“Temos uma despesa com benefícios fiscais muito elevada”
António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, quer rever a lista dos benefícios fiscais, não ganhando receita, mas fazendo-o em neutralidade fiscal. Decisões sobre o IRS de 2019 só no Orçamento.
O Governo vai avançar com um estudo sobre todos os benefícios fiscais atribuídos nos vários impostos. A ideia passa por olhar para o sistema que hoje existe para avaliar a função de cada incentivo. A despesa fiscal, de 9400 milhões de euros em 2016, corresponde à receita a que o Estado “renuncia” nas mais diferentes situações fiscais que estão previstas na lei – das deduções à colecta à redução de taxas específicas, passando por isenções, amortizações ou incentivos. Sem adiantar se o tema já foi abordado com o BE, o PCP e Os Verdes, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não abre o jogo sobre o que pode mudar, nem sobre que benefícios fiscais podem acabar ou ser ajustados. Sobre o IRS de 2019 atira as decisões para o momento de elaborar o próximo Orçamento. Para já, quer avançar com um mecanismo conciliatório que permita aos contribuintes recorrer a uma espécie de arbitragem antes de entrar em conflito com a Autoridade Tributária.
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O Governo vai avançar com um estudo sobre todos os benefícios fiscais atribuídos nos vários impostos. A ideia passa por olhar para o sistema que hoje existe para avaliar a função de cada incentivo. A despesa fiscal, de 9400 milhões de euros em 2016, corresponde à receita a que o Estado “renuncia” nas mais diferentes situações fiscais que estão previstas na lei – das deduções à colecta à redução de taxas específicas, passando por isenções, amortizações ou incentivos. Sem adiantar se o tema já foi abordado com o BE, o PCP e Os Verdes, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não abre o jogo sobre o que pode mudar, nem sobre que benefícios fiscais podem acabar ou ser ajustados. Sobre o IRS de 2019 atira as decisões para o momento de elaborar o próximo Orçamento. Para já, quer avançar com um mecanismo conciliatório que permita aos contribuintes recorrer a uma espécie de arbitragem antes de entrar em conflito com a Autoridade Tributária.
A divulgação das tabelas de retenção do IRS, segundo os cálculos de algumas consultoras fiscais, veio mostrar que a descida não está reflectida totalmente [na retenção mensal]. O reembolso de 2018 [a receber em 2019] é superior ao de 2017 e essa comparação seria plana, se a descida estivesse toda reflectida. Porque é que foi feita esta opção?
O Orçamento do Estado foi sempre muito claro sobre qual era o impacto do ponto de vista financeiro este ano (230 milhões de euros) e no próximo (cerca de 155 milhões). Há alterações que, pela sua natureza, têm apenas reflexo em 2019 – por exemplo, tudo o que não seja rendimento da categoria A [trabalho dependente] e H [pensões]. Em todos os escalões da tabela está reflectida a alteração aprovada. Todos os exercícios são legítimos. Agora, também é importante que se entenda que a elaboração das tabelas de retenção não é simples. Não podemos partir do pressuposto de que os rendimentos sejam estáveis, que as deduções e os agregados sejam estáveis – e tudo isso tem influência no impacto final. Quando estamos a aplicar a medida do ponto de vista prudente, para que não haja nenhum sobressalto na receita, temos de ter em consideração toda esta dinâmica do imposto.
Num sistema perfeito chegaríamos ao ano seguinte ao qual fizemos descontos mensais e não teríamos nada a pagar e a receber. Com os reembolsos, os contribuintes estão a fazer um empréstimo forçado ao Estado. O que vemos pelas simulações das consultoras é que essa situação se agrava. O Governo tinha a opção de fazer de modo diferente.
Não acho [em sentido inverso] que as notas de cobrança que o Estado envia no ano seguinte constituam um empréstimo forçado do Estado aos contribuintes, isso não existe. Há uma disposição que fala da taxa de remuneração da retenção na fonte excessiva. Os reembolsos aumentam muitas vezes em função daquilo que são as deduções e é isso que tem maior impacto nessa dinâmica do imposto. As tabelas respondem positivamente ao aumento de rendimento disponível das famílias.
Fiscalistas e até ex-secretários de Estado dos Assuntos Fiscais têm defendido uma revisão dos benefícios fiscais. O Governo tem programada alguma medida nesta matéria?
Vamos ter novidades muito em breve. Temos uma despesa associada aos benefícios fiscais muito elevada e nem sempre conseguimos reflectir no relatório da despesa fiscal toda a [sua] magnitude. Faz sentido que se faça um estudo muito aprofundado relativamente a todos os benefícios, para que haja uma avaliação daquilo que deve ser a sua função dentro do sistema fiscal.
Vai ser nomeada uma espécie de comissão para fazer um estudo sobre a validade dos actuais benefícios fiscais?
Vamos ter muito brevemente essa realidade, sim. Este ano, temos duas grandes áreas em que estamos a trabalhar. Uma, nos benefícios fiscais, precisamente porque temos este diagnóstico – há muitos benefícios fiscais, estão muito dispersos e o sistema não é compreensível para as pessoas. É preciso saber se a despesa associada está, ou não, a realizar a sua função. É preciso que essa avaliação seja feita, não numa perspectiva de ganhar receita, mas numa perspectiva de neutralidade fiscal. Outra das prioridades é na área da justiça tributária.
Se a tal comissão ou grupo de trabalho chegar à conclusão de que há benefícios fiscais que não fazem sentido, podem ser eliminados e, em contrapartida, os contribuintes serem compensados de outra forma?
Aquilo que temos obrigação de fazer é de habilitar a Assembleia da República com os elementos adequados para que possam decidir, dentro das várias possibilidades que existem dentro da política fiscal, como é que eu melhor alcanço o fim a que me proponho.
