Crise política no Quénia estende-se às televisões e aos tribunais
Há cinco dias que os três canais mais vistos no país estão encerrados por ordem do Governo, como retaliação por terem transmitido protesto da oposição.
O Quénia continua mergulhado numa crise política, com a oposição a insistir em não reconhecer legitimidade ao Presidente Uhuru Kenyatta. O Governo mantém três das principais cadeias de televisão fechadas, desafiando uma ordem judicial.
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O Quénia continua mergulhado numa crise política, com a oposição a insistir em não reconhecer legitimidade ao Presidente Uhuru Kenyatta. O Governo mantém três das principais cadeias de televisão fechadas, desafiando uma ordem judicial.
As polémicas eleições presidenciais do ano passado continuam a manter o Quénia em clima de tensão. Na terça-feira, o líder da oposição Raila Odinga organizou uma “tomada de posse popular” em Nairobi, como forma de protesto contra a reeleição de Kenyatta. Em Agosto, o processo eleitoral ficou marcado por várias irregularidades e suspeitas de fraude, obrigando mesmo à repetição das eleições por ordem do Supremo Tribunal.
Odinga defendia que as eleições tinham sido fraudulentas por ter havido indícios de pirataria informática nos servidores da comissão eleitoral, e o tribunal acabou por lhe dar razão, marcando novas eleições.
A repetição, em Outubro, foi boicotada por Odinga – que exigia o afastamento de alguns membros da comissão eleitoral – e acabaria por confirmar a vitória de Kenyatta, reconduzido para um segundo mandato.
A oposição recusou reconhecer o resultado e manteve a postura de confronto, que culminou com a cerimónia de tomada de posse de Odinga na semana passada. Mas entretanto, o Governo abriu nova arena de tensão, agora com as televisões e o poder judicial.
Os três canais mais vistos no país transmitiram a tomada de posse de Odinga, que contou com dezenas de milhares de pessoas. Em resposta, o Governo ordenou o seu encerramento, que se mantém há já cinco dias.
"Governo paralelo"
Ao mesmo tempo, as autoridades mantiveram detidos durante algumas horas três deputados da Aliança Super Nacional (NASA, na sigla original) que estiveram presentes na cerimónia de terça-feira. Kenyatta acusa Odinga e o movimento de oposição de estarem a tentar construir um “governo paralelo” para competir com os poderes legítimos.
O Supremo Tribunal exigiu a suspensão do encerramento das televisões, mas o Governo tem mantido a decisão, dizendo tratar-se de um caso que envolve a “segurança nacional”. O black-out informativo imposto pelo Executivo tem sido muito criticado pelos quenianos, que temem um recuo na protecção da liberdade de imprensa. O encerramento dos canais é uma medida inédita no Quénia e recorda os abusos cometidos durante a ditadura de Daniel Moi, que durou entre 1978 e 2002, e em que as prisões de jornalistas e o fecho de publicações eram comuns.
A coordenadora do programa africano do Comité para a Protecção dos Jornalistas, Angela Quintal, disse à rádio NPR que a decisão do Governo pode levar à “erosão do estatuto do Quénia como líder da liberdade de imprensa em África”.
As Nações Unidas manifestaram preocupação com “as tentativas do Governo em interferir com o direito de liberdade de expressão”. Também o Departamento de Estado norte-americano, bem como o Reino Unido, antiga potência colonial do Quénia, deixaram apelos ao Governo para respeitar os direitos fundamentais, embora também tenham criticado a acção da oposição.
A insistência do Governo em manter as televisões encerradas poderá abrir um novo foco de confronto, avisam vários analistas. “Se o Governo não respeitar com a decisão do tribunal que é tão clara, então irá pôr em causa todo o Estado de direito”, diz à Reuters Murithi Mutiga, do International Crisis Group, que defende que “a próxima semana será um teste para a Constituição” do país.
A reacção de Kenyatta é também vista como demasiado pesada e com potencial para desestabilizar ainda mais o Quénia. “Desligar três meios de comunicação apenas porque podes é a definição de esmagar uma mosca pousada na tua cabeça com um martelo – doloroso, auto-destrutivo e contraproducente”, escreve no site da Al-Jazira a analista Nanjala Nyabola.