"Morte por antecipação": guia para perceber a proposta do Bloco de Esquerda
Bloco de Esquerda aposta na expressão "morte por antecipação" e apresenta diploma para regulamentar a sua legalização.
O Bloco de Esquerda apresentou na sexta-feira ao Presidente da República o seu projecto em matéria de morte assistida. Este sábado, o mesmo é tornado público na conferência que o partido organiza sobre o tema.
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O Bloco de Esquerda apresentou na sexta-feira ao Presidente da República o seu projecto em matéria de morte assistida. Este sábado, o mesmo é tornado público na conferência que o partido organiza sobre o tema.
Nas dez páginas do texto, a palavra eutanásia nunca é usada. Na verdade, a expressão suicídio assistido também não. O diploma “define e regula as condições em que a antecipação da morte, por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável, não é punível”.
Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se interessado, fez perguntas e a conversa com José Manuel Pureza e João Semedo foi longa. Ainda assim, o Bloco não espera surpresas da parte do Presidente.
Eis as ideias principais que o projecto de lei bloquista contempla.
Quem está elegível para morte antecipada
Só alguém com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável é que pode propor-se para a morte antecipada. Além disso, tem de ser “pessoa maior, capaz de entender o sentido e o alcance do pedido (revogável a qualquer momento) e consciente no momento da sua formulação”. No projecto do Bloco, apenas surgem como legítimos os pedidos apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes no território de Portugal. São excluídos os turistas.
Intervenção de profissionais da saúde
A proposta do Bloco pressupõe que a antecipação da morte de alguém só não será punível se for mediada - praticada ou ajudada - por profissionais de saúde. O pedido tem de ser dirigido a um médico escolhido pelo doente. Cabe a este "médico responsável" verificar se o doente cumpre todos os requisitos e prestar-lhe toda a informação sobre a sua situação clínica, tratamentos disponíveis e prognóstico. Haverá sempre um parecer de um segundo médico, especialista na patologia em causa, para confirmar se o doente é elegível.
Palavra ao psiquiatra
Há dois casos em que um psiquiatra, eventualmente com a colaboração de um psicólogo clínico, deve ser chamado a pronunciar-se sobre a antecipação da morte de um determinado doente. A saber: quando os médicos tiverem dúvidas sobre a capacidade da pessoa para fazer o pedido e sempre que os médicos admitirem que a pessoa possa ser pessoa portadora de perturbação psíquica que afecte a sua capacidade de tomar decisões.
Data, hora e local combinados com médico
Se não houver qualquer parecer desfavorável à morte assistida, médico e doente combinam “o dia, a hora, o local e o método a utilizar para a antecipação do fim de vida”. O médico dá informações sobre os métodos disponíveis, que são dois: a auto-administração de fármacos letais pelo doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito - podem ser enfermeiros ou psicólogos. A decisão é da responsabilidade exclusiva do doente, mas a concretização implica sempre supervisão médica.
Em caso de perda de consciência
“No caso de o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão, ou se estiver disposto diversamente em Declaração Antecipada de Vontade constante do respectivo Testamento Vital”, lê-se na proposta do Bloco.
Presenças e locais autorizados
No momento da antecipação da morte podem estar presentes as pessoas indicadas pelo doente, mas tem de estar lá médico responsável e outros profissionais de saúde que praticam ou ajudam ao acto. A morte pode acontecer em casa, num local indicado pelo doente (desde que o médico considere que há condições) ou “em estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e dos sectores privado e social que estejam licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, que disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado”.
Objecção de consciência: um direito
Escreve o Bloco: “Nenhum profissional de saúde pode ser obrigado a praticar ou ajudar ao acto de antecipação da morte de um doente se, por motivos clínicos, éticos ou de qualquer outra natureza, entender não o dever fazer, sendo assegurado o direito à objecção técnica e à objeçcão de consciência a todos que o invoquem.” A recusa deve ser comunicada num prazo de 24 horas.
Boletim de registos acompanha doente na morte ou no arrependimento
Todos os passos dados desde o momento em que o doente se propõe antecipar a sua morte são registados num dossier chamado “boletim e registos”: o pedido, o parecer do médico, a opinião do psiquiatra, a reconfirmação do pedido, a decisão sobre o método escolhido, a certificação da morte… tudo. Se o doente se arrepender da decisão, o boletim ser-lhe-á entregue.
Relatório final feito em 15 dias
Após o óbito, o médico responsável tem 15 dias para entregar o relatório à Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte, cuja criação está prevista no projecto do Bloco. “Mesmo nos casos em que o procedimento é encerrado sem que tenha ocorrido a antecipação da morte do doente, mantém-se esta obrigação”.
Composição da Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte
A comissão tem nove elementos com mandatos de cinco anos, renováveis uma vez, e de acordo com os bloquistas devem ser “personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas áreas de conhecimento mais directamente relacionadas com a aplicação do presente diploma”. O Bloco propõe que três sejam juristas, três profissionais de saúde e três especialistas em ética ou bioética.