Um prodigioso poeta de calções
O escritor esperava um homem de idade, um sábio de clausura, mas na pessoa do poeta abençoado apareceu-lhe um aluno liceal, imberbe, de calções.
Integrada no ciclo “De Zeus a Varoufakis” (curiosa maneira de ver a Grécia nos destinos da Europa), é apresentada esta quinta-feira no CCB a ópera Elektra, de Richard Strauss (às 20h), com repetição dias 4 (16h) e 7 (20h). Mas não é de ópera nem de Strauss que trata esta crónica, e sim de um prodigioso poeta amigo de Strauss nascido em 1 de Fevereiro, há exactamente 144 anos: Hugo von Hofmannsthal. É verdade que Hofmannsthal escreveu para Strauss vários libretos de óperas, não apenas o de Elektra (1909) mas também O Cavaleiro da Rosa (1911), Ariana em Naxos (1912), A Mulher sem Sombra (1919), Helena do Egipto (1928) e Arabella (estreada em 1933, já depois da sua morte, em 1929). Mas o que aqui o traz é mais o seu fulgurante início nas artes, ainda bastante jovem, e que é descrito de forma impressiva e entusiástica por Stefan Zweig no seu livro O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu (Ed. Assírio e Alvim, 2005). Nascido em Viena, em 1874, Hofmannsthal foi um dos poetas que, com Stefan George ou Rainer Marie Rilke, contribuíram decisivamente para a renovação da poesia em língua alemã. Com um pormenor: Hofmannsthal fê-lo ainda imberbe e isso espantou não apenas os seus amigos e pares de escola como, especialmente, os escritores e autores já adultos.
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Integrada no ciclo “De Zeus a Varoufakis” (curiosa maneira de ver a Grécia nos destinos da Europa), é apresentada esta quinta-feira no CCB a ópera Elektra, de Richard Strauss (às 20h), com repetição dias 4 (16h) e 7 (20h). Mas não é de ópera nem de Strauss que trata esta crónica, e sim de um prodigioso poeta amigo de Strauss nascido em 1 de Fevereiro, há exactamente 144 anos: Hugo von Hofmannsthal. É verdade que Hofmannsthal escreveu para Strauss vários libretos de óperas, não apenas o de Elektra (1909) mas também O Cavaleiro da Rosa (1911), Ariana em Naxos (1912), A Mulher sem Sombra (1919), Helena do Egipto (1928) e Arabella (estreada em 1933, já depois da sua morte, em 1929). Mas o que aqui o traz é mais o seu fulgurante início nas artes, ainda bastante jovem, e que é descrito de forma impressiva e entusiástica por Stefan Zweig no seu livro O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu (Ed. Assírio e Alvim, 2005). Nascido em Viena, em 1874, Hofmannsthal foi um dos poetas que, com Stefan George ou Rainer Marie Rilke, contribuíram decisivamente para a renovação da poesia em língua alemã. Com um pormenor: Hofmannsthal fê-lo ainda imberbe e isso espantou não apenas os seus amigos e pares de escola como, especialmente, os escritores e autores já adultos.
Zweig, que considerava Hofmannsthal “um dos grandes milagres da perfeição precoce” (à excepção de Keats ou Rimbaud, dizia, não lhe ocorria outro igual), conta no seu livro a curiosa história do primeiro encontro entre Hermann Bahr (1863-1934), escritor e dramaturgo austríaco que, editando à época uma revista em Viena, ficou espantado com um artigo que recebera, assinado Loris. Quem seria aquele Loris?, interrogava-se. “É com certeza – pensou Bahr, e contou a Zweig – um homem de idade, que filtrou as suas descobertas silenciosamente, anos a fio, e cultivou, em misteriosa clausura, as essências mais sublimes da língua até lhes conferir uma magia quase voluptuosa. E um tal sábio, um poeta tão abençoado vivia na mesma cidade sem que nunca tivesse ouvido falar dele!” Curioso, marcou encontro com Loris no café Griensteidl, quartel-general da jovem literatura. “Subitamente, aproximou-se da sua mesa, num passo leve e rápido, um aluno liceal, esbelto, ainda imberbe, de calções curtos, que fez uma reverência e disse de forma sucinta e decidida, num tom agudo ainda a acusar a mudança de voz: ‘Hofmannsthal! Eu sou Loris.’” O liceu proibia aos alunos publicarem textos sob o seu verdadeiro nome; por isso Hofmannsthal assinava “Loris” ou “Theofile Morren”.
O espanto de Bahr repetiu-se com o também escritor Arthur Schnitzler. O jovem pediu-lhe para ler uma peça de teatro que escrevera, e ele, mais por condescendência do que por crer na validade do trabalho, desafiou-o a apresentar o texto em sua casa; e convidou alguns amigos. “Hofmannsthal”, diz Zweig, “apareceu nos seus calções curtos, um pouco nervoso e embaraçado”, e começou a ler. “De repente, passados alguns minutos”, contou mais tarde Schnitzler a Zweig, “começámos a prestar grande atenção e a trocar olhares estupefactos, quase assustados. Nunca tínhamos ouvido da boca de um poeta vivo — nem sequer considerávamos possível, desde a época de Goethe, que tal pudesse acontecer —, versos tão perfeitos, de tão irrepreensível plasticidade, de tão grande sensibilidade musical. Mas ainda mais maravilhoso do que o domínio da forma (que até hoje ninguém mais conseguiu alcançar em língua alemã), era o conhecimento do mundo, que só podia provir de uma intuição mágica, tratando-se de um rapaz que passava os dias sentado no banco da escola. Tive a sensação de estar pela primeira vez frente a frente com um génio nato, e nunca mais senti nada tão forte em toda a minha vida.” O deslumbramento não foi eterno, conta Zweig mais adiante no seu livro. “De certo modo, Hofmannsthal nunca mais voltou a superar o milagre que ele próprio foi entre os dezasseis e os vinte e quatro anos. (...) Alguma coisa se perdeu daquela precisão sonâmbula”.
Mas duas coisas ficaram, para sempre: a obra de Hofmannsthal e a sensação incrível de se ter derrubado um marco. “Ele provou que era possível – que extraordinário aliciante para uma alma jovem! – ter-se sido já impresso, já celebrado, já famoso, enquanto em casa e na escola ainda se era considerado um ser adolescente e insignificante.” Um prodígio, a entrar na História de calções!