Avaliação, exigência e ensino: sensibilidade, preconceito e pouco bom senso
Será que a punição aumenta a probabilidade de melhorias no estudo e traz vantagens ao nível do aproveitamento geral?
Não sendo um receituário de soluções, no PISA 2015 Results Students‘ well-being Volume III reconhece-se que a pressão para conseguir resultados elevados e a preocupação originada ao conseguir classificações baixas são fontes de stress frequentemente citadas por crianças em idade escolar e adolescentes.
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Não sendo um receituário de soluções, no PISA 2015 Results Students‘ well-being Volume III reconhece-se que a pressão para conseguir resultados elevados e a preocupação originada ao conseguir classificações baixas são fontes de stress frequentemente citadas por crianças em idade escolar e adolescentes.
Após um inquérito, é perceptível que nos países da OCDE 59% dos alunos reconhecem que ser submetido a um teste será difícil, 66% que se preocupa com as notas, 55% que se sente ansioso por causa dos testes, mesmo estando bem preparado, 37% que fica tenso ao estudar, 52% que fica nervoso quando não sabe resolver uma tarefa na escola (p.40).
Pode ler-se no documento que os alunos motivados tendem a ter um melhor rendimento escolar. Em média na OCDE, os alunos mais motivados atingem 38 pontos acima em ciências do que os alunos menos motivados (p.43).
Terá, assim, razão o discurso que denuncia um alegado facilitismo no ensino ao defender como pedagogicamente vantajoso uma “exigente mão pesada” e um tratamento punitivo?
É necessária a autoconsciência para atingir uma interiorização por parte do aluno de que vale a pena estudar. O grau de internalização das normas inerentes ao sucesso marca a diferença nos resultados dos alunos (p.95). Alunos cuja motivação para o sucesso deriva de incentivos externos, da necessidade de agradar a terceiros e controlo, frequentemente, não experimentam entusiasmo e interesse, cruciais para uma aprendizagem autónoma, sofrendo de ansiedade (p.100), enfado e um sentimento de alienação e deixando de estar interessados naquilo que é ensinado e somente nos conteúdos que serão testados.
Um estudo publicado na última edição da revista Proceedings of the National Academy of Sciences demonstrou que a ameaça de castigo nem sempre é a melhor solução, do ponto de vista da cooperação no contexto alargado da sociedade.
Ora, será que a punição aumenta a probabilidade de melhorias significativas ao nível da motivação, estudo, acréscimo de participação e traz vantagens ao nível do aproveitamento geral?
Em The Paradox of Success at a No-Excuses School, Joanne W. Golann (2015) refere que as escolas mais disciplinadoras definidas como “No-Excuses School” desenvolvem “worker-learners”, crianças que inibem as suas opiniões, ao invés de promoverem a aprendizagem ao longo da vida.
Por sua vez, em No-excuses for character: A critique of character education in no-excuses charter schools, Gideon Dishon e Joan F. Goodman (2017) afirmam que o modelo “no-excuses” se caracteriza por uma conceptualização instrumentalista da força de carácter enquanto meio para conseguir concluir os estudos.
Um ambiente excessivamente stressante, de grande pressão, conduzindo ao aumento da ansiedade e ao sentimento de desesperança é potenciador de uma ideação suicida. Segundo a OMS, o suicídio é a segunda maior causa de morte nos jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos, a seguir a acidentes de viação. Dificuldades de aprendizagem, baixo rendimento escolar, dificuldades e pressões académicas e bullying são fatores de risco.
O PISA 2015 Results Students’ well-being Volume III salienta que a relação professor-aluno é fundamental (particularmente relevante para crianças desfavorecidas) para o compromisso do aluno com a escola e o seu desenvolvimento socioemocional, através de um ambiente de aprendizagem respeitador, acolhedor e atencioso.
As análises do PISA 2012 deixam claro que esse tipo de relacionamento conduz a um melhor desempenho em disciplinas como a matemática, contribuindo para um aumento do espírito de inclusão e pertença do aluno relativamente à escola. No PISA 2015, um número substancial de alunos identificaram vários tipos de comportamento injusto dos professores.
