Acções contra “desvio” de fundos europeus por Lisboa vão até ao fim

AMP já ganhou no Supremo uma das acções contra a aplicação em Lisboa de verbas das regiões de Coesão do anterior quadro de apoio, por via do recurso ao efeito difusor, o chamado spill over

Foto
O supremo decidiu já a favor da AMP numa das acções contra o Estado Português Miriam Lago

O Conselho Metropolitano do Porto vai prosseguir com as acções em tribunal em que pede a condenação do Estado Português, por alegado desvio para Lisboa de fundos comunitários destinados às regiões de Convergência, no anterior Quadro Comunitário. Um dos processos já foi decidido favoravelmente à AMP, que mesmo sem a perspectiva de reaver o dinheiro perdido quer fazer desta iniciativa uma forma de garantir que a parte mais pobre do país não volta a ser prejudicada pelo recurso indevido ao efeito difusor, ou spill over, na terminologia da burocracia europeia.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Conselho Metropolitano do Porto vai prosseguir com as acções em tribunal em que pede a condenação do Estado Português, por alegado desvio para Lisboa de fundos comunitários destinados às regiões de Convergência, no anterior Quadro Comunitário. Um dos processos já foi decidido favoravelmente à AMP, que mesmo sem a perspectiva de reaver o dinheiro perdido quer fazer desta iniciativa uma forma de garantir que a parte mais pobre do país não volta a ser prejudicada pelo recurso indevido ao efeito difusor, ou spill over, na terminologia da burocracia europeia.

Já lá vai quase uma década desde que a Área Metropolitana do Porto, então liderada por Rui Rio, se insurgiu contra a invocação do spill over, expressão inglesa que entrou pelos jornais adentro a propósito das críticas à utilização de quase 200 milhões de euros de Fundos de Coesão destinados ao Norte, Centro e Alentejo, em projectos na área de Lisboa e Vale do Tejo. O Governo justificava-se, então, com o efeito de difusão desses investimentos na região mais rica do país pelo resto do território nacional, situação prevista no direito comunitário mas com critérios que, pelo que se vai percebendo pelas decisões judiciais, não foram cumpridos.

Chamado a intervir sobre esta situação, o Tribunal de Justiça da União Europeia avisava, já em 2012, que “todo o investimento destinado ao Objectivo Convergência deve beneficiar directa e especificamente as regiões NUT II abrangidas por aquele (isto é, as NUTS do Norte, Centro e Alentejo)”, e instava os tribunais portugueses a verificar as condições em que seria aplicável o efeito difusor eram obedecidas. Ora, o que as regras do anterior quadro de apoio determinavam é que os efeitos nas regiões de convergência de determinada despesa feita na região de Lisboa teriam de representar pelo menos 68,5%, o que segundo um estudo encomendado pela Área Metropolitana a docentes da Faculdade de Economia do Porto não se verificava.

Em causa estavam projectos co-financiados pelo Compete e pelo Programa Operacional Potencial Humano (POHP) com origem nos ministérios do Ambiente, da Economia e do Trabalho, que deram origem a sete acções distintas entregues em 2009 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. As duas maiores visavam financiamentos na ordem dos 95 milhões e dos 76,7 milhões de euros e, se num caso envolvendo financiamentos de 15 milhões, a AMP desistiu do processo, “por razões estratégicas”, nos restantes a justiça seguiu o seu caminho, lento, como é habitual, mas sempre a favor do queixoso, nos casos em que já decidiu.  

Num dos processos, relativo a fundos de 3,5 milhões de euros, já foram esgotadas as possibilidades de recurso por parte do Estado, que viu o Supremo Tribunal Administrativo confirmar as decisões anteriores. Um caso envolvendo 810 mil euros do POHP foi decidido a favor da AMP em primeira instância e numa das duas acções envolvendo volumes maiores de financiamento usados sob a chancela do spill over, há uma decisão recente em segunda instância.

Uso indevido

Num acórdão de 12 de Janeiro, o Tribunal Central Administrativo do Norte julgou improcedente o recurso apresentado pelos Ministérios do Ambiente, da Economia e pela gestão do Compete. Os réus têm, desde aquela data, 30 dias para recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo e provar que não violaram as regras na aplicação de 76,7 milhões de euros. No mesmo tribunal central encontra-se em fase de recurso uma apelação, apresentada pelo réu contra a sentença da primeira instância, que considerou indevida a aplicação, nos mesmos moldes, de quase 95 milhões de euros.

A saga na Justiça contra o spill over está longe de terminar. Noutros dois processos, de 2,6 milhões de euros, num caso, e 276 mil euros, noutro, já foram, segundo a AMP, apresentadas as alegações finais, aguardando-se a decisão da primeira instância, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. E em cada um deles as entidades visadas poderão, ainda recorrer.

“É obvio que a demora dos tribunais levou a que estas acções não tivessem o efeito prático esperado, isto é, a alocação das verbas, indevidamente utilizadas pelos serviços centrais, à Região Norte”, assume a comissão executiva da AMP, que pretende prosseguir com os processos para mostrar que tinha razão, e evitar que isto volte a acontecer. Os autarcas concordaram, por unanimidade, e na reunião do conselho metropolitano, na passada sexta-feira, o presidente da Câmara da Feira questionava se, no final, não será possível avançar com uma acção indemnizatória contra o Estado Português, proposta que terá de ser, ainda avaliada.