Almeja, a ambição gravada no nome

O conceito casual fine dining assenta-lhe na perfeição, a cozinha elaborada e a utilização de produtos portugueses e de temporada são bem prometedores. Há entusiasmo e vida nova pelas bandas do Bolhão!

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Nelson Garrido

Nem cafés nem amêijoas. Apesar do nome e das inscrições que se lêem sobre a porta de entrada, não é o que se possa pensar. Por ali já não se vendem “Cafés Coloniais e Brazileiros” e “Almeja” é mesmo o nome actual da casa, sem que isso seja o termo castelhano que designa o conhecido bivalve.

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Nem cafés nem amêijoas. Apesar do nome e das inscrições que se lêem sobre a porta de entrada, não é o que se possa pensar. Por ali já não se vendem “Cafés Coloniais e Brazileiros” e “Almeja” é mesmo o nome actual da casa, sem que isso seja o termo castelhano que designa o conhecido bivalve.

Almeja está mesmo em bom português e representa a ambição de um cozinheiro da nova geração. Um daqueles que saiu para beber mundo, voltou com a escola de grandes cozinhas e agora ambiciona entusiasmar pela forma como serve e cozinha, essencialmente com produtos portugueses.

Com “um conceito casual fine dining”, o Almeja é muito mais que um restaurante e, tal como o nome indica, desejamos, queremos e ambicionamos entusiasmar-vos não pelos pratos que cozinhamos, mas sim pela forma como o fazemos”, assim reza a apresentação onde se afirma também a preferência pelos “produtos portugueses, sem comprometer o sabor, a qualidade, a história e vasta cultura”.

O novo restaurante – abriu antes do último Verão – está nas imediações do mercado do Bolhão, no Porto, zona por onde ainda se preservam algumas da mais belas e mais bem fornecidas mercearias históricas, e como está bom de ver as inscrições no exterior do edifício vêm dos tempos em que ali funcionou a célebre casa de cafés “A Japoneza”, cuja memória histórica os novos inquilinos tiveram o cuidado – e bom gosto – de preservar.

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Nelson Garrido

Não só nas inscrições da fachada mas também, e até onde foi possível, nos tectos, adereços e revestimentos interiores. Tudo agora composto com elegante e acolhedora simplicidade, do mobiliário à decoração, onde acresce, nas traseiras, um convidativo pátio exterior para os dias quentes.

Em contacto directo com a rua e num estilo old café, a saleta de entrada liga-se por um corredor a uma outra recuada e de ambiente mais formal. No meio, em contacto visual com os clientes, a cozinha e balcão de serviço. Ao todo, umas três a quatro dezenas de lugares comodamente instalados.

João Cura, o cozinheiro e proprietário do Almeja, está na linha na nova geração que assume  associar técnica e criatividade às receitas e produtos da nossa mais profunda cultura culinária.

Coisas tão básicas como o pão e azeite, mas também produtos como o arroz do Mondego, cabrito e lebre, ou velhas receitas de bacalhau à Brás e cabeça de xara, que propõe na sua actual carta em cuidadas e elaboradas preparações.

E também as preocupações com o equilíbrio, a sustentabilidade e a ligação com as estações e pequenos produtores que enuncia na apresentação não são palavras vãs.

Formado na Escola de Hotelaria de Coimbra, João Cura andou depois por Barcelona, antes de decidir montar negócio no Porto. Foi em restaurantes como Cin Sentits (uma estrela Michelin) ou o duplamente estrelado Dos Cielos, dos credenciados irmãos Torres, que absorveu práticas e conceitos com os quais ambiciona agora entusiasmar a clientela.

Detalhes como o toalhete quente para aconchegar as mãos com que o cliente por estes dias frios é mimado logo que se senta, mas também combinações de sabor e elegância culinária como a tosta com cabeça de xara e maçã, que suscitam vivo entusiasmo.

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Nelson Garrido

A carta actual, com cinco entradas e outras tantas propostas para pratos de peixe  e de carne, cumpre os propósitos de proximidade, produtos nacionais e de temporada. Cogumelos selvagens, arroz do Mondego, peixe de pesca à linha, cabrito ou lebre. E até uma rabanada nas sobremesas. O “Menu Almeja” (55€), de degustação, permite uma viagem pela carta, mas há também um menu de almoço (15€) com couvert, entrada e prato principal.

O pão, à base de centeio, de confecção caseira, tal como a manteiga, e o azeite Angélica (dos melhores nacionais) que são colocados na mesa são belos indicadores. Também uma mini madalena com chouriço e gel de maçã, e um saboroso croquete cremoso de carnes foram servidos como aperitivo (couvert, 3€).

Da carta, optámos nas entradas pela “Tosta” (4,80€), com cabeça de xara, maçã verde, gel e uma redução de vinagre. Perfeita e convincente, tanto pela execução culinária como pelo equilíbrio e individualidade dos sabores.

Nos peixes, provou-se o “Arroz cremoso do Mondego” (17,50€), com bivalves, lula e plâncton. É mesmo um caso sério de sabor e textura, este Carolino cultivado nas margens do Mondego, que apareceu solto e cremoso num caldo verde em contraste com o branco da elegante louça branca. Lula em tirinhas, suada e braseada, tudo al dente, de execução cuidada e primorosa e em quantidade generosa. Pareceu-nos levemente apurado de sal, mas pode ser sensibilidade própria.

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Nelson Garrido

Foi com o propósito de “fintar” as ofertas do menu de degustação – oferecia “Peixe de pesca à linha” e “Lebre com chocolate e arroz” – que se solicitou o “Cabrito” (20€). Servido em dose mais que generosa (coxa e perna), acompanha com elegante e interessante complemento de trigo sarraceno, alperce seco e alho ligados por um molho caramelizado com base no assado. Quanto às carnes, confecção imaculada, a desossarem de forma perfeita, sabor intenso e textura suave. Em combinação criativa, aplaude-se a utilização do trigo sarraceno. Por um lado o confronto agridoce com o alperce, por outro a decantação entre elegância e rusticidade, que só se afasta da perfeição pelo evidente domínio das sensações de sabor e textura do trigo sobre todo o conjunto.

Nas sobremesas, a “Clementina” (5€), que combina com lácteos e ovo em texturas cremosas e granizados primou, mais uma vez, pela quantidade, mas resultou um tanto banal face à qualidade e execução culinária de tudo o que a antecedeu.

Com opções a copo - bebeu-se um branco Sílica “sem Madeira” Douro (3€) e um tinto Casa do Valle (4,50€) – para todos os estilos e regiões, a carta de vinhos denota cuidado e equilíbrio na sua elaboração. Quer na aptidão gastronómica que nos preços sensatos.

Num espaço que cuida de preservar a tradição, a cozinha e ambiente contemporâneos trazem um ar fresco e vida nova que enriquecem a zona do Bolhão. A ambição está gravada no nome e parece plenamente justificada.