Em média, nos países da OCDE, 35% dos alunos referiram que ao longo do mês tinham a percepção de serem menos solicitados a participarem do que os colegas, 21% que os seus professores lhes davam a impressão de serem menos inteligentes do que na realidade são, 18% que os professores os avaliavam mais severamente do que aos seus colegas, 14% que os disciplinavam mais do que aos outros, 10% que eram mais ridicularizados e 9% que os professores os insultavam em frente a outras pessoas (p.126).
O enquadramento legal não inviabiliza o subjetivismo procedimental. À revelia de critérios aprovados e divulgados (referenciais comuns) são frequentes situações em que a descida é penalizadoramente valorizada em detrimento da média, a atribuição da mesma classificação para todos os alunos da turma, acertos de classificações no terceiro período, exclusão de partes de programa, nota máxima, desconsideração da avaliação contínua, adulteração das percentagens definidas nos critérios de avaliação, menorização do rendimento face a um pré-juízo do aluno baseado em expectativas (prática vulgar no 1.º período, nas avaliações intercalares, face à escassez de informação).
Pretendendo inviabilizar a negligência do aluno, salvaguardam-se responsabilidades pelas descidas dos resultados do aluno ou o questionamento de encarregados de educação, de direções de escolas, de rankings.
Uma classificação superior à atribuída internamente, obtida em exame, faz, erradamente, louvar os méritos destas atitudes, a qual não compensa todos os cortes a que o aluno foi submetido e que inclui uma preparação conseguida, com esforço, familiar (explicações e bibliografia extra), não alcançável por todas as famílias, o que compromete uma meritocracia. Uma avaliação demasiado penalizadora deixa os melhores resultados ao alcance dos que têm acesso facilitado a uma melhor preparação. Entendendo a educação como um mecanismo potenciador da mobilidade social, acaba contribuindo para perpetuar a desigualdade social, num contexto onde se vem reconhecendo que os testes padronizados favorecerem, por si só, os alunos com backgrounds privilegiados, acentuando esse elitismo.
Em relação a estes, segundo o PISA 2015 Results – Policies and practices for successful schools Volume II (p.137), em média nos países da OCDE cerca de nove em cada dez alunos frequentam escolas cujos diretores admitem que os testes desenvolvidos pelos professores servem para orientar os alunos e informar os pais acerca dos progressos do seu educando. As decisões mais relevantes sobre como melhorar a forma como os alunos são ensinados baseiam-se nesses testes (p.138).
A má utilização dos dados colhidos nas provas fragiliza a função dos testes servirem como incentivos ao estudo, em particular se tiverem consequências diretas no rendimento escolar.
Uma meritocracia funcional baseada numa avaliação do desempenho e na possibilidade de testar a competência e habilidade depende da capacidade de medir cabalmente o mérito. A arbitrariedade compromete a transversalidade e a ideia de que no fim o trabalho é recompensado.
Não abdicar da curiosidade e do pensamento crítico por troca com o resultado final, evitar acentuar a desigualdade de oportunidades e operacionalizar critérios rigorosos é obrigatório.
Uma “escola justa” preconizará, certamente, a igualdade de oportunidades e de obtenção de resultados e uma aferição rigorosa do desempenho baseada na valorização do esforço e dedicação pessoais e na sua recompensa e não num processo aleatório e acriterioso.
Ambicionar atingir boas classificações e valorizar aquilo que é ensinado/aprendido não são metas incompatíveis, sendo que uma avaliação (que em si não tem capacidade de instrução) equitativa, imparcial e rigorosa e um grau de exigência adequado são condições sine qua non para uma escola justa. Sem isso a escola corre o perigo de se poder transformar num mero instrumento certificador que se limita a preparar para os exames, desvirtuando a sua função formadora.
Stress e espírito de injustiça crescente, inexistência de um denominador comum na avaliação, incentivo ao abandono escolar ao transformar-se o ensino num universo de metas inatingíveis, desigualdade de oportunidades e inviabilização de uma meritocracia, incentivo à competitividade e desvalorização da solidariedade entre pares, banalização do mérito, trivialização do trabalho, uma avaliação que não é consequente com o empenho e resultado deste derivados são, atualmente, ameaças. Louvar a exigência e privilegiar a avaliação não basta!
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico