Ramaphosa chega à presidência para limpar o partido e o país

Nos próximos meses, o novo Presidente tem que mostrar aos sul-africanos que o ANC não é apenas sinónimo de corrupção e que pode voltar a pôr a economia a crescer.

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Ramaphosa toma posse como Presidente da África do Sul Reuters/POOL

Ainda os sul-africanos não tinham digerido a demissão de Jacob Zuma e - menos de 24 horas depois - já tinham um novo Presidente. Cabe a Cyril Ramaphosa, um protegido de Nelson Mandela conhecido por ser um hábil negociador, a difícil tarefa de afastar o espectro da corrupção que paira sobre o Congresso Nacional Africano (ANC) e colocar a África do Sul no caminho da recuperação económica. Tudo isto a tempo das eleições legislativas do próximo ano.

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Ainda os sul-africanos não tinham digerido a demissão de Jacob Zuma e - menos de 24 horas depois - já tinham um novo Presidente. Cabe a Cyril Ramaphosa, um protegido de Nelson Mandela conhecido por ser um hábil negociador, a difícil tarefa de afastar o espectro da corrupção que paira sobre o Congresso Nacional Africano (ANC) e colocar a África do Sul no caminho da recuperação económica. Tudo isto a tempo das eleições legislativas do próximo ano.

O guião estava escrito há já bastante tempo e qualquer resistência mostrou-se inútil, como acabou por perceber o próprio Zuma. Depois de duas semanas de negociações privadas, recuos e hesitações, que deixaram o país em suspenso, Zuma aceitou finalmente demitir-se da presidência. Cabia à Assembleia Nacional designar o seu sucessor, para o qual havia apenas um nomeado – o Presidente interino e líder do ANC, Cyril Ramaphosa – e assim o fez.

Num pequeno discurso, o novo Presidente prometeu “não desapontar o povo sul-africano”. Essa missão poderá revelar-se bem mais complexa do que parece.

Ramaphosa chega à presidência da principal potência económica africana num momento de grande descrédito para o ANC. O afastamento de Zuma foi o culminar de uma degradação da sua liderança, cada vez mais assolada por escândalos de corrupção, que têm o ex-líder no centro. Estão em causa centenas de acusações de corrupção contra Zuma, tanto antes como durante a sua presidência, que vão desde benefícios concedidos a determinadas empresas à recusa em pagar por obras realizadas na sua mansão particular – todas negadas pelo ex-Presidente.

Durante anos, Zuma resistiu a inúmeras moções de censura, contando invariavelmente com o respaldo da maioria parlamentar do ANC. Mas a subida de Ramaphosa à liderança do partido, em Dezembro, fechou consideravelmente o espaço de manobra de Zuma. Confrontado com a possibilidade de sair humilhado em praça pública, o ex-Presidente preferiu resolver o assunto entre as paredes do partido.

As atenções viram-se agora para Ramaphosa. “Seria gratificante ver a mesma dedicação e motivação que o ANC reservou para se livrar de Zuma direccionadas agora para a reconstrução da economia, a resolução da corrupção que ainda habita o ANC e melhorar o seu histórico de governação”, escreveu a agência NKC African Economics, numa nota para os clientes citada pela Reuters.

Nas primeiras palavras como chefe de Estado, Ramaphosa não ignorou os grandes problemas que preocupam os sul-africanos. “O sequestro do Estado e os problemas das empresas estatais são questões que estão no nosso radar”, garantiu. E para mostrar que quer agir rapidamente, prometeu dedicar o discurso sobre o estado da nação marcado para esta sexta-feira – fora adiado no início do mês para que já não fosse Zuma a fazê-lo – à corrupção.

Os anos de Zuma transformaram o antigo movimento de libertação num instrumento de gestão de redes clientelares e, com isso, o ANC tem perdido grande parte da sua legitimidade. O passado da luta contra o Apartheid continua a garantir uma posição dominante ao partido, mas o desencanto é uma ameaça real, especialmente entre a classe média. Nas últimas eleições locais, alguns dos principais centros urbanos, como Pretória, a capital administrativa, passaram para as mãos da oposição.

Parte do descrédito que o ANC enfrenta deve-se à dificuldade em reinventar-se como um partido político moderno, acabando por falhar na conquista do eleitorado mais jovem – as gerações que não têm memória do Apartheid. Zuma tentou actualizar o passado guerrilheiro, resgatando um discurso muito apoiado nas divisões étnicas, agora entre os zulus – a etnia dominante – e os brancos. Ainda no discurso de demissão, Zuma referiu-se aos “opressores de ontem”.

Economia preocupa

Mas o descontentamento deve-se sobretudo ao mau estado da economia sul-africana. No ano passado, a economia entrou em recessão pela primeira vez em quase uma década, apesar da melhoria da economia mundial. O desemprego está quase nos 30% e atinge particularmente os mais jovens, contribuindo para que a insegurança continue a fazer parte do quotidianos. Ao mesmo tempo, as promessas de uma sociedade mais igualitária que alimentaram os primeiros tempos da era democrática estão a revelar-se ilusórias. Um décimo da população, especialmente de brancos, detém 90% da riqueza do país, segundo dados do Financial Times.

É este panorama que Ramaphosa – um ex-sindicalista que enriqueceu depois do fim do Apartheid – tem de reverter durante os próximos meses. A África do Sul vai ter eleições legislativas daqui a pouco mais de um ano e um falhanço do ANC, que está no poder desde 1994, em conseguir uma maioria seria um terramoto político.

Os primeiros sinais mostram que Ramaphosa terá, pelo menos numa fase inicial, alguma margem para respirar. O rand, a moeda sul-africana, atingiu o valor mais alto em três anos, tal como tinha acontecido na véspera com o anúncio da demissão de Zuma. A agência de notação financeira Moody’s disse que vai avaliar de perto as políticas postas em marcha pela nova Administração quando atribuir uma nova classificação à dívida sul-africana, que poderá evitar uma queda.

O caminho de Ramaphosa não promete ser fácil. Ainda antes do congresso partidário de Dezembro, Zuma aprovou uma lei que acaba com as propinas no ensino superior que, a ser aplicada, irá constituir um esforço adicional para as já pressionadas contas públicas do país. A nível interno, o agora Presidente terá de unir um partido que saiu do congresso muito dividido e onde a facção próxima de Zuma ocupa ainda posições de relevo.

Uma das principais interrogações é qual será o destino de Zuma. A eventualidade de um julgamento poderá acabar na sua prisão, mas teme-se a reacção entre as comunidades que o apoiam, sobretudo na região do KwaZulu-Natal. Por outro lado, proteger Zuma irá pôr em causa o compromisso do ANC e de Ramaphosa em erradicarem a corrupção do partido e do país.