membros, porque a decisão global passa para Bruxelas –; e, sobretudo, que esforço adicional de comparticipação nacional irá a reforma acarretar, ao se associar primeiro pilar (actualmente 100% comunitário) e segundo pilar (com comparticipação nacional obrigatória, embora agora minoritária) num só plano estratégico.
Em cena, entram nesta altura – o tema volta hoje ao Conselho de Ministros da Agricultura e Pescas da União Europeia – os receios das três confederações agrícolas portuguesas, que responderam separadamente por escrito ao PÚBLICO.
"Se a definição de planos estratégicos para o desenvolvimento da agricultura e florestas poderá ser positiva, o Governo português deve, no entanto, evitar a tudo o custo que isso represente uma renacionalização dos custos da PAC” e “recusar qualquer via de aumento de co-financiamento nacional da PAC”, afirma a direcção da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
“Para além da questão financeira”, a Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri) salienta que “importa garantir que um modelo de aplicação da PAC mais descentralizado, como a Comissão preconiza, não conduzirá a situações de distorção de concorrência entre Estados-membros ou até uma progressiva e inaceitável renacionalização da PAC”.
A direcção da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) vai no mesmo sentido: “para nós”, afirma, “é absolutamente inaceitável um aumento do co-financiamento nacional para as medidas comuns da PAC e consideramos que é fundamental o nosso país convergir com a média europeia”.
A questão da convergência da agricultura portuguesa face à europeia é recorrente, porque Portugal recebe historicamente menos que a média do bloco em ajudas directas (primeiro pilar). “Em termos de pagamentos absolutos da PAC por hectare, Portugal está em 23 lugar, apenas à frente da Roménia, Estónia, Letónia e Lituânia”, situa a CAP. E, a concretizar-se um “eventual cenário de redução global do orçamento da PAC, Portugal não pode aceitar uma redução igual aos restantes países, porque precisamos de convergir com a média europeia”.
“Os agricultores portugueses, que ainda são dos que menos apoios recebem da PAC, nomeadamente através dos pagamentos directos, necessitam de convergir, quer ao nível dos seus rendimentos, quer das condições que dispõem no exercício da sua actividade, com a generalidade dos agricultores europeus”, concorda Francisco Silva, secretário-geral da Confagri.
Sobre os apoios directos, a CNA defende que “as ajudas desligadas da produção e em função dos hectares [introduzidas na reforma de 2003] não permitem responder aos objectivos da PAC e acentuam os problemas de controlo e concentração das terras” agravando o que qualifica como “inaceitável e injusta distribuição dos recursos públicos”.
Globalmente, sobre o futuro orçamento da PAC pós-2020, a visão é comum: para a CAP, do processo de revisão não pode resultar “a diminuição do orçamento, o que colocaria em causa parte significativa do sector nacional”, esperando que o compromisso “assumido pelo Governo, em conjunto com os restantes países, permita que “seja possível não diminuir o orçamento da PAC”. E se isto acontecer, que “seja de expressão muito reduzida”. “Cabe ao governo português e aos demais órgãos de soberania”, alinha a CNA a mesma argumentação, “garantir que a evolução do orçamento da PAC para Portugal, pelo menos, não diminua”.
Recordando que “a saída do Reino Unido implica uma diminuição de receita de 12 mil milhões de euros”, a Confagri defende que “importa reforçar o orçamento comunitário, com fontes alternativas de receitas”.
Posição comum de Portugal, Espanha, França e Itália
Em Lisboa, o ministério da Agricultura, em resposta ao PÚBLICO, garante que “Portugal está a bater-se pela manutenção do orçamento actual”. E recorda que “o próprio primeiro-ministro já anunciou que Portugal defende o aumento das contribuições dos Estados-membros, bem como as outras soluções de financiamento do orçamento comunitário”.
O gabinete de Capoulas Santos - que como deputado (PS/S&D) foi o relator da comissão da Agricultura do Parlamento Europeu na última reforma da PAC, em 2013, a primeira vez que o PE co-decidiu, juntamente com o Conselho, o dossier agrícola - confirma que está a preparar uma posição comum com Espanha, França e Itália a apresentar ao aos ministros da EU. “Trata-se de um documento que está ainda em elaboração”, declinando assim pormenorizar o que unirá a Europa do Sul em matéria agrícola pós-2020. Há um ano, o executivo português defendeu uma “arquitectura da PAC, baseada em dois pilares”.
Em Estrasburgo, a posição da comissão de agricultura do Parlamento Europeu sobre o Quadro Financeiro Plurianual Pós-2020, cujo relatório é da autoria de Sofia Ribeiro (PSD/PPE), tem uma argumentação semelhante: defende o reforço do orçamento da PAC “ou pelo menos a sua manutenção”; e a permanência da “actual estrutura da PAC, com os seus dois pilares intactos, evitando o cofinanciamento nacional nos pagamentos directos e as tentativas de renacionalização do sector agrícola, que se quer única e exclusivamente europeia”.