Agência do Ambiente confirma que carga poluente teve origem na indústria da pasta de papel

Organismo detectou níveis de celulose “cinco mil vezes” acima do normal. As licenças de descarga no rio Tejo podem vir a ser revistas. "Não podemos descarregar afluentes no meio que não tem capacidade para os receber”, disse Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente.

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LUSA/PAULO CUNHA

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) concluiu que as descargas das empresas de pasta de papel a montante do açude de Abrantes, onde há uma semana foi detectada uma grande mancha de espuma, tiveram um “impacto negativo e significativo” na qualidade da água do rio Tejo, que resultaram num acumular de carga orgânica. A agência detectou níveis de celulose “cinco mil vezes” acima do normal.

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A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) concluiu que as descargas das empresas de pasta de papel a montante do açude de Abrantes, onde há uma semana foi detectada uma grande mancha de espuma, tiveram um “impacto negativo e significativo” na qualidade da água do rio Tejo, que resultaram num acumular de carga orgânica. A agência detectou níveis de celulose “cinco mil vezes” acima do normal.

Estas conclusões, apresentadas esta quarta-feira pelo presidente da APA Nuno Lacasta, tiveram como base as análises feitas à água e espuma do rio Tejo, no passado dia 24, quando a mancha de espuma foi detectada, e a comparação destes valores com aqueles que resultaram da monitorização feita durante o ano passado nesta zona do rio. “O que verificamos com base nestas amostras e na monitorização feita em 2017, intensificada no final do ano, foi que o acumular da carga orgânica nestas localizações do rio, com origem nas indústrias de pasta de papel situadas a montante do açude de Abrantes, tem um impacto negativo e significativo na qualidade da água do rio Tejo”, afirmou Nuno Lacasta.

De facto, a agência, em colaboração com o Instituto Superior de Agronomia, detectou que no dia 24 os valores de celulose, composto orgânico associado à indústria do papel, eram “cerca de 5 mil vezes” superiores aos detectados em amostragens anteriores naquela zona.

Ainda que não responsabilize uma empresa específica, colocando a tónica em todas aquelas que se localizam a montante de Abrantes e das albufeiras de Fratel e Belver, Nuno Lacasta sublinhou que a Celtejo é responsável por 90% das descargas naquela zona, lembrando que esta empresa foi obrigada a reduzir para metade as descargas de efluentes. Até ao dia 5 de Fevereiro, altura em que terminam esta “medida de precaução” de 10 dias, APA vai a avaliar os impactos desta restrição na qualidade da água do rio e rever se a medida é prolongada ou alargada a outras empresas.

O presidente da APA fez saber ainda que está a monitorizar as descargas de efluentes da estação de tratamento de águas residuais industriais entregue à Certejo e em funcionamento desde final do ano passado (dois anos antes daquilo que era previsto), que ainda se encontra em “fase de afinação”. Por isso, esta estação apenas recebe parte dos efluentes para tratamento proveniente das indústrias da região.

Está ainda em cima da mesa a possibilidade de revisão das licenças de descarga no rio Tejo para que estas sejam adequadas à capacidade de absorção do meio, notou Nuno Lacasta, quando questionado pelos jornalistas. "O rio alterou-se e fruto disso temos que nos adaptar nesse sentido, do ponto de vista regulamentar”, pois “não podemos descarregar afluentes no meio que não tem capacidade para os receber”.

Saturação do rio

As análises à água evidenciaram ainda valores de carência de oxigénio e fósforo “acima da capacidade de carga que a massa de água consegue assimilar”.

O presidente da APA explicou que “a elevada carga de matéria orgânica tem provocado a redução significativa do oxigénio dissolvido” na água, “conduzindo pontualmente a condições de anoxia (ausência de oxigénio), facto que é negativo para o bom estado do rio”. De acordo com Nuno Lacasta, a capacidade de carga do rio já estava significativamente reduzida devido a uma conjugação de factores, como as temperaturas muito elevadas, a falta de chuva e a seca associada, que diminuiu os caudais do rio.

Foi neste contexto que a APA reforçou a monitorização da qualidade de água no início do ano passado. Procedimento que passou a ser feito de dois em dois dias a partir de Novembro e, mais recentemente, todos os dias. Perante isto, Nuno Lacasta não consegue para já explicar como foi possível o surgimento da mancha de espuma da passada semana, afirmando que há uma investigação em curso.

Já esta quarta-feira, o ministro da Ambiente adiantara que o problema de saturação do Tejo, que afecta o rio de forma mais evidente “no final do ano hidrológico em que choveu infelizmente muito pouco”, poderá ter sido agravado pelas eventuais descargas poluentes. O ministro afirmava que só na segunda-feira seria possível confirmar se estas aconteceram ou não, quando fossem divulgadas “as análises que foram feitas, durante 24 horas, nas maiores estações de tratamento de águas residuais das indústrias do papel”, a montante de Abrantes.