"Redescoberta" no México cidade milenar que é uma espécie de Manhattan
Angamuco terá sido construída por volta do ano 900 por um povo rival dos aztecas. Agora uma inovadora tecnologia de mapeamento mostra que teria cerca de 40 mil edifícios, onde viveriam 100 mil pessoas, estimam os arqueólogos.
Nada como uma cidade milenar numa floresta remota para alimentar a imaginação. E se a isso juntarmos tecnologia sofisticada e a associação a uma metrópole como Nova Iorque, está completo um cocktail capaz de despertar a curiosidade, mesmo a de quem não se interessa habitualmente por arqueologia nem história.
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Nada como uma cidade milenar numa floresta remota para alimentar a imaginação. E se a isso juntarmos tecnologia sofisticada e a associação a uma metrópole como Nova Iorque, está completo um cocktail capaz de despertar a curiosidade, mesmo a de quem não se interessa habitualmente por arqueologia nem história.
Angamuco, assim se chama, foi identificada pelos arqueólogos em 2007, mas foi preciso esperar dez anos para que a sua verdadeira dimensão fosse dada a conhecer, graças ao mapeamento rigoroso de uma área de 35 km2 feito com recurso a uma tecnologia óptica de detecção remota designada por Lidar (da sigla inglesa Light Detection And Ranging). Trata-se, por isso, de uma "redescoberta", dizem os investigadores associados ao projecto.
Segundo as definições disponíveis online, esta tecnologia permite obter a distância a determinado objecto recorrendo a feixes laser, iluminando o alvo e medindo em seguida o reflexo com um sensor. As diferenças no tempo que demora o reflexo a chegar e nos comprimentos de onda podem ser usadas, depois de combinadas com outros dados, alguns deles obtidos por GPS, para produzir representações 3D do objecto em causa (aqui um território).
Explica o diário The Guardian que, neste caso, o método exigiu que se apontasse ao chão, a partir de um avião, uma rápida sucessão de feixes laser para obter uma série de imagens que dão uma ideia bastante precisa do que está escondido sob a folhagem.
Rivais dos aztecas
Construída por volta do ano 900, Angamuco, hoje coberta de vegetação e em parte soterrada, foi uma cidade muito próspera do império Purépecha nos séculos XIV e XV, antes da chegada dos colonizadores espanhóis. A sua população dedicava-se ao trabalho do cobre e tornou-se tão poderosa que pôde contrariar as pretensões expansionistas dos rivais aztecas.
Depois de recorrerem à tecnologia Lidar, os arqueólogos estão hoje em condições de afirmar que Angamuco se espraiava por uma área de 26 km2, sendo duas vezes maior, ainda que menos populosa, que Tzintzuntzan, capital política e simbólica dos purépechas, a quem os colonizadores chamavam tarascos e cujos descendentes vivem ainda em comunidades no estado de Michoacán.
“Pensar que esta cidade existia no coração do México durante todo este tempo e que ninguém a conhecia é fantástico”, disse ao jornal britânico Chris Fisher, o arqueólogo que acaba de apresentar os resultados do estudo de que o levantamento da cidade faz parte num encontro científico em Austin, no Texas, sublinhando a importância da quantidade de edifícios cujas fundações foram já identificadas. “Se fizermos as contas, de repente estamos a falar de cerca de 40 mil edifícios que é mais ou menos o número dos que existem na ilha de Manhattan.”
Durante o seu auge, entre 1000 e 1350, viveriam na cidade 100 mil pessoas, estimam Fisher e a sua equipa, composta por dez investigadores.
“Esta cidade esteve anos abandonada antes da chegada dos espanhóis e foi de novo ocupada pelos purépechas, o que nos dá informações importantes sobre os processos sociais que estão por trás da formação do seu império”, acrescentou este professor universitário em declarações ao diário El País.
As reconstituições digitais mostram ainda, explicou ao Guardian, que a planta da Angamuco é bastante original, com pirâmides e praças em oito locais distribuídos pelos limites da cidade - não tem um centro monumental, como se poderia esperar.
Os trabalhos feitos pelos arqueólogos no terreno quando em 2007 foi descoberta (o jornal britânico não deixa claro se os descendentes dos purépechas sabiam ou não da sua existência), davam conta de uma média de 1500 vestígios arquitectónicos por quilómetro quadrado, o que fazia prever que o seu levantamento levasse pelo menos dez anos.
Mas, desde que a tecnologia Lidar ali começou a ser usada, em 2011 (o mapeamento da cidade esteve alguns anos em stand-by), avançou-se muito mais depressa do que seria de esperar. Passados sete anos os arqueólogos já verificaram no terreno a existência de mais de sete mil das estruturas reveladas pelo sofisticado “scanner”, e isto numa área de apenas 4 km2.
Retórica colonialista
No início de Fevereiro tinham já surgido notícias dando conta de que o mesmo método fora usado para descobrir uma cidade na densa selva da Guatemala e para ajudar os arqueólogos a mapear outra que era já conhecida, a de Caracol, ambas construídas pelos maias. O próprio Chris Fisher recorrera a ele há três anos, nas Honduras, na chamada Cidade do Jaguar, dando a conhecer terraços, um sistema de canais e dez praças.
Garantiu este professor da Universidade do Colorado que participa habitualmente em expedições e projectos patrocinados pela revista National Geographic, que o que se sabe sobre as civilizações americanas pré-colombianas é ainda muito pouco e que a tecnologia vai impor, nos próximos anos, actualizações constantes daquilo que já se tomava por certo.
“Muitas destas áreas que hoje julgamos serem florestas tropicais virgens são, na realidade, jardins abandonados”, reconheceu Fisher.
É bem provável que o trabalho deste arqueólogo e da sua equipa em Angamuco venha a receber o mesmo tipo de críticas do que desenvolveu nas Honduras, em 2015.
Na época, uma carta aberta assinada por mais de duas dúzias de arqueólogos e antropólogos acusavam a National Geographic, que finaciava o projecto, e a imprensa de usar e abusar de palavras como “perdida” e “descoberta” para se referir à cidade da remota região de Mosquitia, na selva hondurenha, termos próprios de uma “retórica colonialista” que desrespeitava a comunidade indígena local, ignorando o conhecimento que ela tinha sobre o seu próprio passado e décadas de pesquisa feita no país e fora dele por outros cientistas.