O medo de uma nova bolha está de regresso aos mercados
Durante os anos de taxas de juro mínimas, os investidores viraram-se para as acções e as bolsas registaram recordes, mas agora que o ciclo económico virou, existe o risco de uma correcção mais forte do que o desejado.
Estará Wall Street a exagerar outra vez? A pergunta, tantas vezes colocada ao longo da história, por vezes com respostas desastrosas, voltou nos últimos meses a dominar os debates entre os investidores. Com a Bolsa de Nova Iorque a registar, desde meados do ano passado, um dos períodos mais longos de valorizações semanais consecutivas, e num momento em que a viragem da política dos bancos centrais coloca os mercados numa conjuntura de maior risco, as dúvidas ressurgiram. E o receio é o de que, a par com o entusiasmo em torno da aceleração da economia mundial, se tenha formado uma bolha que, agora, se arrisca a rebentar.
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Estará Wall Street a exagerar outra vez? A pergunta, tantas vezes colocada ao longo da história, por vezes com respostas desastrosas, voltou nos últimos meses a dominar os debates entre os investidores. Com a Bolsa de Nova Iorque a registar, desde meados do ano passado, um dos períodos mais longos de valorizações semanais consecutivas, e num momento em que a viragem da política dos bancos centrais coloca os mercados numa conjuntura de maior risco, as dúvidas ressurgiram. E o receio é o de que, a par com o entusiasmo em torno da aceleração da economia mundial, se tenha formado uma bolha que, agora, se arrisca a rebentar.
A resposta a estas dúvidas ninguém a consegue dar com certeza. Sabe-se que os mercados, depois de subidas fortes, acabam quase sempre por as corrigir. Mas quando e com que dimensão é aquilo que todos tentam adivinhar e só poucos conseguem.
Aquilo que é evidente neste momento é que há sinais de que os valores a que estão a ser trocadas as acções das empresas estão a caminhar para uma zona de maior risco. A valorização nos mercados accionistas, e em particular na Bolsa de Nova Iorque, tem vindo a ultrapassar todas as expectativas. Nos últimos 12 meses, o índice Dow Jones subiu mais de 25%, liderando uma onda de optimismo que se estendeu também aos mercados europeus e asiáticos, todos eles com valorizações significativas — em Lisboa, por exemplo, o índice PSI 20 subiu 20% no mesmo período.
O índice Dow Jones tem vindo a bater recordes históricos, ultrapassando os 25 mil pontos pela primeira vez desde que foi criado. Os novos máximos, só por si, podem não ser motivo para preocupação, já que é normal que as acções, à medida que a economia e as empresas crescem, vão registando uma tendência de valorização. Aquilo que mais preocupa alguns analistas são os números que têm vindo a atingir alguns rácios que tentam medir se as acções estão de facto a reflectir aquilo que valem as empresas, ou se estão a registar valores especulativos.
Um dos indicadores mais usados com esse objectivo é o rácio CAPE (Cyclically Adjusted Price-to-Earnings), criado por Robert Shiller — um economista norte-americano que recebeu o Prémio Nobel pela forma como contribuiu para avaliar melhor a valorização dos activos nos mercados e que compara o valor das acções com os resultados obtidos pelas empresas ao longo dos dez anos anteriores.
No caso da bolsa norte-americana, o valor actualmente registado é motivo de preocupação. O CAPE está a um nível que é o segundo mais alto desde 1881, o ano a partir do qual há dados disponíveis. O momento na história em que o CAPE registou um valor mais elevado (44,2 pontos) foi na véspera do rebentamento da bolha dot.com em 2000.
No início deste mês de Fevereiro, o CAPE chegou aos 34 pontos, superando o valor que tinha sido atingido nas vésperas do colapso da Bolsa de Nova Iorque em 1929.
O facto de se estar agora com valorizações superiores às de 1929 não significa que um colapso bolsista semelhante tenha de estar ao virar da esquina e há, aliás, quem assinale que há motivos para que o rácio CAPE e outros do mesmo género estejam agora com um nível mais elevado.
Mas estes sinais de existência de sobreavaliações afectam o sentimento do mercado e são lembradas logo que ocorre, como na semana passada, uma correcção mais forte. Nas últimas cinco sessões, as bolsas mundiais registaram descidas significativas (4,1% em Nova Iorque e 4,4% em Lisboa) e não foi possível evitar que as dúvidas em relação a eventuais excessos regressassem em força.
