Antigo primeiro-ministro processa ABC pelas informações reveladas nos Cabinet Papers

Em causa está um relatório sobre riscos de segurança associados a um programa governamental ignorados pelo então primeiro-ministro. Programa provocou a morte de quatro cidadãos.

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Kevin Rudd acusa o canal de estar a mentir Reuters/MICK TSIKAS

O ex-primeiro-ministro australiano Kevin Rudd vai avançar com um processo contra o canal australiano ABC pelas revelações que fez esta quarta-feira ao noticiar o conteúdo de centenas de documentos secretos do Estado australiano encontrados numa loja de artigos em segunda mão. O político australiano, ex-líder federal do Partido Trabalhista australiano, acusa o canal de estar “a mentir”.

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O ex-primeiro-ministro australiano Kevin Rudd vai avançar com um processo contra o canal australiano ABC pelas revelações que fez esta quarta-feira ao noticiar o conteúdo de centenas de documentos secretos do Estado australiano encontrados numa loja de artigos em segunda mão. O político australiano, ex-líder federal do Partido Trabalhista australiano, acusa o canal de estar “a mentir”.

De acordo com a ABC (Australian Broadcasting Corp), Kevin Rudd, à data primeiro-ministro, a sua sucessora Julia Gillard e outros dois ministros trabalhistas foram avisados quanto aos “sérios riscos” de segurança de um programa governamental de eficiência energética no isolamento doméstico. O programa acabou por provocar a morte de quatro funcionários responsáveis pela sua instalação, vítimas de electrocução e hipotermia. O programa acabou por ser suspenso em 2010.

Kevin Rudd voltaria ao cargo de primeiro-ministro em Junho de 2013, após disputas internas no seu partido. Saiu em Setembro desse mesmo ano, na sequência das eleições legislativas.

Em 2014, Rudd afirmou que a aplicação do programa governamental teria sido adiada caso tivesse sido avisado sobre os riscos de segurança associados. “Até Fevereiro de 2010, todos os relatórios mensais garantiam que estava tudo bem com o programa governamental de eficiência energética”, afirmava há quatro anos, segundo a ABC.

No entanto, um relatório do Ministério do Ambiente australiano datado a 6 de Abril de 2009 — que consta nos documentos secretos encontrados — revela que o Governo foi avisado dos riscos de segurança, sem especificar quais os riscos em causa.

Numa resposta à comissão de inquérito, Rudd garantia apenas ter recebido dois relatórios, escritos em Fevereiro de 2009, e não tinha “registo de outros relatórios realizados após essa data”.

Esta quarta-feira, depois de a ABC ter publicado a investigação, o antigo primeiro-ministro australiano afirmou que o conteúdo citado dos documentos secretos era “falso”. Num comunicado enviado pelo seu representante legal, e citado pela ABC, o político australiano nega ter tido conhecimento sobre os riscos associados ao programa governamental e remete a sua resposta para a mesma dada à comissão de inquérito em 2014.

A Comissão de Inquérito sobre o Programa de Isolamento Doméstico teve um acesso sem precedentes ao material do gabinete e não fez nenhuma constatação adversa contra o sr. Rudd.

Qualquer afirmação de que o sr. Rudd foi avisado sobre os riscos de segurança para os funcionários responsáveis pela instalação das estruturas — ou que não actuou perante tais avisos — não ter qualquer fundamento e é falsa, conforme concluiu a comissão.

Estes assuntos são descritos detalhadamente no relatório da comissão de inquérito. As secções 7.11-7.12 do relatório descrevem detalhadamente o processo de avaliação de risco, que incluiu a entrega do relatório de 9 de Abril de 2009 por advogados externos ao Governo.

A comissão de inquérito constatou que este relatório omitiu o risco de ferimentos para os responsáveis pela instalação. Apesar de vários pedidos, a ABC não forneceu o documento em causa, citado no seu artigo.

É evidente que, a 6 de Abril, os riscos ainda estavam a ser investigados. Qualquer documento com data dessa altura deve ser contextualizado de acordo com o que estava a decorrer. O mesmo em relação a muitos outros documentos descritos extensivamente no relatório da comissão de inquérito.

Todos os documentos, incluindo os documentos do departamento que tratou deste assunto, foram entregues à comissão de inquérito pelo Governo de [Tony] Abbott e foram todos detalhadamente examinados. A comissão de inquérito foi, em grande parte, direccionada politicamente contra o sr. Rudd. Mas, apesar disso, a comissão não fez nenhuma acusação.

Os restantes membros do Governo envolvidos na aplicação do programa recusaram comentar as revelações.

ABC mantém as informações reveladas

Numa reacção às acusações de Rudd, o director de informação da ABC, Gaven Morris, reforça que o canal mantém todas as informações citadas na investigação e dá de conta que está a trabalhar com o Governo australiano para garantir que os ficheiros secretos estão seguros.

Além de Rudd, são também visados o antigo primeiro-ministro Tony Abbott, do Partido Liberal — que terá estudado a possibilidade de negar apoio social a menores de 30 anos — e Scott Morrison, do Partido dos Conservadores, por ter tentado atrasar deliberadamente a entrega de vistos permanentes a refugiados que chegaram ao país no final de 2013.

Sabe-se também agora que o antigo Governo de John Howard tinha a intenção de retirar o direito a permanecer em silêncio durante um interrogatório policial.

Para além de darem conta de decisões e intenções de cinco governos australianos, os Cabinet Files denunciam constantes falhas ao nível de segurança interna e externa. Já em 2013, a ministra Penny Wong deixou no seu gabinete cerca de 200 ficheiros altamente secretos e protegidos com palavra-passe, quando o Partido Trabalhista perdeu as eleições. Entre as informações deixadas nos armários estavam pormenores de planos para proteger os Emirados Árabes Unidos do Irão, actualizações sobre a guerra no Afeganistão, informações sobre os vizinhos do país e perfis de suspeitos de terrorismo. 

Os documentos revelam ainda que Polícia Federal australiana perdeu cerca de 400 ficheiros de segurança nacional entre 2008 e 2013, numa altura em que os temas mais sensíveis da actualidade diziam respeito ao número de militares no Afeganistão e no Iraque, a antiterrorismo e à protecção das fronteiras australianas.