Eleições legislativas serão mais um campo de batalha pela Europa
Com as forças abertamente anti-União Europeia em ascensão no país, os principais líderes italianos no Parlamento Europeu estão a ser chamados de volta a casa.
As eleições legislativas de 4 de Março em Itália estão a deixar Bruxelas em polvorosa, com a perspectiva de o país vir a perder algumas das suas vozes com maior experiência e maior influência política nos corredores do poder europeu partirem para Roma, mas principalmente com o receio de que possa emergir das urnas uma maioria que afaste o futuro Governo de Roma da rota da construção europeia.
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As eleições legislativas de 4 de Março em Itália estão a deixar Bruxelas em polvorosa, com a perspectiva de o país vir a perder algumas das suas vozes com maior experiência e maior influência política nos corredores do poder europeu partirem para Roma, mas principalmente com o receio de que possa emergir das urnas uma maioria que afaste o futuro Governo de Roma da rota da construção europeia.
Além da saída anunciada do veterano eurodeputado Gianni Pittela, o presidente da Aliança Progressista de Socialistas e Democratas (S&D) que é o segundo maior grupo no Parlamento Europeu, a câmara legislativa está na iminência de perder o seu número um: o nome de Antonio Tajani, um dos fundadores do Forza Italia, continua a ser mencionado pelo líder do partido, Silvio Berlusconi, como uma “bela escolha”, e apontado pelos jornais como possibilidade para o cargo de primeiro-ministro. O presidente do Parlamento Europeu tem feito sucessivos desmentidos, insistindo não estar interessado na chefia do Governo italiano, mas não tem conseguido sossegar as hostes.
Quem não esconde a sua ambição de governar a Itália é o líder da extrema-direita Matteo Salvini, que transformou a Liga Norte num poderoso movimento anti-UE e que, seguindo o exemplo de outros políticos populistas e eurocépticos, como a francesa Marine Le Pen ou o britânico Nigel Farage, fez questão de ocupar um cargo europeu. Salvini primeiro-ministro é um cenário bastante improvável mas não inteiramente impossível, se as forças de direita alcançarem votos suficientes para negociar uma coligação.
Mas antes mesmo de se construirem cenários, o facto de personalidades como Tajani ou Pittella estarem em vias de largar os seus postos em Bruxelas dá bem conta de como a votação que se aproxima pode ser decisiva para os partidos — tradicionais ou convencionais — do centro direita e centro esquerda, e de como o seu desfecho está a ser encarado como um elemento de “alto risco” e potencialmente desestabilizador do projecto europeu.
Chamado pelo líder do seu Partido Democrático, Matteo Renzi, para salvar a situação na região da Lombardia, Gianni Pittella confirmou a sua candidatura ao Senado no mesmo dia em que anunciou a suspensão das suas funções de presidente do grupo dos socialistas e democratas — como os eurodeputados não podem suspender o mandato, o italiano deixou a porta aberta ao seu regresso a Bruxelas no caso de a sua campanha não ser bem sucedida.
Este estado transitório fez levantar alguns sobrolhos e gerou um relativo desconforto, com alguns dos colegas de bancada do italiano a lembrarem, em comentários anónimos, que “um comandante nunca abandona o barco”, principalmente em momentos críticos: o S&D corre o risco de ver a sua importância encolhida após as eleições de 2019, com a perda dos eurodeputados britânicos do Labour e a previsível debandada dos apoiantes de Emmanuel Macron.
"Situação é crítica"
De acordo com a eurodeputada socialista portuguesa Maria João Rodrigues, a grande maioria dos membros do grupo compreendeu o compromisso de Pitella com o líder do PD, assinalando que é consensual entre os parlamentares que devem precisamente ser as forças progressistas a liderar o combate em nome do projecto europeu.
“Temos em Itália uma situação que é crítica”, observou Rodrigues, num encontro com os jornalistas esta semana em Bruxelas. “Quem poderia imaginar que um país que sempre foi tão pró-europeu estaria em risco de ser governado por forças anti-europeístas que existem tanto à direita como à esquerda?”, perguntou, manifestando a sua preocupação com os discursos de líderes políticos ou da opinião pública “a defender abertamente a fragmentação da União Europeia ou a saída da Itália”.
Na hora da despedida (curiosamente, um até já em vez de um adeus definitivo), Pittella justificou a sua decisão de regressar a Itália com a necessidade de travar o risco que as forças anti-europeístas em ascensão representam para o projecto europeu. “Nos últimos vinte anos, a Europa foi a batalha da minha vida. Toda a minha paixão e todos os meus esforços foram devotados à construção de uma União Europeia progressista, que investe no crescimento, na justiça social e na solidariedade e que combate os egoísmos nacionais, a xenofobia, a austeridade cega e a fraude fiscal”, declarou, repetindo a mensagem de que o resultado da votação de Março “será determinante para o futuro da Itália e de toda a Europa”.
O alemão Udo Bullmann, primeiro vice-presidente do grupo parlamentar S&D, foi indicado para assumir a liderança, interinamente, até ser conhecido o desfecho das legislativas italianas. Só depois se fará uma votação para a escolha de um novo presidente — na presunção de que Gianni Pittella renunciará ao Parlamento Europeu para se mudar para o Senado italiano. “Esse é o desfecho mais provável”, considera Maria João Rodrigues, que não tem intenção de se candidatar ao lugar de presidente.