JR o artista de olhos bem abertos
Chegar ao terreno, ter que explicar quem é e convencer as pessoas a participar nos projectos, é o que lhe dá prazer. A viagem é o que o move. Perfil do fotógrafo que acompanha Agnès Varda em Visages Villages
Ninguém sabe como se chama — JR é pseudónimo — nem tão pouco é visto em público sem os óculos de sol e o chapéu. Ainda assim a actividade do artista francês trespassou todas as fronteiras. Hoje é mesmo um fenómeno digital com mais de um milhão de seguidores no Instagram. Essa é uma das ferramentas que utiliza para difundir os seus trabalhos, mas é na rua que se sente confortável, conhecendo pessoas, ouvindo as suas histórias e tentando traduzi-las na sua actividade.
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Ninguém sabe como se chama — JR é pseudónimo — nem tão pouco é visto em público sem os óculos de sol e o chapéu. Ainda assim a actividade do artista francês trespassou todas as fronteiras. Hoje é mesmo um fenómeno digital com mais de um milhão de seguidores no Instagram. Essa é uma das ferramentas que utiliza para difundir os seus trabalhos, mas é na rua que se sente confortável, conhecendo pessoas, ouvindo as suas histórias e tentando traduzi-las na sua actividade.
Em primeiro lugar é fotógrafo, de rostos, mas foi a forma como inscreveu as suas fotos gigantes no espaço público que lhe granjeou reputação. É disputado por galerias — sendo representado pela Perrotin — encontrando-se o seu trabalho disseminado por museus, bienais e colecções privadas e institucionais. Ou seja, uma forma de operar semelhante a Banksy, Shepard Fairey ou Vhils.
A meio dos anos 2000, quando encontrou uma máquina fotográfica no metro de Paris, e começou a retratar anónimos, colando o resultado nos bairros burgueses da capital francesa, nem o próprio previa o impacto que iria ter. Foi em 2007 que se tornou notícia fora de França, e que encontrou a sua linguagem, quando fotografou pessoas de ambos os lados da fronteira entre Israel e a Palestina e as exibiu no muro. Eram fotos de uma beleza emotiva, com ressonâncias de um presente de dúvida, quando o passado já se foi e o futuro não passa ainda de mera promessa.
“Quem é esta pessoa? Porque está exposta nesta parede? O que deseja comunicar? Que sentido tem esta imagem para mim?” São das perguntas que espera que o seu trabalho sugira. Como o documentário Visages Villages mostra interessa-lhe a partilha das subjectividades dos encontros — dele com Agnés Varda, e deles com quem vão encontrando pelo caminho na viagem a dois. Podem ser efémeros, mas ainda assim produtivos, revelando por vezes uma realidade que é invisível aos olhos da maioria, gerando o debate.
Foi isso que aconteceu na favela da Providência, no Rio de Janeiro, em 2008, quando expandiu o seu projecto Women Are Heroes, que já tinha intervenções na Libéria e Quénia. No meio de disputas entre traficantes e polícia, foram os moradores que acabaram por reconhecer o poder do papel e da cola, conseguindo que existissem tréguas para que o artista cobrisse as fachadas de tijolo com os rostos coloridos das mães e avós de quem apenas deseja ter uma vida e um bairro melhor. De repente, a Providência era notícia em todo o mundo, e não por violência. Quando os media quiseram perceber o que se passava, já JR tinha deixado o protagonismo para as mulheres da comunidade. O seu propósito? Humanizar aquelas pessoas, mostrar que as suas histórias são relevantes e os seus anseios semelhantes a quem vive em Ipanema ou no Léblon.
Em 2011 recebeu o prémio TED, concretizando o projecto Inside Out com a avultada soma recebida, comprometendo-se a imprimir e a reenviar fotos das pessoas que quisessem participar na operação. Hoje é visto como um dos maiores projectos participativos do mundo, tendo sido recebidas e impressas 400 mil fotografias em 129 países.
Como a maior parte dos artistas do seu género, actua muitas vezes na legalidade, mas outras nas fronteiras ténues da ilegalidade. Também a sua relação com o capital é ambivalente. Talvez tenha de o ser. Muitos dos seus projectos são autofinanciados ou recorrem a donativos. As receitas vêm dos trabalhos de encomenda, como as fotos gigantes de atletas que instalou no Rio durante os Jogos Olímpicos, ou quando cobriu a pirâmide do Louvre com uma imagem da fachada a preto-e-branco, criando uma ilusão óptica que a fazia desaparecer. Sempre que uma marca utiliza as suas obras de rua acciona os advogados. O seu trabalho não é pensado para vender nenhum produto, argumenta.
Há menos de um ano voltou a ser notícia. Sonhou com um bebé que olhava por cima do muro que divide os EUA do México e a ideia materializou-se numa obra na zona de Tecate. Ali está disposta uma fotografia gigante de um bebé curioso de vinte metros de altura.
Como noutras operações, sem autorizações, foi para o terreno, encontrou uma casa onde vivia uma mulher, Lissy, e o filho, Enrique Achondo. Pediu à mãe para o fotografar e aconteceu. A obra acabou por ser revelada, através das redes sociais, na semana em que Trump suspendeu o programa DACA, tornando possível a deportação de milhares de imigrantes que chegaram ao país quando eram crianças ou adolescentes. Ainda assim, afirmou nessa altura, a sua motivação directa não era Trump. “É apenas um projecto artístico que proporciona interrogações, mesmo se não tem respostas para fornecer. Os grandes muros são internos e gosto de os derrubar fazendo coisas que as pessoas crêem ser impossíveis.”
Por vezes os seus críticos argumentam que os seus dispositivos artísticos transmitem inteligibilidade e comunicabilidade, mas no processo perde-se imprevisibilidade. Ele responde que se limita a ter os olhos bem abertos perante o mundo à volta, apesar de nós nunca os vermos. O anonimato, pelo menos até certo ponto, é uma das suas máximas. Chegar ao terreno, ter que explicar quem é e convencer as pessoas a participar nos projectos, é o que lhe dá prazer. O processo, a viagem, como se percebe pelo documentário com Agnès Varda, é o que o move.