De gestores a reclusos: quando o “campus vai ter com o aluno”

A Universidade Aberta foi criada há 30 anos. Nessa altura, existiam aulas gravadas para os alunos verem pela televisão. Hoje o ensino é garantido por via de uma plataforma digital, mas os exames são presenciais.

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O reitor da Universidade Aberta, Paulo Silva Dias, afirma que o ensino ali é "muito exigente" Sebastião Almeida

Paulo Silva Dias, 63 anos, está a meio do seu segundo mandato como reitor da Universidade Aberta, a única instituição pública do ensino superior que trabalha integralmente com a modalidade de ensino à distância. Aqui, diz, trabalha-se com alunos em part-time. “O aluno part-time é o aluno que está empregado, sai às seis da tarde, vai buscar o filho ao infantário, vai ao supermercado, faz o jantar, deita o filho e só depois vai estudar. O aluno full-time tem o jantar feito.”

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Paulo Silva Dias, 63 anos, está a meio do seu segundo mandato como reitor da Universidade Aberta, a única instituição pública do ensino superior que trabalha integralmente com a modalidade de ensino à distância. Aqui, diz, trabalha-se com alunos em part-time. “O aluno part-time é o aluno que está empregado, sai às seis da tarde, vai buscar o filho ao infantário, vai ao supermercado, faz o jantar, deita o filho e só depois vai estudar. O aluno full-time tem o jantar feito.”

A instituição assinala este ano 30 anos. Uma das sua apostas é levar “as outras universidades a fazer ensino à distância com qualidade”.

Qual é o tipo de aluno da Universidade Aberta?
É um aluno que está no mercado de trabalho, que está no intervalo entre os 35 e os 45 anos. Não é um aluno que nos vem procurar para a progressão na carreira apenas. É um aluno que nos procura para se qualificar e ter uma intervenção activa na sociedade. O nosso aluno de mestrado e doutoramento também está no mercado de trabalho, mas em posições com maior responsabilidade. Directores de serviço, por exemplo. A Universidade Aberta tem áreas que vão desde as ciências humanas às tecnologias. O curso com maior procura é o de Ciências Sociais e em segundo lugar está o de Gestão. Temos uma universidade pequena, sem dúvida.

Quantos alunos têm?
Já lá vou. É a universidade mais recente do país, faz agora 30 anos. São 30 anos a valorizar a criação de conhecimento em língua portuguesa. Foi criada com esta missão: qualificação da população adulta. E isto leva-nos ao nosso tipo de aluno e ao volume. Trabalhamos  com um aluno que não é full-time, mas sim part-time, porque está no mercado de trabalho. Temos cerca de 10 mil alunos [entre os que estão inscritos nos cursos e aqueles que se inscrevem na chamada aula aberta, um espaço gratuito para que possa existir uma experiência prévia de aprendizagem online]. E um terço dos nossos estudantes está fora do país, predominantemente de países de língua portuguesa e das comunidades emigrantes.

A Universidade Aberta sempre foi de ensino à distância...
Sempre.

E quando começou como chegava aos alunos?
Pela televisão. Aulas gravadas passadas na televisão. Hoje em dia não. Estamos na Internet. Imagine que é uma rede social, mas só que exclusivamente ligada ao ensino. Há uma evolução muito grande do modelo pedagógico. É completamente diferente do começo. Hoje é um modelo centrado no aluno, conversacional, não falamos sequer de auto-aprendizagem, falamos de um processo colaborativo. Temos uma turma virtual que está aberta 24 horas por dia, sete dias por semana. Os nossos alunos têm de apresentar trabalhos todas as semanas. Ao contrário do que se possa pensar é um ensino muito exigente.

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Como funciona esse processo? O professor está do outro lado do ecrã? Existe contacto directo entre aluno e professor?
Tudo é possível. A melhor forma de perceber é visitar a aula aberta, que está na página da universidade, onde estão mais de seis mil alunos, que não tem qualquer custo. Como é que funciona? Da maneira mais simples: tem um professor que vai interagir com os alunos. Se necessário pode ter um vídeo, um sistema de conferência. Temos de privilegiar um modelo assíncrono. Temos pessoas a trabalhar em fusos horários diferentes. Mas não posso estar a gravar uma aula e passar. Isso não é ensino à distância, é um recurso aberto.

