Merkel abdica de ministérios-chave em acordo de coligação com SPD
Conservadores e sociais-democratas ultrapassaram as últimas divergências. Mas para haver Governo, ainda falta a aprovação dos membros do SPD em referendo. O resultado deverá ser conhecido a 4 de Março.
Conservadores e sociais-democratas ultrapassaram as últimas divergências. Mas para haver Governo, ainda falta a aprovação dos membros do SPD em referendo. O resultado deverá ser conhecido a 4 de Março, o mesmo dia em que Schulz promete abandonar a liderança do partido para assumir a diplomacia.
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Conservadores e sociais-democratas ultrapassaram as últimas divergências. Mas para haver Governo, ainda falta a aprovação dos membros do SPD em referendo. O resultado deverá ser conhecido a 4 de Março, o mesmo dia em que Schulz promete abandonar a liderança do partido para assumir a diplomacia.
Finalmente, fumo branco: depois de sucessivos adiamentos, os conservadores de Angela Merkel e os sociais-democratas chegaram a acordo para uma “grande coligação”. “Foram negociações intensivas no mais verdadeiro sentido da palavra”, comentou a chanceler.
Falta agora um passo essencial para que esta coligação veja a luz do dia: a aprovação em referendo dos membros do Partido Social-Democrata (SPD). A votação a decorrer entre 20 de Fevereiro e 2 de Março, através de voto postal.
Na partilha das pastas ministeriais entre a União Democrata Cristã (CDU), a União Social-Cristã (CSU), e o SPD, os sociais-democratas ficam com a tutela de seis pastas, incluindo as dos Negócios Estrangeiros, do Trabalho e, mais surpreendente, das Finanças – o ministério ocupado no passado Governo pelo popular Wolfgang Schäuble deverá agora passar para as mãos do social-democrata Olaf Scholz, presidente da câmara de Hamburgo. Numa declaração ao país, no final da tarde de ontem, a partir da sede do seu partido em Berlim, Martin Schulz revelou, no entanto, que todas as decisões relacionadas com os nomes dos responsáveis pelas pastas só serão conhecidas depois da votação dos militantes.
Espera-se, assim, que haja mais foco em investimento e menos no controlo orçamental, e que a Alemanha seja mais receptiva às propostas para a Zona Euro do presidente francês Emmanuel Macron. A revista britânica The Economist dizia que se espera do novo executivo “uma continuidade expansionista”. À agência Reuters, o director executivo da consultora Teneo Intelligence notava que a mudança simbólica nas Finanças é grande. “A linguagem será muito diferente e acho que a linguagem pode fazer a diferença: já quanto à substância, essa é outra questão”, comentou.
Merkel não escondeu que é “doloroso” para o seu partido abdicar desta pasta, mas lembrou que na primeira coligação que liderou – de 2005 a 2009 – o ministro das Finanças era o social-democrata Peer Steinbrück, e os dois tiveram uma boa coordenação na reacção à crise do euro. “Não tenho francamente qualquer preocupação” em relação a esta pasta estar em mãos do SPD, declarou a chanceler.
Schulz assumiu estar interessado em ficar com a pasta dos Negócios Estrangeiros, caso seja essa a vontade do partido, e anunciou que vai abandonar a liderança do mesmo, por entender que o SPD necessita de um líder que não faça parte do executivo. “Vou lutar pela renovação da União Europeia”, prometeu o antigo presidente do Parlamento Europeu.
Na calha para a sua sucessão está Andrea Nahles, cujo discurso combativo no recente congresso especial do SPD foi visto como fundamental para convencer os delegados a aprovar a continuação das negociações para a “grande coligação”. Na sua intervenção, Martin Schulz instou mesmo as bases a elegerem Nahles para o cargo, no próximo congresso.
