Interditos e inabilitados podem passar a ser maiores acompanhados
A proposta de alteração, que na quinta-feira foi aprovada em Conselho de Ministros e na sexta-feira entrou no Parlamento, prevê revisão periódica de medidas de acompanhamento.
A lei de maiores acompanhados — que deverá substituir o regime das incapacidades em vigor desde 1966 — aplicar-se-á a casos já decididos pelos tribunais. Quem já foi declarado incapaz de gerir os seus bens (inabilitados) ou incapaz de gerir as sua vida e os seus bens (interditos) poderá pedir uma revisão do seu processo.
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A lei de maiores acompanhados — que deverá substituir o regime das incapacidades em vigor desde 1966 — aplicar-se-á a casos já decididos pelos tribunais. Quem já foi declarado incapaz de gerir os seus bens (inabilitados) ou incapaz de gerir as sua vida e os seus bens (interditos) poderá pedir uma revisão do seu processo.
O tema é premente, considera a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem. Um dos reversos do aumento da esperança média de vida é o envelhecimento da população e, com ele, o surgimento de doenças debilitantes, que requerem um acompanhamento feito à medida das necessidades de cada um. “As famílias evitam requerer o regime de incapacidades porque o processo é longo e estigmatizante”, justifica.
A proposta de alteração, que na quinta-feira foi aprovada em Conselho de Ministros e nesta sexta-feira entrou no Parlamento, representa um novo paradigma. Em vez de dois institutos (um de interdição e um de inabilitação), haverá um único (o regime de maior acompanhado). Em vez de um modelo de substituição, haverá um modelo de acompanhamento em que a pessoa será “apoiada na formação e exteriorização da sua vontade e não substituída na sua vontade”.
Será abrangida qualquer pessoa maior de idade que se encontre impossibilitada, “por razões de saúde ou pelo seu comportamento, de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres”. O acompanhamento deverá limitar-se ao necessário.
Novo regime é “elástico”
Este novo regime, diz Francisca Van Dunem, é “elástico”. A ideia é que os tribunais decretem uma resposta individualizada. E que revejam, de cinco em cinco anos, as medidas de acompanhamento em vigor.
Se a proposta for aprovada na Assembleia da República, a própria pessoa diminuída nas suas capacidades passará a poder requerer acompanhamento (mediante a sua autorização, também pode fazê-lo o cônjuge, unido de facto, qualquer parente sucessível e, independentemente de autorização, o Ministério Público). Também terá a possibilidade de designar quem a vai acompanhar. Não tem de ser o cônjuge ou o filho mais velho. “Pode ser uma tia, uma prima, uma amiga”, sublinha a ministra.
As estatísticas do Ministério da Justiça mostram o crescimento constante de acções declarativas findas nos tribunais judiciais de 1.ª instância: 559 interdições decretadas em 1996; 1080 em 2006; 3136 em 2016. E as das inabilitações, que saltaram de 15 em 1996 para 43 em 2006 e para 259 em 2016. Um instituto multiplicou por cinco e o outro por 17 em apenas 20 anos.
Não haverá um regime de interditos e inabilitados e outro de maiores acompanhados. Os casos já julgados transitam para o novo regime jurídico. Os antigos tutores e curadores passam a ser acompanhantes. Os processos podem ser revistos a pedido do próprio, do acompanhante ou do Ministério Público.
A proposta tem por base um trabalho das faculdades de Direito das Universidades de Lisboa e de Coimbra. Ouviu-se a Procuradoria-Geral da República, a Ordem dos Advogados, o Conselho dos Oficiais de Justiça, do Mecanismo Nacional de Monitorização para a Implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Este último fez alguns reparos. Entendia, por exemplo, haver um “deficiente enquadramento de alguns preceitos, nomeadamente os que se relacionam com o internamento e as medidas anticoncepcionais, potencialmente lesivos do direito à liberdade e do direito de procriar”. Na proposta original do Governo, dizia-se que o recurso a métodos anticoncepcionais dos maiores acompanhados dependeria de autorização judicial. Mesmo não lhe parecendo concebível que tal dissesse respeito à esterilização ou à interrupção da gravidez, o conselho entendeu que não existia “qualquer justificação” para aquilo. Essa referência desapareceu. Não havia intenção de interferir nessa esfera da vida de cada um, salienta a ministra. Pelo contrário. No novo regime jurídico, os maiores acompanhados preservam o direito de se casarem, de constituírem situações de união, de perfilharem ou de adoptarem, de cuidarem e de educarem os seus filhos.