“A nossa aposta é o colinho. Damos o que já não existe noutras escolas”
O Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto, volta a ser o n.º 1. A Secundária Garcia de Orta, na mesma cidade, é a pública que mais se distingue. Mas é a Henrique Sommer, em Maceira, que constitui a surpresa deste ranking de escolas. Uma escola que luta, a cada ano, por não perder alunos para cidades (e escolas) maiores.
Sara Filipe começou a frequentar o Agrupamento de Escolas Henrique Sommer, na vila de Maceira, em Leiria, muito antes de se poder dizer que estava ali para estudar. Entrou aos quatro anos no jardim de infância e agora está a poucos meses de terminar o 12.º ano, aos 18 anos. Depois há-de seguir para o curso de Medicina. Não lhe faz confusão ter apenas 25 colegas da mesma idade. “Já pensei mudar para uma escola maior. Mas aqui tenho um nome, uma história, não sou mais um número. E fiquei.”
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Sara Filipe começou a frequentar o Agrupamento de Escolas Henrique Sommer, na vila de Maceira, em Leiria, muito antes de se poder dizer que estava ali para estudar. Entrou aos quatro anos no jardim de infância e agora está a poucos meses de terminar o 12.º ano, aos 18 anos. Depois há-de seguir para o curso de Medicina. Não lhe faz confusão ter apenas 25 colegas da mesma idade. “Já pensei mudar para uma escola maior. Mas aqui tenho um nome, uma história, não sou mais um número. E fiquei.”
Sara é uma espécie de aluna-tipo da Escola Básica e Secundária Henrique Sommer, a cerca de 15 quilómetros — e 15 minutos — de Leiria. Com 12,25 valores de média, esta é a escola-surpresa dos rankings deste ano [veja aqui a lista completa]. Em 10 anos nunca apareceu em lugares cimeiros até que em 2017 os seus alunos conseguiram a 2.ª melhor média das escolas públicas do país. A melhor pertence a um estabelecimento que não costuma sair-se mal: a Secundária Garcia de Orta, no Porto (12,42).
Olhando para escolas públicas e privadas, sem distinção, o n.º 1 absoluto do ranking é pela 6.ª vez ocupado pelo Colégio Nossa Senhora do Rosário, também no Porto: 14,92 de média. A ordenação do melhor para o pior resultado é feita pelo PÚBLICO com base nas médias dos exames de oito disciplinas — aquelas em que mais alunos são avaliados. Só são tidas em conta as 593 escolas com 50 ou mais provas realizadas.
“Abertura de horizontes”
A maioria dos alunos da Henrique Sommer fez ali todo o seu percurso escolar, num agrupamento onde o pré-escolar, o básico e o secundário formam uma escola única. Tanto no ano passado, como este ano, dizem os professores, houve uma “abertura de horizontes”: a maioria dos finalistas passou a ter o objectivo de seguir para o ensino superior, coisa que os pais não fizeram. E a escola subiu 194 lugares no ranking face a 2016.
Ana Paula Andrade, professora e coordenadora do departamento de Matemática da Henrique Sommer, explica a evolução: “A nossa aposta é o colinho. Não os levamos ao colo, mas percebemos que podemos dar um carinho e atenção que já não existe noutras escolas.”
Aqui o ensino “é mais humanizado”, prossegue, enquanto os colegas sentados à volta da mesa na pequena biblioteca anuem em aprovação. O director do agrupamento, Jorge Bajouco, fez questão que todos viessem explicar como “os resultados são fruto do trabalho comum”. Dizem que é por isto que a escola, com 33 anos, foi também, no ano passado, a que mais superou a média de exames que era esperada tendo em conta o seu contexto.
Esta é outra forma de olhar para o desempenho das escolas: em colaboração com a Universidade Católica, primeiro, e mais recentemente com Católica Porto Business School, o PÚBLICO tem analisado ano após ano para o desempenho das escolas tendo em conta também as características socioeconómicas dos seus alunos, como por exemplo a percentagem dos que beneficiam de Acção Social Escolar (ASE) — o apoio do Estado que só é atribuído a estudantes oriundos de agregados familiares que têm um rendimento mensal igual ou inferior ao salário mínimo nacional. As escolas do país são agrupadas em três contextos: do “contexto 1”, o mais carenciado, ao 3, o mais favorecido. A escola de Maceira, com 22% dos alunos do 12.º ano beneficiários da ASE em 2016, pertence ao escalão intermédio (2). E quando se compara com outras semelhantes consegue melhores notas nos exames.
“Isto é muito injusto, percebe?”
