A narrativa de viagem já merece um Manifesto e ele anda a congeminá-lo
Começou como escuteiro, transformou-se num homem de montanha e agora Tiago Costa é o puto de bairro, o reguila que quer criar um plataforma alternativa de divulgação de conteúdo jornalístico na área da exploração e da viagem.
Se pudéssemos resumir um espaço às suas três principais características – ou, vá lá, às suas funcionalidades mais visíveis – dir-se-ia que o Manifesto é uma galeria de arte dedicada à fotografia documental, um quiosque de revistas independentes e uma banca de café. Mas, na verdade, o Manifesto, que abriu há cerca de um ano e meio no Mercado Municipal de Matosinhos, é bem mais do que isso. Ocupa um lugar nobre do histórico edifício (classificado como imóvel de interesse público e romaria habitual de quem procura peixe fresco e legumes de qualidade), é um lugar amplo, arejado, luminoso, minimalista: uma parede com prateleiras de revistas, um balcão com uma máquina de café, duas mesas, uma com livros e revistas, outra com cadeiras altas a convidar à conversa, ou a uma manhã de trabalho dos nómadas digitais que nem em espaços fixos de co-work se sentem em casa. Isto é o que se vê do lado da rua, e através das amplas janelas. Numa espécie de -1, encontramos ainda a tal galeria, que actualmente tem em exposição Coming Home, de David Guttenfelder, que se tornou o primeiro fotojornalista ocidental a ter acesso regular à Coreia do Norte.
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Se pudéssemos resumir um espaço às suas três principais características – ou, vá lá, às suas funcionalidades mais visíveis – dir-se-ia que o Manifesto é uma galeria de arte dedicada à fotografia documental, um quiosque de revistas independentes e uma banca de café. Mas, na verdade, o Manifesto, que abriu há cerca de um ano e meio no Mercado Municipal de Matosinhos, é bem mais do que isso. Ocupa um lugar nobre do histórico edifício (classificado como imóvel de interesse público e romaria habitual de quem procura peixe fresco e legumes de qualidade), é um lugar amplo, arejado, luminoso, minimalista: uma parede com prateleiras de revistas, um balcão com uma máquina de café, duas mesas, uma com livros e revistas, outra com cadeiras altas a convidar à conversa, ou a uma manhã de trabalho dos nómadas digitais que nem em espaços fixos de co-work se sentem em casa. Isto é o que se vê do lado da rua, e através das amplas janelas. Numa espécie de -1, encontramos ainda a tal galeria, que actualmente tem em exposição Coming Home, de David Guttenfelder, que se tornou o primeiro fotojornalista ocidental a ter acesso regular à Coreia do Norte.
O Manifesto pode ser fácil de descrever, mas é difícil de definir – como é difícil definir em poucas palavras aquilo que é, e que ainda quer ser, Tiago Costa, o homem que está por detrás da ideia e do espaço. Ele apresenta-se como “homem da montanha”, porque foi no respeito, na curiosidade e na exploração da montanha que ele começou para depois se transformar num empreendedor que pratica o “Novo Capitalismo” - aquele que procura ter, e dar aos colaboradores, condições acima da média, mas que não se repete em ampliações da casa ou em melhorar a cilindrada do carro. Como empreendedor que é, abriu há dez anos a Nomad, agência de viagens e aventura, com o objectivo de ser rentável e sustentável. Uma década depois teve margem para abrir o Manifesto, que se apresenta ao mundo como “pólo agregador e dinamizador de uma comunidade curiosa e criativa”.
Bem vistas as coisas, esta é uma definição onde cabe quase tudo. Por isso é importante perguntar a Tiago Costa como é que lhe surgiu a ideia de abrir num mercado municipal, conhecido pelo seu peixe do dia e legumes frescos, um espaço tão difícil de circunscrever como é o Manifesto. Mas a resposta foi clara e concreta, como é apanágio de alguém organizado e metódico, persistente e resiliente. Foi no Natal de 2016, em que pegou na família e foi passar dez dias à capital da Dinamarca. “Estou em Copenhaga e começo a reparar em malta dos mais diversos ofícios, com os seus pequenos ateliers. Por exemplo, marceneiros que tinham a mesa de trabalho virada para a frente da rua. Senti: é isto!”.
