Quando o cinema volta ao jornalismo
Se o jornalismo ganha agora novo fôlego devido a condições adversas, é bom que trabalhe para merecer a aura dos seus momentos mais nobres.
Muito por causa de Donald Trump, o jornalismo voltou à ribalta na América. Isto já foi dito e redito, não precisa de ser repetido. Sucede que, também por isso, o cinema voltou a “encaixar” o jornalismo na sua lista de temas mais em voga. Spielberg atirou-se, em The Post, muito por causa de Trump, ao caso da divulgação jornalística, em meados de 1971, de documentos secretos do Pentágono sobre a guerra do Vietname (ganhou duas nomeações para os Óscares: melhor filme e melhor actriz, Meryl Streep, no papel de Katharine Graham, proprietária do jornal The Washington Post); e foi certamente muito por causa de Trump que foi rodado Mark Felt – O Homem Que Derrubou a Casa Branca, filme de Peter Landesman, com Liam Neeson na pele do secretíssimo “garganta funda” do caso Watergate e cuja estreia em Portugal se anuncia para a primeira quinzena de Março. Haverá mais, com certeza.
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Muito por causa de Donald Trump, o jornalismo voltou à ribalta na América. Isto já foi dito e redito, não precisa de ser repetido. Sucede que, também por isso, o cinema voltou a “encaixar” o jornalismo na sua lista de temas mais em voga. Spielberg atirou-se, em The Post, muito por causa de Trump, ao caso da divulgação jornalística, em meados de 1971, de documentos secretos do Pentágono sobre a guerra do Vietname (ganhou duas nomeações para os Óscares: melhor filme e melhor actriz, Meryl Streep, no papel de Katharine Graham, proprietária do jornal The Washington Post); e foi certamente muito por causa de Trump que foi rodado Mark Felt – O Homem Que Derrubou a Casa Branca, filme de Peter Landesman, com Liam Neeson na pele do secretíssimo “garganta funda” do caso Watergate e cuja estreia em Portugal se anuncia para a primeira quinzena de Março. Haverá mais, com certeza.
São, nestes dois casos, filmes onde o jornalismo surge com um selo “heróico”: afrontar os poderes e chegar à verdade. Mas esta imagem do jornalismo e dos jornalistas, de recorte idílico, é apenas uma parte da realidade. E, sendo-o, também o cinema olhou o jornalismo por vários prismas, nem todos heróicos ou elogiosos, alguns bem longe disso. Em 1993, faz agora 25 anos, a Cinemateca Portuguesa realizou um ciclo intitulado Jornalismo e Cinema em colaboração com o jornal Expresso, que nessa altura também celebrava uma data “redonda”: 20 anos de existência. E no catálogo do ciclo, em grande formato (com 40,5x28 cm, a imitar o formato broadsheet dos jornais), havia textos de críticos e amantes do cinema (como João Bénard da Costa, Manuel Cintra Ferreira e João Lopes) bem como de jornalistas (Francisco Pinto Balsemão, director do Expresso, e Joaquim Vieira). Em exibição estiveram nada menos do que 49 filmes, entre os quais vários “clássicos” do género: Citizen Kane, ou O Mundo a Seus Pés (Orson Welles, 1941), A Corrupção do Poder (Robert Rossen, 1949), Os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976), O Grande Carnaval (Billy Wilder, 1951), O Homem Que Matou Liberty Valance (John Ford, 1962), A Última Ameaça (Richard Brooks, 1952), Loura Platinada (Frank Capra, 1931), A Calúnia (Sydney Pollack, 1981) e até três das quatro versões cinematográficas de uma bem-sucedida peça da Broadway, The Front Page, de 1928: a de Lewis Milestone (1931), a de Howard Hawks (O Grande Escândalo, 1955) e a de Billy Wilder (Primeira Página, 1974). Não foram exibidos, mas podiam ter sido, Meet John Doe, de Frank Capra (Um João Ninguém, 1941), Nada é sagrado, de William Wellman (1937) ou Escândalo na TV, de Sidney Lumet (1976). E não tinham ainda sido realizados à data, entre muitíssimos outros, The Paper, de Ron Howard, de 1994 (intitulado Primeira Página em português mas sem qualquer ligação com a já citada peça da Broadway), O Dossier Pelicano, de Alan J,. Pakula (1993), Ligações Perigosas, de Kevin MacDonald (2009) ou O Caso Spotlight, de Tom MacCarthy (2015, que recebeu o Óscar de Melhor Filme em 2016). Estes são filmes onde o jornalismo é o tema central ou essencial à história. Mas há centenas de outros por onde o jornalismo passa, ainda que em lugar secundário. No referido catálogo, Manuel Cintra Ferreira fez uma extensa lista “mais ou menos exaustiva” intitulada Jornalistas no Cinema. E mesmo pondo de parte exemplos menores ou westerns de série B, coligiu 773 títulos de filmes estreados entre 1909 e 1992. Dos quais, sintomaticamente, só não eram americanos 153, estando entre estes quatro portugueses: Cartas na Mesa, de Rogério Ceitil, 1973; O Meu Nome É…, de Fernando Matos Silva, 1976; O Lugar do Morto, de António-Pedro Vasconcelos, 1984; e Repórter X, de José Nascimento, 1985.
Muitos ainda sonharão com a resposta de Bogart no final de A Última Ameaça (quando um mafioso lhe grita, pelo telefone, “publique esse artigo e é um homem morto”, ele vira o bocal para as rotativas em marcha e depois diz: “It’s the press, baby, the press!”). Mas nesta vasta lista de filmes há jornalistas para todos os gostos: aventureiros, heróis, pulhas, preguiçosos, corajosos, interesseiros, impolutos, vendidos, odiados ou entronizados; no cinema como na vida. Se o jornalismo ganha agora novo fôlego devido a condições adversas, é bom que trabalhe para merecer a aura dos seus momentos mais nobres. Porque o avesso do seu lado “heróico” também existe, e não é bonito de se ver. Mesmo no cinema.