Não há consenso para questionar origem étnico-racial no próximo Censos
Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade reuniu-se com grupo de trabalho para discutir como recolher dados sobre discriminações e desigualdades. Questionado o facto da discussão sobre racismo estar sob alçada do Alto Comissariado para as Migrações
Há falta de informação sobre os processos de discriminação e racismo em Portugal. Para colmatar essa lacuna é preciso recolher dados. Sobre isto houve acordo no grupo de trabalho formado pela Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade para debater o tema, reunido pela primeira vez esta segunda-feira. O que não é consensual é o facto de o próximo Censos 2021 ser um dos instrumentos para recolher esses dados – o que permitiria, por exemplo, saber qual a composição étnico-racial da população portuguesa.
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Há falta de informação sobre os processos de discriminação e racismo em Portugal. Para colmatar essa lacuna é preciso recolher dados. Sobre isto houve acordo no grupo de trabalho formado pela Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade para debater o tema, reunido pela primeira vez esta segunda-feira. O que não é consensual é o facto de o próximo Censos 2021 ser um dos instrumentos para recolher esses dados – o que permitiria, por exemplo, saber qual a composição étnico-racial da população portuguesa.
A reunião surge depois de, em Setembro, o então ministro Adjunto Eduardo Cabrita ter dito que o Governo estava a trabalhar com o Instituto Nacional de Estatística (INE) para que fosse incluído este tipo de informação no próximo Censos, como o fazem o Reino Unido, Brasil ou Estados Unidos. Já com a nova titular da pasta da Igualdade – Rosa Monteiro substituiu Catarina Marcelino quando Eduardo Cabrita mudou para Administração Interna – criou-se um grupo composto por académicos como Cristina Roldão, Marta Araújo, Rui Pena Pires, Jorge Malheiros ou Jorge Vala, pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM), pelo Observatório das Comunidades Ciganas (integrado no ACM), pelo SOS Racismo e pelo gabinete do Censos no INE, entre outros.
Integrados representantes de comunidades
Da reunião saiu o compromisso de serem integrados representantes das comunidades ciganas, afrodescendentes e asiáticas e de abrir este debate à sociedade em geral e aos grupos racializados, disseram a socióloga Cristina Roldão e o activista do SOS Racismo Mamadou Ba, do grupo de trabalho. Esta era uma reivindicação expressa no artigo colectivo que saiu no PÚBLICO, Recolha de dados étnico-raciais sim, mas com quem, como e para quê?, subscrito também por estes dois membros.
As dezenas de signatários, entre grupos anti-racistas, cidadãos ou académicos, consideraram que a recolha de dados “poderá ser um passo sem precedentes no combate ao racismo e às desigualdades étnico-raciais na sociedade portuguesa” mas criticaram “a decisão unilateral do Governo em avançar com a proposta para os Censos 2021”, “sem concertação prévia com as comunidades racializadas”.
Rosa Monteiro leu a carta “com atenção” e respondeu ao PÚBLICO ter a intenção de trabalhar “com todos”: “queremos construir uma estratégia de forma participada e integradora”. Reconhecendo que “há fenómenos de racismo, discriminação e desigualdade estrutural” em Portugal, afirmou que “é muito importante dar visibilidade" a "um problema” que é “de toda a sociedade”. Disse também: “Estamos a começar um caminho que já está atrasado”.
O debate sobre a recolha de dados, recomendado pela ONU, organizações internacionais, reivindicado por movimentos sociais e activistas é antigo em Portugal.
Embora refira que a recolha de dados étnico-raciais através do Censos é algo a que se opõe, o sociólogo Rui Pena Pires concorda que é preciso mais informação sobre os processos de discriminação mas “não sobre as pessoas”: “O Censos não me diz nada sobre discriminação na saúde, na justiça, permite medir mas não compreender”. Isso pode ser feito através de “inquéritos ou estudos”, defende. Para Jorge Malheiros, “em princípio” o Censos pode ser um bom instrumento para colmatar o défice de informação “desde que salvaguardados os riscos” do mau uso desses dados. Mas “deve haver um debate alargado” na sociedade sobre os prós e contras, refere.
Na reunião foi debatido outro ponto “problemático”: o facto de esta discussão estar na pasta das migrações, ou seja, sob alçada do ACM. Isto porque, defende-se no artigo, as desigualdades étnico-raciais tocam várias áreas que extravasam “a competência restrita da política migratória”. Na reunião “ficou patente que existe grande dificuldade em pensar nas políticas de combate ao racismo fora das migrações”, lamenta Cristina Roldão, e “isto é um ponto de tensão neste debate”. “É preciso admitir de uma vez por todas que existem portugueses que são negros, são ciganos, não são migrantes”.
Combate ao racismo
Rosa Monteiro coloca de parte essa separação e refere que o ACM tem outras competências que passam pelo combate ao racismo. Embora concordem que o debate esteja a ser feito sob alçada do ACM porque é ele que tem essa pasta, tanto Jorge Malheiros como Rui Pena Pires admitem que o racismo saia da alçada das migrações. “O racismo deve ser tratado com a mesma autonomia que a discriminação por sexo, é uma questão de igualdade que não tem nada a ver com as questões da imigração”, diz Pena Pires. “As questões da interculturalidade e de discriminação racial e de base étnica podem estar noutra entidade. É preciso também fazer este debate”, acrescenta Jorge Malheiros.
Mamadou Ba conclui dizendo que, no final, espera que “o Estado assuma a sua responsabilidade quando o relatório for produzido e o traduza em políticas públicas”.
O grupo irá produzir uma recomendação ao INE, reunindo mensalmente até pelo menos Outubro.