Um novo paradigma, dizem
O novo poder dos dirigentes do Ministério Público já não precisa da política para fazer leis nem dos juízes para a aplicar - eles investigam, eles acusam e eles condenam... nas televisões.
Os entusiastas e divulgadores celebram nas televisões a chegada do que chamam um novo paradigma da ação penal, fazendo o impossível por ocultar que este começa sempre com um crime cuja importância e significado não me parece terem sido devidamente compreendidos – a violação do segredo de justiça. Na verdade, este crime não é um delito aleatório ou isolado, constituindo, pelo contrário, o primeiro andamento de um plano, de um modus operandi que se tornou rotina nos últimos tempos e que tem como objetivo construir a imagem pública de culpa formada do indivíduo perseguido pelo Estado. Longe de representar uma ligeira infração ou uma questão de nada, ele é instrumental para substituir o princípio da presunção da inocência pela presunção pública de culpabilidade. Para quem está atento a este novo tempo, os métodos adotados revelam toda uma cultura jurídica: verdadeiramente, as nossas autoridades não acreditam no princípio da presunção de inocência. Sem provas, mas cheios de convicções e certezas, pouco lhes interessa se estão a agredir e a acusar inocentes que reclamam os seus direitos. O chamado novo paradigma não passa do regresso do velho autoritarismo estatal, agora com novos protagonistas, novas razões, novos métodos e novas roupagens, mas o mesmo desprezo pelos direitos individuais e pela cultura de liberdade.
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Os entusiastas e divulgadores celebram nas televisões a chegada do que chamam um novo paradigma da ação penal, fazendo o impossível por ocultar que este começa sempre com um crime cuja importância e significado não me parece terem sido devidamente compreendidos – a violação do segredo de justiça. Na verdade, este crime não é um delito aleatório ou isolado, constituindo, pelo contrário, o primeiro andamento de um plano, de um modus operandi que se tornou rotina nos últimos tempos e que tem como objetivo construir a imagem pública de culpa formada do indivíduo perseguido pelo Estado. Longe de representar uma ligeira infração ou uma questão de nada, ele é instrumental para substituir o princípio da presunção da inocência pela presunção pública de culpabilidade. Para quem está atento a este novo tempo, os métodos adotados revelam toda uma cultura jurídica: verdadeiramente, as nossas autoridades não acreditam no princípio da presunção de inocência. Sem provas, mas cheios de convicções e certezas, pouco lhes interessa se estão a agredir e a acusar inocentes que reclamam os seus direitos. O chamado novo paradigma não passa do regresso do velho autoritarismo estatal, agora com novos protagonistas, novas razões, novos métodos e novas roupagens, mas o mesmo desprezo pelos direitos individuais e pela cultura de liberdade.
Depois, a exibição do abuso. As buscas televisionadas e as informações processuais obtidas ilegalmente e manipuladas contra os perseguidos são hoje crimes ostensivamente praticados por agentes públicos e exibidos provocatoriamente em campanhas de difamação. De facto, elas transformaram-se numa peça central da estratégia e do processo acusatório, tendo como objetivo chegar a julgamento já com o cidadão completamente difamado e desonrado e com o juiz perfeitamente condicionado por uma narrativa dominante. Não, o crime não é contra a investigação, como cinicamente se afirma. Este crime é cometido pelos responsáveis da justiça contra os alvos que decidem perseguir, de modo a consagrar publicamente o seu ponto de vista sem que a outra parte tenha tido sequer o direito a defender-se.
Bem vistas as coisas, o propósito das chamadas “fugas de informação” nada tem a ver com o interesse público: transmitir informação, acrescentar pontos de vista ou novos argumentos. O objetivo da violação é aumentar audiências e ganhar dinheiro seja lá à custa do que for, do cidadão visado ou do respeito devido à lei. O que se passa realmente é uma troca, um comércio: dou-te informação, dizes bem de mim; espetadores, em troca de elogios - eis a situação win-win. O que sobra, então, são agentes públicos que se julgam e afirmam acima da lei. O que sobra é a deslegitimação estatal por quem acha que os fins justificam os meios. De resto, em tempos de exceção, a necessidade não tem lei. Ou, melhor dito, a necessidade faz a sua própria lei.
Debalde encontraremos numa qualquer teoria da justiça explicação para este novo paradigma : de facto, ele não tem a ver com o direito, mas com o poder. O nível de violência exposto no desenvolvimento inicial da Operação Lex, como antes na Face Oculta, no processo Marquês e, mais recentemente, no inolvidável episódio da busca ao gabinete do ministro das Finanças, marca o novo padrão – buscas espetaculares, detenções antes de qualquer interrogatório, prisões para investigar, campanhas de difamação nos jornais. O novo paradigma da justiça é, afinal, uma ideologia: menos direitos e garantias individuais em troca de investigações supostamente mais eficazes. O novo poder dos dirigentes do Ministério Público já não precisa da política para fazer leis nem dos juízes para a aplicar - eles investigam, eles acusam e eles condenam... nas televisões.
No entanto, o problema deste novo paradigma não é resolúvel: ele começa num crime, num abuso, autorizando a legítima suspeita de já não estarmos no domínio da investigação ao crime, mas sim no domínio da perseguição a alvos seletivos, tendo como corolário a substituição do princípio da legalidade pelo princípio da oportunidade, mediática e corporativa. No fundo e em síntese, a continuada violação do segredo de justiça transforma-se, assim, em símbolo do direito de exceção – um procedimento não aprovado nem escrito, mas imposto aos cidadãos pelo abuso, pela impunidade e pela conivência entre media e agentes judiciários.
P.S. - Durante vários dias, cinco pessoas estiveram presas sem que ninguém se sentisse obrigado a explicar por que razão o Estado considerou existirem “fundadas razões para considerar que os visados se não apresentariam espontaneamente“. Na verdade, as detenções apenas serviram a dramaturgia e o festim mediáticos. A dignidade das pessoas parece não vir ao caso- elas sempre foram instrumentais, usadas como meio, não como fim.