Juiz Rui Rangel terá recebido centenas de milhares de euros de origem ilícita

Investigadores encontraram 10 mil euros em notas de 500 euros numa arrecadação da casa do magistrado da Relação de Lisboa.

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Rui Rangel Enric Vives-Rubio

A Polícia Judiciária (PJ) detectou montantes na ordem das centenas de milhares de euros sem qualquer justificação lícita que terão chegado às mãos do juiz Rui Rangel, do Tribunal da Relação de Lisboa, ao longo de vários anos. Os investigadores acreditam que as verbas são luvas que o magistrado terá recebido para dar decisões judiciais favoráveis às pretensões de quem lhe pagava. Terá cobrado igualmente pela alegada influência no desfecho de processos judiciais que estavam nas mãos de colegas, que desconheceriam os “negócios” feitos pelo magistrado.  

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A Polícia Judiciária (PJ) detectou montantes na ordem das centenas de milhares de euros sem qualquer justificação lícita que terão chegado às mãos do juiz Rui Rangel, do Tribunal da Relação de Lisboa, ao longo de vários anos. Os investigadores acreditam que as verbas são luvas que o magistrado terá recebido para dar decisões judiciais favoráveis às pretensões de quem lhe pagava. Terá cobrado igualmente pela alegada influência no desfecho de processos judiciais que estavam nas mãos de colegas, que desconheceriam os “negócios” feitos pelo magistrado.  

Nas buscas que ocorreram na terça-feira na casa de Rui Rangel, um apartamento integrado num condomínio de luxo com vista sobre o Tejo, em Oeiras, foram apreendidos 10 mil euros em notas de 500 euros que estavam escondidos numa arrecadação do imóvel. Os investigadores encontraram igualmente um montante significativo de dinheiro vivo na casa do oficial de justiça que trabalhava na mesma secção criminal de Rangel, no Tribunal da Relação de Lisboa, e que, segundo os indícios recolhidos, terá tido um papel de intermediário numa parte dos casos de corrupção de que o magistrado é suspeito. Nesta casa foram ainda encontrados vários quadros de valor, que foram apreendidos.

O oficial de justiça e os outros quatro detidos foram presentes nesta quarta-feira ao juiz-conselheiro Pires da Graça, no Supremo Tribunal de Justiça. Este magistrado (e não Souto Moura como o PÚBLICO escreveu erradamente ontem) é o juiz de instrução do caso, sendo ele o responsável pela aplicação das medidas de coacção. A confusão entre os dois nomes surgiu devido ao facto de Souto Moura, como outros juízes do Supremo, terem participado esta terça-feira na megaoperação de buscas levada a cabo pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária. Os detidos – quatro homens e uma mulher – chegaram ao fim da tarde ao Supremo e só ao início da noite terão começado a ser identificados. Os interrogatórios só deveriam começar esta quinta-feira.

Esta quarta-feira, além de identificados, os cinco detidos – um oficial de justiça, dois advogados, o filho de um deles e a mãe de um dos três filhos de Rangel – devem ter sido confrontados com a prova apreendida durante as buscas e ainda com os elementos recolhidos no decurso da investigação. O advogado José Bernardo Santos Martins, amigo de longa data de Rangel e que a polícia acredita que seria o seu principal testa-de-ferro, terá de justificar os inúmeros depósitos em dinheiro que fazia nas contas de Rangel, sempre de valores inferiores a 10 mil euros para fugir aos alertas que os bancos são obrigados a fazer quando há depósitos em numerário de montante superior àquele valor. O seu único filho, também detido esta terça-feira, terá que explicar porque foram detectadas avultadas quantias nas suas contas, dinheiro que teria Rangel como destinatário final.

Esta quinta-feira subiu para 12 o número de arguidos da Operação Lex. A par do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e do seu vice-presidende Fernando Tavares, foi constituído arguido o advogado João Rodrigues, que foi presidente da Federação Portuguesa de Futebol.

Apesar de ser o principal arguido deste caso, Rui Rangel conseguiu escapar à detenção, porque a lei não permite a detenção preventiva de juízes fora de flagrante delito. A mesma prerrogativa foi concedida à sua mulher Fátima Galante, também juíza no Tribunal da Relação de Lisboa, de quem o magistrado estava separado de facto há mais de década e meia. As suspeitas que recaem sobre Fátima Galante são essencialmente relativas ao crime de branqueamento de capitais, já que os investigadores encontraram indícios de que a juíza-desembargadora ajudaria Rangel a dissimular o dinheiro sujo que receberia, tendo, por isso, consciência da origem ilícita do mesmo.  

Curioso é que uma jurista que manteve uma relação amorosa com o juiz (e é mãe de um dos três filhos do magistrado) está indiciada pelo mesmo crime  – branqueamento de capitais – mas como não é juíza, acabou detida e pode acabar em prisão preventiva, uma medida de coacção que não se pode aplicar aos juízes.   

Não é pacífica a disposição legal do estatuto dos magistrados que impede tanto juízes como procuradores de serem presos preventivamente fora de flagrante delito. “É inconstitucional”, diz mesmo o penalista Paulo Saragoça da Matta, para quem a norma é também anacrónica.

A inconstitucionalidade, justifica, provém do facto de violar o princípio da igualdade: não se justifica esta diferença de tratamento em relação aos restantes cidadãos, uma vez que uma eventual prisão de um magistrado teria de ser sempre ordenada, à luz dos procedimentos em vigor, por um juiz de categoria superior ao visado – o que continuaria a proteger a independência do poder judicial, que se quer salvaguardado de interferências do poder político. O professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto André Lamas Leite discorda: acha que este privilégio se justifica, precisamente porque visa manter essa independência.

Discutível é também se pode ser vir a decretada a Rui Rangel e à mulher prisão domiciliária. “É uma medida que pode vir a ser aplicada pelo juiz”, equaciona Saragoça da Matta. Já Lamas Leite pensa que, ao proibir a prisão preventiva, o estatuto dos magistrados dificilmente admitirá a utilização da permanência obrigatória na habitação com pulseira electrónica. Na realidade o documento legal é omisso, pelo facto de ainda não ter sido instaurada a prisão domiciliária quando foi redigido, em 1985.

Quando foi constituída arguida Fátima Galante estava prestes a ser nomeada para o Supremo Tribunal de Justiça – uma possibilidade que teoricamente ainda poderia acontecer, caso não houvesse uma comunicação formal ao Conselho Superior da Magistratura até ao próximo dia 6 de Fevereiro – data da reunião que iria formalizar esta promoção – da nova condição da juíza, agora a contas com a justiça. Também Rui Rangel já concorreu ao Supremo, mas acabou por não entrar. Apesar de arguidos por crimes graves ambos os magistrados mantêm-se em funções no Tribunal da Relação de Lisboa.

A Operação Lex, como foi apelidada pela PJ, nasceu de uma outra investigação, que ficou conhecida como Rota do Atlântico e que tem como figura central o empresário José Veiga, sobretudo conhecido pelas suas ligações ao futebol. Tudo começou porque no âmbito da Rota do Atlântico foram realizadas buscas ao escritório do advogado Santos Martins, que recebera através do seu único filho avultados montantes de José Veiga. Nas buscas foram encontrados vários documentos que comprometiam o juiz Rui Rangel, nomeadamente projectos de acórdão daquele magistrado. Com Ana Henriques