A CSU, que quer mais restrições à imigração, deverá ficar com o Ministério do Interior – deverá ocupar a pasta Horst Seehofer, que fez do tecto máximo para entrada de refugiados no país uma bandeira após a entrada de 800 mil pessoas em fuga de guerras em 2015. O anterior ministro do Interior, Thomas de Maizière – que chegou a ser visto como um potencial sucessor de Merkel quando esta se retirar – não irá fazer parte deste Governo.
As restantes pastas deverão distribuir-se da seguinte forma: Trabalho, Família, Justiça e Ambiente para o SPD; e Defesa, Economia, Agricultura, Saúde e Educação para a CDU.
Comentadores assinalavam que o SPD sai especialmente fortalecido com os ministérios que conseguiu, tendo em conta que é o parceiro minoritário e que conseguiu cerca de 20% dos votos. “Óptimos cargos. E o conteúdo?”, perguntava o jornalista da revista Der Spiegel Christian Teevs.
Schulz disse que o programa estava escrito com a letra social-democrata, mas no programa o SPD conseguiu obter algumas concessões menos impressionantes para políticas com uma marca social-democrata, de que precisa para convencer os seus membros do partido a aprovarem o acordo de coligação.
Os pontos pendentes eram sobretudo na área do trabalho e da saúde, e o SPD conseguiu que a possibilidade das empresas fazerem contratos a prazo sem justificação seja limitada (passa a ser possível para contratos de um máximo de 18 meses – actualmente podem ir até 24 meses - e estes já não poderão ser renovados infinitamente). Quanto à saúde, uma comissão irá estudar a possibilidade de juntar os dois sistemas de seguros, um público e outro privado, uma medida que o SPD gostaria de concretizar mas que conta com forte oposição dos conservadores (e dos médicos, que podem pedir preços mais altos aos doentes do sistema privado).
O programa tem 177 páginas sob o título “Um novo começo para a Europa. Uma nova dinâmica para a Alemanha. Uma nova coesão para o nosso país”. Cerstin Gammelin, repórter parlamentar do Süddeutsche Zeitung e chefe da delegação de Berlim do diário, falava de “investimentos generosos”, mas “oportunidades perdidas” no programa da próxima grande coligação. “Há qualquer coisa para quase todos os cidadãos, mas a União [CDU/CSU] e o SPD não tiveram coragem de fazer as reformas importantes”.
Ainda falta, no entanto, um passo essencial para que esta coligação seja realidade: a aprovação dos partidos. Se do lado conservador, CDU e CSU aprovarão o acordo sem dificuldade através de reuniões das suas lideranças, o SPD levará, tal como em 2013, o tema a aprovação dos militantes, num referendo por voto postal.
Se o calendário desta vez for semelhante ao de então, ainda será preciso esperar até que se saiba se há governo: nesse ano passaram 23 dias entre o anúncio oficial do acordo e o apuramento do resultado do referendo aos membros do SPD.
E se da última vez a aprovação foi fácil, actualmente o SPD está dividido, com a juventude partidária a levar a cabo uma grande campanha defendendo a passagem à oposição. No âmbito desta campanha, os jovens sociais-democratas pediram a inscrição de mais membros no partido para votarem contra a “grande coligação”, e segundo o Frankfurter Allgemeine Zeitung, inscreveram-se 24.339 pessoas – assim, poderão votar no referendo 463.723 militantes.
Analistas desvalorizam, no entanto, o peso dos novos membros, sublinhando que estes podem vir quer das fileiras dos opositores, quer das fileiras dos defensores da entrada do SPD na nova coligação.
Kevin Kühnert, o líder da juventude social-democrata, já criticou o acordo e voltou a pedir para que este seja rejeitado no referendo. Se no SPD há facções para quem o conteúdo do acordo e os cargos ministeriais eram indiferentes para uma decisão sobre o voto, outros esperavam para ver o que seria conseguido nas negociações. A questão decisiva é saber se as marcas sociais-democratas são suficientes para convencer a base do partido. com António Saraiva Lima