Isto o quê? Se a palavra epifania pode parecer abusiva, a palavra revelação não o será, com certeza. Porque foi nesse momento que percebeu o que queria fazer para contornar o “período de saturação pessoal” que estava a começar a sentir com os dez anos de viagens que já levava às costas, à frente da Nomad. “Estava a ser um período de algum desgaste, não porque a agência estivesse com problemas, porque, felizmente, as dores de crescimento que teve, que tem, são sempre desafios. Mas eu estava a sentir necessidade de ter alguma flexibilidade, espaço para falar de outros temas”, explica, referindo-se, por exemplo, ao trabalho sobre os talibés (as crianças maltratadas nas escolas corânicas do Senegal) que o fotojornalista Mario Cruz expôs na galeria. A pulsão, agora, era abrandar, ter mais interacção humana, maior consciência do impacto que pode provocar nas comunidades locais, nas que visita e nas que integra.
“Depois de ter percebido o que procurava, e que a minha cena era voltar à fotografia e à reportagem, uma área que pensei abraçar antes de ter optado por avançar pela agência de viagens, comecei a procurar espaços. Nunca tinha pensado num espaço com esta dimensão, nem com esta envolvência. Mas ainda bem que viemos aqui parar. Faz todo o sentido estar inserido nesta comunidade”, assegura.
A viagem, a fotografia, a descoberta, a reportagem, também podem ser consideradas artes. E estes ofícios podem, e devem, ser trabalhados e mimados assim, em espaços amplos e colaborativos onde entram os que já sabem muito da arte e aqueles que acham que ainda têm tudo por aprender. “Temos uma ambição semi-arrogante, semimodesta, de criar uma plataforma alternativa de divulgação de conteúdo jornalístico. Ainda andamos a navegar na maionese, mas esta arrogância materializa-se em coisas muito práticas. O livro Carvão de Aço, de Adriano Miranda (fotojornalista do PÚBLICO), não estava à venda na Fnac, mas está nas prateleiras do Manifesto”, recorda. O Manifesto também tem uma editora própria, que tem a conveniência de não trabalhar com as regras todas - “porque não é o nosso negócio; nós somos uma espécie de puto do bairro e esta abordagem traz-nos algumas vantagens”, afirma.
São esses caminhos ainda pouco definidos que anda agora a desbravar, procurando descobrir como pode dar corpo a projectos sólidos e materializáveis, em que entram nomes conhecidos como Paulo Moura (ex-jornalista do PÚBLICO, e que ganhou a Bolsa de Exploração Nomad, que é gerida pelo Manifesto, e lhe permitiu realizar as reportagens que vão à estampa num livro a editar em Maio), ou os fotógrafos que integram o Colectivo Photo, como António Pedrosa ou Lara Jacinto, e que estão há alguns anos a desenvolver o projecto The Thin Line, uma reportagem fotográfica que retrata o quotidiano nas fronteiras, promove uma reflexão sobre o que separa - física e metaforicamente - os países da Europa.
É normal que todos estes protagonistas vão preenchendo a recheada agenda cultural que o Manifesto se propõe manter. O desafio que lhe foi lançado pela Câmara Municipal de Matosinhos, a quem arrendam o espaço, o de serem um verdadeiro programador cultural e um pólo de atracção ao mercado, está a ser abraçado com empenho e entusiasmo. Para além das exposições de fotografia, dos workshops e das palestras, o Manifesto é também organizador de eventos mais amplos, como a primeira mostra de cinema de viagem e aventura, que durante três exibiu filmes que nos inspiraram a explorar e a proteger o nosso planeta. “Trouxemos cerca de um milhar de pessoas ao mercado. Este ano vamos repetir”, avançou Tiago Costa.
O Manifesto é uma associação cultural sem fins lucrativos, e a Nomad é o mecenas assumido, que paga as contas (renda e salários) quando as coisas não correm bem. Mas para já, “estão a correr”.