No quarto de Elektra, com música de Strauss
Uma nova produção de Elektra estreia-se esta quinta-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Uma ópera que exige o máximo dos cantores e de uma grande orquestra. Mas também dos espectadores, que precisam de coragem para entrar nesta ópera arrebatadora de Richard Strauss.
Intensidade, sangue, coragem: Elektra promete inquietar os espectadores que forem ao Centro Cultural de Belém esta quinta-feira para assistir à nova produção do Teatro de São Carlos (com récitas também a 4 e a 7 de Fevereiro). Uma versão semiencenada por Nicola Raab, com direcção de Leo Hussain e um elenco com grandes vozes... e vozes grandes, em que se destaca Elektra, que será interpretada pela soprano Nadja Michael.
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Intensidade, sangue, coragem: Elektra promete inquietar os espectadores que forem ao Centro Cultural de Belém esta quinta-feira para assistir à nova produção do Teatro de São Carlos (com récitas também a 4 e a 7 de Fevereiro). Uma versão semiencenada por Nicola Raab, com direcção de Leo Hussain e um elenco com grandes vozes... e vozes grandes, em que se destaca Elektra, que será interpretada pela soprano Nadja Michael.
Fomos ao CCB assistir ao ensaio geral e falar com alguns dos responsáveis artísticos desta nova produção. Não se trata propriamente de um “concerto encenado”, mas de uma verdadeira encenação de Elektra, embora a encenadora tenha mantido um lado de concerto e trabalhado com meios limitados. “As limitações são sempre inspiradoras para mim, obrigam-nos a inventar um sistema. Pediram-me uma encenação reduzida e trabalhei a partir daí, mantendo elementos de uma situação de concerto”, explica Nicola Raab. Há por exemplo estantes em palco, mas também um lugar central onde está, desde o início, Elektra. “Elektra é o centro. Ela está numa espécie de quarto, mas numa situação em que não pode deixar o quarto. Está numa situação traumática da qual não pode sair”, diz a encenadora.
Uma ópera mental
Tudo gira à volta de Elektra e da sua mente, nesta ópera “psicológica” de Richard Strauss estreada em 1909. O libreto de Hugo von Hoffmansthal, que viria a colaborar com Strauss nos vinte anos seguintes, propõe uma reflexão “freudiana” a partir da Elektra de Sófocles e de outros textos gregos antigos.
Para o director musical, Leo Hussain, com quem falámos no fim de um extenuante ensaio geral, “Elektra é de facto uma ópera psicológica. Claro que há toda a discussão sobre o libreto de Hoffmansthal e há lá Freud, é verdade. Mas não é só isso”. Para o maestro, “é preciso encontrar musicalmente o expressionismo, a interioridade. Por exemplo, os leitmotive têm que ver com os pensamentos das personagens, não é como em Wagner. Há um uso subliminar dos leitmotive que é preciso descobrir”. O maestro britânico Leo Hussain considera que Elektra “é uma ópera muito exigente, e também para o público. Não é uma obra leve e despreocupada. Tem uma grande intensidade”. Difícil e exigente para todos, e para os cantores e os músicos também: “Há pessoas que tocaram a peça há muito tempo, mas é preciso uma memória fresca. E para muitos foi como aprender Elektra de novo, do início. Além disso, é tecnicamente muito difícil.”
Elektra é nesta produção a soprano alemã Nadja Michael, uma cantora que tem cantado frequentemente Wagner, mas também com muita experiência no repertório operático da primeira metade do século XX (Janacék, Bartók, Shostakovitch, Strauss, etc.) e com capacidades vocais portentosas. “Tentámos criar uma Elektra transparente”, diz Nadja Michael. “A partitura e o lado teatral são extremamente exigentes. Era preciso mais uma semana. Mas se calhar é uma ópera que nunca está completamente acabada...”, diz Nadja Michael com um sorriso. O papel de Elektra é muito extenuante em todos os sentidos, vocal e físico: “É preciso estar muito concentrado para atravessar o todo e fazê-lo bem. Não é evidente, nem natural”, diz a soprano alemã.
Ela concebeu com a encenadora uma Elektra que se exprime não apenas vocalmente, mas com uma enorme intensidade física através do movimento do seu corpo. “Elektra não é apenas um monstro, mas um ser humano”, diz Nadja Michael. “Ela está atormentada, num determinado estado psicológico que é preciso conseguir mostrar exteriormente: “Só tinha feito este papel uma vez antes. É preciso fazer muitas vezes e repetir, para entrar no corpo. Há que descobrir como mostrar, como tornar visível e tornar vivo o que está dentro dela.” A encenadora Nicola Raab explica-nos que “é Elektra que tem de carregar o todo cenicamente. Nadja Michael é uma pessoa com grandes capacidades físicas, e por isso é mais fácil trabalhar. Tudo foi definido com muito rigor. Tudo ali são aspectos da sua personalidade, é essa a questão central desta ópera”.
Strauss de alta intensidade
Elektra foi testemunha da morte do seu pai e, de certa forma, está prisioneira do seu próprio trauma. “Ela fica presa e recusa sair, porque é impossível. Os que vêm do exterior não sabem se podem entrar ou não no seu espaço, no seu quarto, é ela que deixa ou não deixa interagir. À superfície é uma questão de vingança, mas não é só isso, é muito mais complexo. Foi isso que tentámos mostrar”, diz-nos a encenadora.
Elektra e o seu irmão, Orestes, querem vingar a morte de Agamémnon, pai de ambos. Para isso, planeiam assassinar a mãe, Clitemnestra, e o seu amante, Egisto. Uma ópera violenta, de sangue e vingança, mas que, segundo o director musical, é preciso tratar com cuidado: “Do ponto de vista do maestro, a maior dificuldade é manter o equilíbrio, e não fazer tudo numa dinâmica forte. O segundo desafio é encontrar a arquitectura e a fluidez do todo, numa ópera que nunca pára. É preciso um tratamento cuidadoso da música. É exuberante e extravagante, sim, mas é preciso também ter disciplina”, diz Leo Hussain.
Se pensa ir ao Centro Cultural de Belém ouvir e ver esta Elektra, ópera num só acto, prepare-se para uma experiência arrebatadora e exigente. “Não é só uma ópera para ir passar uma boa noite”, avisa a cantora Nadja Michael. “É preciso ter a mente aberta para entrar num lugar escuro e pensar através disso. Pode-se tirar um enorme prazer. É preciso tempo para entrar na música, na partitura, na personagem”, diz.
Uma ópera de alta intensidade, com sangue, vísceras e emoção. Que exige coragem dos cantores e dos músicos, mas também dos espectadores. “É uma experiência intensa e esmagadora”, diz o maestro. Elektra sobe ao palco esta noite. Conseguiremos entrar no seu quarto, no seu espaço mental, e percorrer a viagem alucinante que propõe a música de Richard Strauss?