As bolhas gémeas
Quem defende que existe justificação para a subida das bolsas apresenta vários argumentos. Primeiro, a aceleração sincronizada das principais economias. Desde meados de 2017 que se tornou claro que nos EUA e na Europa se estava a regressar a taxas de crescimento que não se viam desde o início da crise financeira em 2007. Ao mesmo tempo, potências emergentes como a China dão sinais de estabilizarem depois das ameaças de crises que sentiram em anos anteriores. Isso faz com que as perspectivas para a evolução dos negócios das empresas se tornem mais optimistas.
Depois, há as políticas pró-negócios prometidas (e em parte já cumpridas) por Donald Trump nos EUA. O Presidente norte-americano conseguiu fazer passar um corte de impostos que constitui uma benesse imediata para as empresas (o imposto sobre os lucros baixa de 35% para 21%). Só isso, mantendo-se tudo o resto igual, pode ser justificação para que as empresas tenham agora um valor maior. Além disso, Trump continua a querer pôr em prática um ambicioso programa de desregulação (que as empresas aplaudem) e de investimento em infra-estruturas, que pode fazer crescer ainda mais a economia. A promessa de uma política comercial mais proteccionista pode ser benéfica para algumas empresas norte-americanas, pelo menos no curto prazo, mas poderá ser negativa para outras que dependem mais de exportações.
Finalmente — e muito importante —, as bolsas têm beneficiado do facto de os bancos centrais manterem há muito tempo políticas expansionistas agressivas e, em particular, taxas de juro muito baixas. É que, para além do benefício que o crédito barato pode constituir para as empresas, as taxas reduzidas têm um efeito de transferência do investimento das obrigações (que passam a oferecer uma rentabilidade reduzida) para as acções. Nos últimos anos, investir em títulos de dívida pública, seja nos Estados Unidos, seja na Europa, garante aos investidores rendimentos com juros muito baixos (ou mesmo negativos em alguns casos). E, para além disso, como as obrigações atingiram entretanto um valor muito alto (correspondente às taxas de juro muito baixas), a expectativa no mercado é que não possam subir mais, outro um motivo para os investidores fugirem do mercado obrigacionista, dirigindo-se para as acções.
O problema de todos estes argumentos é que podem ser eles também o motivo para que se torne inevitável uma viragem muito significativa da política dos bancos centrais, que pode depois ter um impacto negativo no mercado accionista.
Com a economia a crescer mais tanto nos Estados Unidos como na Europa e a inflação a dar sinais de ressurgimento, especialmente na economia norte-americana, começa-se a adivinhar uma subida mais rápida do que o esperado das taxas de juros por parte da Reserva Federal (que já iniciou esse movimento) e do Banco Central Europeu (que ainda mantém as taxas a mínimos).
Esta nova expectativa é, aliás, o motivo pelo qual, durante o último mês, as taxas de juro de longo prazo no mercado iniciaram uma trajectória ascendente clara. As taxas de juro da dívida pública a 10 anos nos EUA subiram para valores acima de 3% e, na Alemanha, as mesmas taxas subiram cerca de 0,40 pontos percentuais.
Isto faz com que o investimento em obrigações se torne outra vez um pouco mais atractivo, desviando alguns investidores do mercado de acções para o mercado de dívida.
Este problema tem vindo a ser assinalado por diversos analistas. Um deles foi o antigo presidente da Reserva Federal Alan Greenspan, que ficou conhecido por ter alertado contra a “exuberância irracional” dos mercados quando se estava a criar a bolha dot.com, mas que não foi capaz de evitar a crise subprime nos últimos anos do seu mandato. Agora, diz Greenspan, “há duas bolhas: uma bolha no mercado accionista e uma bolha no mercado obrigacionista”. Será este último mercado “o mais crítico” para definir o que irá acontecer.
O que isto significa, mais uma vez, é que estará nas mãos dos responsáveis dos bancos centrais o destino dos mercados financeiros nos próximos tempos. Jerome Powell, que inicia agora o seu mandato na Fed, e Mario Draghi, que se prepara para deixar o BCE em 2019, terão a tarefa de proteger as economias contra um ressurgimento da inflação, sem assustar os mercados e criar uma nova crise..