Ministério Público investiga o "mistério das amostras desaparecidas"
Inspectores do ambiente tiveram dificuldades inéditas para recolher amostras de água junto a tubagem de empresa que é a principal responsável pelas descargas no rio. O Ministério Público está a investigar.
A Beira Baixa, tal como outras regiões do país, é rica em lendas e mitos populares. Na passada semana poderá ter nascido mais um conto, que, como outros, tem o Tejo como protagonista. Aconteceu junto a Vila Velha de Ródão e poderia chamar-se “O mistério das amostras desaparecidas”. Um mistério que já faz parte da investigação que o Ministério Público está a fazer à poluição no maior rio português.
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A Beira Baixa, tal como outras regiões do país, é rica em lendas e mitos populares. Na passada semana poderá ter nascido mais um conto, que, como outros, tem o Tejo como protagonista. Aconteceu junto a Vila Velha de Ródão e poderia chamar-se “O mistério das amostras desaparecidas”. Um mistério que já faz parte da investigação que o Ministério Público está a fazer à poluição no maior rio português.
Avancemos por partes, que em matéria de mistérios convém explicar tudo muito bem. No dia 24 de Janeiro um enorme manto de espuma surgiu junto ao açude insuflável de Abrantes. O Ministério do Ambiente ordenou de imediato à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e à Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) a realização de análises extraordinárias, a fim de apurar as fontes daquela mancha poluidora.
Alguns dos resultados dessas análises foram revelados a 31 de Janeiro pela APA. A agência concluiu que as descargas das empresas de pasta de papel a montante do açude de Abrantes, especialmente em Vila Velha de Ródão, tiveram um “impacto negativo e significativo” na qualidade da água do rio, que resultaram num acumular de carga orgânica. Foram detectados níveis de celulose “cinco mil vezes” acima do normal.
Primeira tentativa falhada
Na sexta-feira da semana passada os inspectores da IGAMAOT foram para o terreno recolher outro tipo de amostras. Desta vez, a missão era recolher amostras de água junto à saída dos afluentes das ETAR das principais empresas que fazem descargas no Tejo. Uma delas era a Celtejo, que, como revelou a APA, é responsável por 90% das descargas no rio.
No interior do Tejo foi colocada a tubagem de um colector que, hora a hora, durante 24 horas, deveria recolher de forma automática amostras da água do rio junto à tubagem da Celtejo. No sábado, quando os inspectores se deslocaram ao local onde tinha sido colocado o colector para recolher as 24 amostras depositadas em outros tantos recipientes, tiveram uma surpresa: os recipientes estavam praticamente vazios. Neles apenas havia alguma espuma, e não água, que não servia para análises laboratoriais.
Segundo o PÚBLICO apurou junto de fontes da investigação em curso no Ministério Público aos poluidores do rio, este facto nunca se tinha verificado noutro tipo de recolhas do género feitas pelos inspectores da IGAMAOT, todos eles com larga experiência.
Avança a GNR
No domingo, o colector voltou a ser colocado em acção por mais 24 horas no mesmo local, mas na segunda-feira, quando foi feita a recolha, os recipientes estavam novamente vazios. O equipamento não tinha qualquer problema, mas alguma coisa ou alguém impedia que as recolhas fossem feitas.
Nesse dia voltaram, por isso, a colocar o colector, mas desta vez vigiado por militares do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR. Terça-feira os inspectores voltaram a ser surpreendidos: alguns dos 24 recipientes das recolhas tinham amostras da água, mas a maioria continuava a não ter mais do que espuma.
À mão é mais seguro
Face ao misterioso acontecimento, os inspectores mudaram mais uma vez de estratégia: colocaram o colector a funcionar por mais 24 horas, mas ao mesmo tempo fizeram recolhas manuais de amostras de água junto à saída da tubagem de descarga da Celtejo.
Segundo o PÚBLICO apurou, essas amostras, agora finalmente completas, foram entregues pelas 16h da última quarta-feira no laboratório certificado para a sua análise.
Estes estranhos acontecimentos fazem já parte da investigação que o Ministério Público tem em curso desde o dia 27 de Janeiro a empresas de Vila Velha de Ródão, na sequência de uma participação-crime de poluição no rio Tejo apresentada pelo Ministério do Ambiente.
O resultado dessas análises, ou de parte delas, será revelado nesta segunda-feira, dia em que termina o período de dez dias de redução de 50% de produção da Celtejo, imposto à empresa pelo Ministério do Ambiente.
Na passada quinta-feira, durante o debate quinzenal no Parlamento, o primeiro-ministro assumiu ainda que estas restrições poderão ser prolongadas, caso o problema de poluição persista. “É uma medida cautelar que terá continuidade se não se verificar alteração”, afirmou António Costa. É, pois, expectável que, caso estas novas análises voltem a comprometer a Celtejo, as restrições à produção impostas pelo Ministério do Ambiente continuem em vigor.
Independentemente dos resultados das análises, é já certo que em breve o Governo irá fazer alterações nas licenças de descargas no Tejo (leia-se baixar os níveis autorizados de descargas) para adequar os afluentes aos actuais caudais do rio.
A grande dúvida é a dimensão dessas alterações garantidas por António Costa, ou seja, até que nível as empresas vão ter de baixar a sua produção para reduzirem as descargas no Tejo.
Na última quarta-feira, a Celtejo, que sempre recusou ser responsável pela poluição visível no rio nas últimas semanas e que assegura cumprir a lei, já veio dizer que, a continuarem em curso as actuais reduções à produção, a fábrica de Vila Velha de Ródão “é inviável”.