Aliás essa é a razão do preconceito que existe em relação ao ensino à distância. Pensam que é uma aula gravada. Quando na verdade é um processo interactivo muito forte, que obriga a uma conversação. E uma aula gravada não é interactiva. O que preciso ter é uma plataforma que seja um espaço com todo acesso às informações. Onde se pode ter gravações, aplicações, ambientes para simulação, tudo o que for necessário. E fundamentalmente ter um professor com quem se pode interagir. Mas mais do que isso tem de haver um ambiente onde os colegas estão presentes, para poderem discutir em conjunto e formar grupos de trabalho e terem uma produção de texto colaborativa. Para além de apresentarem trabalhos todas as semanas, os alunos têm também um exame no final do semestre que é presencial.

Mesmo os que estão fora? Vêm cá fazer?
Não, nós é que vamos. A diferença do ensino à distância (e-learning) é que é o campus que vai ter com o aluno e não o aluno que vem ter com o campus. Trabalhamos com a rede consular e com o Instituto Camões. E temos um representante da universidade em cada uma das instituições. São contratados naquele momento para representar a universidade.

A Universidade Aberta foi pioneira neste modelo de ensino, mas actualmente a maior parte das instituições tem também essa oferta, não todos os cursos, mas de qualquer modo é já bastante generalizada
Essa é uma aposta minha. Levar as outras universidades a fazer ensino à distância com qualidade. A nossa tarefa tem sido promover a formação de professores para o ensino à distância. E temos feito isso com várias universidades no país e no estrangeiro. Temos feito isso junto do ISCTE, com a Universidade Nova, com a Universidade de Coimbra, com quem criámos um consórcio para o ensino à distância. Fizemos com o Politécnico de Castelo Branco, com a Universidade do Algarve, com Cabo Verde. Acabámos de assinar também um protocolo com o Governo do Estado de São Paulo. E também com o Governo de Timor. Esta é uma linha de desenvolvimento estratégico da universidade: fazer a transferência de conhecimento nesta área para as outras instituições.

Mas não têm perdido alunos com esta recente proliferação do ensino à distância?
São populações diferentes. Não há um processo de competição. O aluno full-time é um. O aluno part-time é outro, completamente distinto. O aluno part-time é o aluno que está empregado, sai às seis da tarde, vai buscar o filho ao infantário, vai ao supermercado, faz o jantar, deita o filho e só depois vai estudar. O aluno full-time tem o jantar feito. O aluno full-time está a fazer a sequência normal de estudos, não interrompe. O aluno part-time foi um aluno que fez a escolaridade, interrompeu-a, foi trabalhar e retomou os estudos novamente.

Os dados oficiais mostram uma grande percentagem de abandono ao final do 1.º ano nos cursos da Aberta. Tem a ver com este tipo de aluno?
É uma taxa que tem vindo a descer. Porque fizemos um esforço brutal de acompanhamento e de aconselhamento do aluno. Normalmente o aluno que chega à universidade pela primeira vez inscreve-se em tudo e isso é a principal razão de abandono. O aconselhamento tem promovido uma melhor gestão do processo de trabalho do aluno. Por vezes leva a que ele não se inscreva em todas as unidades curriculares naquele semestre. O período de conclusão de um curso de ensino à distância é sempre vez e meia superior ao do ensino presencial.

E quanto custam as propinas?
Nas universidades públicas há uma propina máxima que ninguém pode ultrapassar. A nossa propina está em 900 euros no 1.º ciclo. Nos outros são variáveis. Depende do curso. Entre as universidades, é das propinas mais baixas.

Qual é o orçamento de que dispõem?
Cerca de 16 milhões de euros, sendo 10 milhões de financiamento público. Os outros seis milhões são de receitas próprias: propinas, taxas, serviços, muita oferta de formação no estrangeiro. Temos protocolos com instituições que têm esse objectivo. E isso é uma fonte de rendimento.

Está no seu segundo mandato. Qual tem sido a sua marca?
Colocar a universidade no futuro. A minha aposta é transformar o ensino à distância num processo verdadeiramente digital. Mas quero muito mais que uma mera informatização. Quero um sistema que permita o acesso a qualquer um, a partir de qualquer ponto. A minha visão estratégica é a construção de uma universidade que permita que o ensino seja cada vez mais próximo. Não posso deixar de frisar que a universidade desenvolveu um modelo pedagógico virtual, reconhecido internacionalmente. E é com base nesse modelo que estamos a desenvolver vários projectos. Um deles é o ensino à distância para a população prisional. E já temos alunos que, estando presos, conseguiram concluir a licenciatura. A educação à distância não tem barreiras. E tem também esta obrigação que é a de ir ter com as populações ou grupos que têm dificuldades de inclusão social ou que estão em fase de perigo nesta inclusão.