Mais de 200 milhões apreendidos no inquérito que deu origem ao caso Rangel
Principais arguidos estão sujeitos a cauções elevadas que, no caso do presidente de uma empresa brasileira, suspeita de corromper governantes congoleses, atinge os três milhões de euros. PJ ainda espera que milhões apreendidos em notas há quase dois anos sejam reclamados.
Mais de 200 milhões de euros. É este o impressionante montante que o Ministério Público e a Polícia Judiciária conseguiram apreender à guarda da investigação conhecida como Rota do Atlântico, o inquérito que deu origem ao caso de corrupção que envolve o juiz da Relação de Lisboa, Rui Rangel, e a ainda sua mulher Fátima Galante, também juíza-desembargadora.
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Mais de 200 milhões de euros. É este o impressionante montante que o Ministério Público e a Polícia Judiciária conseguiram apreender à guarda da investigação conhecida como Rota do Atlântico, o inquérito que deu origem ao caso de corrupção que envolve o juiz da Relação de Lisboa, Rui Rangel, e a ainda sua mulher Fátima Galante, também juíza-desembargadora.
O processo Rota do Atlântico investiga indícios de corrupção internacional e branqueamento de capitais, envolvendo os empresários José Veiga e o seu sócio Paulo Santana Lopes, altos governantes congoleses e multinacionais poderosíssimas, como o grupo Gunvor, ligado à comercialização de petróleo, e a Asperbras, que se intitula no seu site como “um dos mais importantes grupos empresariais brasileiros”.
Segundo noticiou o Observador, Veiga, que seria representante da Asperbras no Congo, teria corrompido governantes congoleses para obter avultados contratos de obras públicas para aquele grupo brasileiro. O principal contrato sob suspeita está relacionado com a construção do complexo industrial e comercial de Maloukou, localizado nos arredores da capital, Brazzaville, um projecto que ocupa uma área de mais de 654 mil m2. Tal projecto, diz o Observador, só foi possível depois de a Sociéte National des Petroles du Congo-Brazzaville ter assinado um contrato de fornecimento de petróleo com a Gunvor que obrigaria esta última empresa a realizar um pré-financiamento de 500 milhões de dólares de um complexo industrial naquele país africano.
Os investigadores portugueses só conseguiram apreender os mais de 200 milhões através de pedidos de cooperação internacional bem-sucedidos. Apenas um décimo daquele montante estava depositado em Portugal, estando a esmagadora maioria das verbas na Suíça e em Cabo Verde. Foram cartas rogatórias enviadas para as autoridades suíças — as que estiveram na origem deste inquérito — e para Cabo Verde que permitiram congelar aquelas verbas.
Além dos milhões depositados em contas bancárias, a maior parte em nome de offshores que seriam representadas por testas-de-ferro, foram encontrados em Fevereiro de 2016, em dois cofres localizados numa moradia na Quinta da Marinha, em Cascais, vários milhões em notas, uma descoberta noticiada em primeira mão pelo PÚBLICO.
Na cave da moradia foi encontrada uma porta blindada, seguida de uma outra, que protegiam dois cofres num pequeno espaço. Nesses cofres estavam dezenas de maços de notas, a maioria cintada e embalada em plástico, num total de três milhões de euros, num cofre, e mais de quatro milhões de dólares, no outro. Curioso é que, até hoje, ninguém reclamou o dinheiro encontrado naquela casa que a Polícia Judiciária e o Ministério Público acreditam pertencer a um ministro congolês.
O inquérito, aberto em 2014 na sequência do envio de um pedido de colaboração das autoridades suíças, deu origem a uma mega-operação de buscas em Fevereiro de 2016, na qual foram detidos José Veiga, Paulo Santana Lopes e uma advogada. Veiga, que chegou a estar em prisão preventiva, já recuperou o seu passaporte e a sua mobilidade, estando apenas sujeito a uma caução de 1,2 milhões de euros. Paulo Santana Lopes pagou uma caução de um milhão, bastante menos que os três milhões pagos pelo presidente da Asperbras, José Colnaghi. Em finais de 2016, este empresário brasileiro apresentou-se voluntariamente ao Ministério Público português, que antes detivera o responsável financeiro da empresa, José Maurício Caldeira, na Argentina, no âmbito de um mandado de captura internacional emitido pelas autoridades portuguesas. Como noticiou o Observador, em Julho de 2016, Maurício foi extraditado para Portugal, cerca de dois meses depois de ter sido detido na Argentina. Também ele teve que pagar uma caução de dois milhões de euros, como medida de coacção, tendo ficado obrigado igualmente a apresentar-se às autoridades policiais e a não se ausentar do país.
Devido ao facto de a acusação deste caso ainda não ter sido proferida, as medidas de coacção tiveram que ser alteradas, mantendo-se apenas em vigor as cauções e os termos de identidade e residência.
A par dos morosos pedidos de cooperação internacional, um dos motivos do atraso desta investigação prende-se com o facto de a procuradora titular do inquérito, Susana Figueiredo, ter sido integrada na equipa de procuradores da Operação Marquês, onde foi um dos seis magistrados que assinou a acusação com o procurador Rosário Teixeira.
A procuradora também tem estado a apoiar o procurador Paulo Sousa, titular do caso que envolve Rangel. Nesta sexta-feira acabaram no Supremo Tribunal de Justiça os primeiros interrogatórios dos cinco arguidos da Operação Lex que se encontram detidos. As medidas de coacção que lhes iam ser aplicadas foram conhecidas já depois da hora de fecho desta edição.