Se a pequena dimensão pode explicar o sucesso quando ele existe, também a coloca numa corda bamba. Nos últimos anos, a escola viu-se a braços com a perda de alunos. Na mudança para o secundário, a maioria troca a vila da Maceira — que não chegava a ter 10 mil habitantes nos censos de 2011 — pelos centros urbanos de Leiria, Batalha ou Marinha Grande a pouco minutos de caminho. Todos os anos é uma luta, diz Jorge Bajouco. “Não há bons exames que nos valham. Quando eles me dizem que noutras escolas terão mais pessoas da mesma idade, fico sem armas. Nisso não tenho como os contrariar.”
“Excelentes”, “focadíssimos”, “bons meninos”. Os professores repetem elogios aos finalistas do ano passado — os que conseguiram catapultar a escola para o topo do ranking. A decisão de ir para a universidade é determinante. E é o que melhor explica o facto de, num ano, a escola quase ter duplicado a média nos exames de Matemática (de 7,33 em 2016 para 13,64 valores em 2017). Melhorias também sentidas a Português (de 11,56 para 13,47 valores), disciplina em que obteve o terceiro melhor desempenho entre as escolas públicas.
“Aqui o facto de os alunos terem objectivos muito claros é uma grande vitória. É um meio pequeno e em que os encarregados de educação são muito dedicados, mas têm níveis de escolaridade baixos”, sublinha Clara Abrantes, a professora que levou os alunos do 12.º ano ao exame de Matemática e os acompanhava desde o 7.º. E há um apoio de retaguarda: os jovens têm apoio semanal às disciplinas de exame, voluntário e para toda a turma. “As colegas de outras escolas ficaram surpreendidas porque eles aparecem todos ao apoio. Se os pais não estivessem por trás, acha que eles vinham todos?”
Os resultados dependem também das características dos alunos, que podem mudar de ano para ano, já que a escola, garante o seu director, “trabalha sempre com o mesmo método”. Isso não impediu que, há cerca de 10 anos, “um ranking corresse muito mal”: “A agência Lusa ligou-me e foi uma dor muito grande”, conta Jorge Bajouco. “Eu dizia na altura que isto é muito injusto, percebe? Porque muitas vezes não caracteriza nada mesmo o trabalho das escolas. E o mesmo direi agora. Claro que temos muito orgulho em ter bons resultados, mas quem nos garante que daqui a uns anos as coisas não voltam a piorar?”
Muitos chumbos
Os alunos já estão à porta quando Ana Paula Andrade chega para a aula do 12.º ano no bloco mais recuado da escola. Aquele pequeno edifício branco, com beirais verdes e janelas de madeira, é também o mais antigo. Fará quase 100 anos que Henrique Sommer o mandou construir, nos limites da antiga Companhia de Cimentos de Leiria, da qual foi fundador, para que fosse a escola dos filhos dos operários.
Sentados ao fundo da sala, Francisco Marques e Rafael Lopes, de 17 anos, contam que, “se possível”, vão seguir para o ensino superior no próximo ano. Francisco faz mesmo questão de sair de Leiria, “conhecer outras realidades” fora da freguesia onde sempre viveu e da escola onde estuda desde o 5.º ano.
Quando começou o secundário havia duas turmas de 10.º ano. Um ano depois, o elevado número de reprovações fez com que se juntassem numa única classe. De facto, apesar dos bons resultados quando se fala de médias exames, a escola está entre as últimas naquele que pode ser considerado um “ranking alternativo” — o "indicador global dos percursos directos de sucesso" do Ministério da Educação mede ao longo de três gerações de estudantes, entre 2015 e 2017, quantos conseguem fazer o secundário sem chumbar um ano e ter positiva nas provas essenciais no 12.º. Quando as coisas são postas nestes termos, a Henrique Sommer fica em 521.º em 542 escolas para as quais há estes dados. O que significa que chumba mais os seus alunos do que seria de esperar face ao perfil escolar dos mesmo.
Mas a escola está a recuperar: melhora neste indicador quando se olha só para os estudantes que concluíram o secundário no ano lectivo de 2016/17. Quase 60% concluíram este nível de escolaridade sem retenções no 10.º e 11.º ano e tendo nota positiva nos dois exames do secundário.
O foco de Sara, que desde cedo tinha como objectivo entrar em Medicina, “está no projecto académico” e, nesse campo, acredita que “não podia ter escolhido melhor”. Tanto pelos colegas, “todos se ajudam”, como pelos docentes: “Nós somos quase como os sobrinhos deles.”