É um tema que já foi abordado entre o PS e os partidos que apoiam o Governo?
Nunca me ouvirá falar sobre as conversas entre o Governo e os parceiros parlamentares.
Isso não inibe o Governo de poder apresentar propostas nessa matéria.
Evidentemente que não. Tomamos a iniciativa e tomamos posição. Agora, é bom que estas discussões sejam feitas para durar. Não podemos chegar à Assembleia da República com uma posição fechada.
Há uma medida, em que o Governo já tinha assumido que iria mexer, que tem que ver com o fim da isenção de IMI dos edifícios do Estado. O que é que já está definido – os edifícios que vão ficar excluídos, os órgãos de soberania?
Não temos esse assunto fechado.
Não está definido quando é que a medida avança: se é em 2019, ou se fica para a legislatura seguinte?
Temos sempre o princípio de que as alterações ao nível fiscal ou entram em vigor em Julho ou a 1 de Janeiro. Esse trabalho ainda está em curso dentro do Governo.
Ainda em matéria de IRS, estão previstas mais mudanças nas deduções?
A avaliação das deduções, quando se faz uma análise mais fina, consegue-se perceber que nem sempre as mexidas asseguram a progressividade do imposto. Houve alterações cirúrgicas [este ano] relativamente ao arrendamento de estudantes e pouco mais. É um assunto que iremos acompanhar, mas com este ponto: não podem introduzir regressividade.
A descida do IRS vai continuar em 2019? É expectável que se mantenham os sete escalões? Que se mantenham, mas que haja uma alteração de taxas?
O Orçamento do Estado (OE) tem um mês. Não consigo estar a antecipar o que será a proposta para 2019. Ainda não estamos nem de perto, nem de longe nos trabalhos preparatórios do OE...
A questão será equacionada para o Plano de Estabilidade que chega em Abril?
O Plano de Estabilidade é sempre a projecção daquilo que se pretende fazer, não necessariamente em relação às medidas concretas. Acabámos de fazer uma alteração muito profunda no IRS, que tem efeitos este ano e no próximo. Nessa altura [Outubro, com o OE] se verá em que impostos poderá haver alteração. Estamos sempre a monitorizar o comportamento dos vários impostos.
Na justiça tributária, o que há para mudar?
Os meios de resolução dos litígios devem ser convocados – essa discussão não se reduz à arbitragem. Antes do conflito, há todas as áreas do pré-conflito. Temos de identificar em que pontos da cadeia pode haver, e deve ser introduzido obrigatoriamente, esse diálogo conciliatório ou mediado, se for caso disso. Para quê? Para que não cheguemos a situações de litígio que não têm razão de ser.
Estamos a falar de alterações que tornem possível uma espécie de mediação entre o contribuinte e a AT, quando há diferentes interpretações para o mesmo facto tributário?
Precisamente. Se olharmos para outras jurisdições, os meios alternativos de resolução de litígios são convocados quando está em causa divergência relativamente a factos concretos, quando um contribuinte considera que a questão não está bem enquadrada por parte da AT, quando há divergências em relação ao meio de prova utilizado. Não é no domínio da interpretação jurídica, mas no domínio dos factos. Sentados numa mesa, escutando os argumentos da outra parte, seguramente muitas vezes se evitam litígios.
O que é que pode mudar para um contribuinte que seja confrontado com uma liquidação adicional de IRS?
Em Inglaterra, por exemplo, quando um contribuinte considera que tem um litígio que pode ser resolvido por recurso à mediação – e, muitas vezes, com um mediador da própria Autoridade Tributária – diz no seu portal das Finanças: “Eu tenho este litígio, mas tenho condições para o resolver pela via amigável.” Há uma avaliação sobre se aquele litígio em concreto é ou não subsumível à mediação e, depois, poderá acontecer ser resolvido assim. Nas inspecções às empresas, faz muito sentido.
É dar base legal a uma prática que de alguma forma já acontece hoje, nomeadamente nesses processos de inspecção às empresas?
A expectativa do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é que tudo o que se passa na AT seja [feito] de acordo com o princípio da legalidade. Agora, deve haver habilitação legal, não para haver a negociação do crédito tributário, mas para que nas inspecções possa haver um diálogo conciliatório. Não estou a fazer nenhuma crítica à AT: não me parece que o melhor mecanismo de avaliação da eficácia da inspecção dentro da Autoridade Tributária seja o número de correcções. Há todo um mar de anulações, litígios, contencioso. A dificuldade [do mecanismo conciliatório] é o tempo muito elevado que medeia entre a correcção e a eventual resolução contenciosa de um litígio.
A AT trabalha com objectivos de cobrança de receita, que por sua vez são definidos por cada governo. Até que ponto isso condiciona a actividade dos serviços?
Devem continuar a trabalhar para esse objectivo. Agora, essa arrecadação tem de ser feita de maneira adequada. Não podemos fazer a cobrança a qualquer custo.
Falava nalguma falta de comunicação entre a AT e os contribuintes. Muitas vezes a AT tem por rosto cada secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ou cada ministro das Finanças. Não seria vantajoso ter um porta-voz que fosse, no fundo, essa ponte entre o contribuinte e a instituição?
Não poderia concordar mais. A AT deve comunicar directamente com os cidadãos relativamente àquilo que é a gestão tributária. Estamos a trabalhar com a AT nesse sentido. Agora, também quero dizer: a máquina fiscal tem por detrás pessoas e o atendimento presencial é muito eficaz. Podemos pré-agendar o momento em que somos atendidos no serviço de Finanças. A linha de apoio funciona. Há 700 serviços prestados no Portal das Finanças e eles simplificam imenso a vida dos cidadãos. Apesar disso, nunca poderemos abdicar de ter presença em cada um dos concelhos.