Mantêm-se “indícios suficientes” para levar 19 arguidos dos Comandos a julgamento

Debate instrutório começou esta quinta-feira depois de ouvidas testemunhas e cinco militares acusados. Advogados de defesa pedem que os arguidos não sejam pronunciados.

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LUSA/MáRIO CRUZ

A procuradora Cândida Vilar considerou que, depois de ouvidas as testemunhas e os cinco arguidos que pediram para ser ouvidos na fase de instrução, se mantinham “os indícios suficientes para pronunciar todos os acusados”. E deu “por reproduzida a acusação” que deduziu em Junho do ano passado contra os 19 arguidos por crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.

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A procuradora Cândida Vilar considerou que, depois de ouvidas as testemunhas e os cinco arguidos que pediram para ser ouvidos na fase de instrução, se mantinham “os indícios suficientes para pronunciar todos os acusados”. E deu “por reproduzida a acusação” que deduziu em Junho do ano passado contra os 19 arguidos por crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.

A magistrada do Ministério Público pediu que todos vão a julgamento no início do debate instrutório do processo das mortes no curso dos Comandos, em que estiveram presentes 15 dos 19 arguidos e os pais de Dylan da Silva".

A procuradora titular do processo defendeu estar em causa um crime estritamente militar, em resposta à argumentação de representantes dos arguidos de que este não se trata aqui de um crime estritamente militar, por considerarem que “não são lesivos dos interesses militares da defesa nacional”. O Código de Justiça Militar prevê penas mais gravosas do que o Código Penal para o crime de ofensa à integridade física, prevendo aqui o abuso de autoridade quando esse crime é cometido no exercício das suas funções.

Cândida Vilar contrapôs lembrando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou como crime militar no contexto de um outro curso de Comandos: quando o instrutor, para garantir que o instruendo fazia correctamente as flexões que não estava a conseguir fazer, lhe colocou um canivete por baixo do abdómen, e o perfurou.

Por analogia, considerou a magistrada, “estamos perante crimes estritamente militares”. E reforçou: os crimes “foram cometidos por militares, num regimento de formação militar contra militares”, resultando em “graves lesões físicas e neurológicas nos ofendidos e na morte de dois subordinados”. Os ofendidos e as vítimas Hugo Abreu e Dylan da Silva estavam a ser formados “para integrarem uma tropa especial do Exército”, acrescentou.

A Prova Zero, anteriormente designada por Prova da Sede, a primeira e mais exigente do curso 127, começou na madrugada de 4 de Setembro, dia em que as temperaturas do ar e do solo rondaram os 40 graus Celsius. A prova foi suspensa às 16h, quando na enfermaria já estavam a ser assistidos 23 instruendos. Hugo Abreu morreu por volta das 21h30, ainda no Campo de Tiro de Alcochete, e Dylan da Silva foi transferido para o Hospital do Barreiro e depois para o Hospital das Forças Armadas, para ser submetido a um transplante de fígado, e viria a morrer seis dias depois, a 10 de Setembro. Ambos tinham 20 anos.

“Pela memória de Hugo Abreu, pela memória de Dylan da Silva” – disse Ricardo Sá Fernandes, advogado da família de Hugo Abreu – “eu espero que venhamos a ter um julgamento justo” e “que não haja pressão sobre as testemunhas”. E acrescentou: “[Aqueles que forem pronunciados] vão ter oportunidade de se defender [em julgamento]. Não queremos condenar inocentes, mas queremos que os culpados sejam condenados. É muito importante que não se banalize o mal.”

O que foi apresentado na instrução “não abala, mas reforça o que está na acusação”, considerou também o advogado Miguel Santos Pereira, em representação da mãe de Dylan da Silva. Disse-o referindo os depoimentos de testemunhas ouvidas na fase de instrução iniciada a 23 de Janeiro: o de uma técnica do INEM sobre as medidas a tomar em situações de emergência e o de um militar, o capitão Miguel Faro, que defendeu que os instrutores têm flexibilidade perante o cumprimento das regras previstas nos manuais ou guião da prova, quando as circunstâncias são excepcionais. Santos Pereira sugeriu, além disso, que a acusação devia ter atingido os superiores hierárquicos quando disse "temer" que este processo fique parado no tenente-coronel Mário Maia, director do curso 127.

“A culpa não é de quem está aqui sentado, a culpa é do Exército e do chefe do Estado-Maior do Exército [general Rovisco Duarte]”, disse, em defesa do director do curso, o advogado Alexandre Lafayette, quando descreveu as condições dadas aos instrutores para ministrar o curso. “Eram os meios que tinham. E quem está no escalão inferior não pode desobedecer a um superior", referiu.

“A esmagadora maioria não devia estar aqui”, insistiu Alexandre Lafayette, para quem o grande desafio deste processo “é não se cometer uma injustiça”. Na mesma linha, Raquel Alves, advogada do capitão Rui Passos Monteiro, comandante de companhia de formação do curso 127, considerou ser uma “injustiça” que as pessoas que não tinham quaisquer condições para alterar as circunstâncias da prova serem “as pessoas que estão sentadas” como acusados, neste debate instrutório, de onde resultará a decisão da juíza do Tribunal de Instrução Criminal de irem ou não a julgamento.